O processo que apura as responsabilidades pela tragédia na Boate Kiss, em Santa Maria, ocorrida em janeiro de 2013, deverá ter o júri mais longo da história do Judiciário gaúcho. O incêndio matou 242 pessoas e deixou mais de 600 feridos.
Até então, o de maior duração no Estado foi o que resultou na condenação dos quatro réus acusados de matar o menino Bernardo Boldrini, de 11 anos, crime que aconteceu em abril de 2014. Foram cinco dias de sessão no Foro de Três Passos, em março deste ano.
GaúchaZH perguntou a 14 advogados, juízes, desembargadores e promotores qual a estimativa de duração do julgamento em plenário, caso se confirme o júri pelos tribunais superiores. As estimativas variam muito e dependem, segundo eles, do número de feridos que serão arrolados para prestar esclarecimentos. O júri poderá ocorrer neste ano.
Em 18 de junho, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reverteu decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) e decidiu que os réus Mauro Hoffmann, Elisandro Spohr, Marcelo Santos e Luciano Bonilha deverão ser submetidos a julgamento pelo Tribunal do Júri. A decisão ainda cabe embargos de declaração na própria corte e recurso extraordinário ao Supremo Tribunal Federal (STF).
O caso deverá ser julgado pelo titular da 1ª Vara Criminal de Santa Maria, juiz Ulysses Louzada, mas para isso será preciso ocorrer o trânsito em julgado da decisão, que é quando não há mais possibilidade de recursos. As partes e o juiz ainda poderão pedir o chamado desaforamento, para que os réus sejam julgados em outra cidade. A reportagem apurou que pelo menos uma das partes fará esse pedido. No Caso Bernardo, por exemplo, o pedido de desaforamento foi feito pela juíza do processo, mas foi negado pelo TJ-RS.
Caso confirmado o júri pelos tribunais superiores, um ofício é enviado pelo STF ao juiz de Santa Maria comunicando o resultado do julgamento. Quando o processo chegar à comarca, MP, assistente de acusação (Associação das Famílias das Vítimas da Tragédia da Kiss) e defesa dos réus são intimados e poderão pedir diligências, arrolar testemunhas e pedir o desaforamento. Depois, vai ao juiz para decidir sobre os pedidos e já marcar o júri, já calculando o possível tempo para o cumprimento das diligências.
— Se não transitar em julgado no STF até outubro, dificilmente sai (o júri) neste ano — projeta o pós-doutor em Direito Penal e professor da PUC-RS, Marcelo Peruchin.
A reportagem apurou que, caso seja realizado em Santa Maria, o júri não deverá ser feito no Foro da cidade, mas em um lugar mais amplo.
Advogados, promotores, juízes e desembargadores se dividem quanto à estimativa de duração do júri. As projeções vão de dois a 45 dias. Todos destacam que primeiro é preciso saber quantos dos mais de 600 feridos serão ouvidos.
Geralmente as vítimas são arroladas pelo Ministério Público (MP). O promotor do caso, Joel Dutra, prefere aguardar o retorno dos autos à Santa Maria para falar se pedirá para ouvir todas, parte delas ou se não arrolará as vítimas. Cada parte poderá arrolar até cinco testemunhas, mas isso pode ser ampliado caso haja um acordo entre as partes.
— Esse será um júri sem igual no Estado. Talvez no Brasil não tenhamos um júri dessa magnitude pelo número de vítimas. Em torno de quatro a sete dias, eu concordo. Mais do que isso eu acho muito pouco provável — projeta o doutor em Direito Processual Penal Aury Lopes Júnior, ao dizer que não acredita que todas as vítimas sejam ouvidas.
Na avaliação de Peruchin, a duração será maior.
— Dependendo do número de vítimas arroladas, será o mais longo do Estado. Calculo que dificilmente será com menos de 10, 15 dias — projeta o advogado criminalista.
Algumas das fontes consultadas pela reportagem preferiram não ser identificadas, mas também opinaram sobre o caso.
— Vai depender de quantas pessoas forem arroladas para depor. Só depois disso dá para estimar — sustenta um juiz criminal.
Um outro magistrado ouvido por GaúchaZH, que atuou por 10 anos na condução do Tribunal do Júri, acredita em mais de um mês de duração.
— Nunca vivenciei nada semelhante. Terá que contar com a boa vontade das partes. Ainda existe a possibilidade de desaforamento para a capital, face à natureza do fato. Sendo otimista um mês. Acredito em 45 dias — calcula esse experiente juiz.
Essa outra juíza, que também trabalhou por muitos anos no Tribunal do Júri, projeta em uma semana.
— O júri mais longo que presidi, com um único réu e vítima também única, durou três dias. Esse, com quatro réus e mais de 200 vítimas, creio que não menos de uma semana. Mas isso ainda pode ser revisto pelo STF — avalia a magistrada.
A opinião é compartilhada por um outro desembargador ouvido pela reportagem.
— Acho que sete ou oito dias — projeta.
Um advogado, também com bastante experiência em plenário, mantém a cautela ao opinar:
— Acho que tudo depende se as vítimas vão ser ouvidas ou não. Me parece que esse processo não precisa de uma única pessoa ser ouvida em plenário, porque a discussão é essencialmente jurídica, se tudo aquilo é dolo eventual ou não. Eu não tenho como estimar, por óbvio, mas acho que mais do que dois dias já é desnecessário — avalia o criminalista.
As opiniões são compartilhadas também por um promotor que atua na área criminal ("Acho no mínimo três a quatro dias, difícil estimar"), de um advogado criminalista que costuma trabalhar em tribunais do júri ("Me parece que muitas vítimas não foram ouvidas na instrução") e um juiz criminal que vê o processo como prioridade, sem descartar os pedidos de desaforamento.
— Difícil de prever um prazo. Vai depender do número de testemunhas que serão arroladas para serem inquiridas em plenário. A lei diz que havendo vítimas devem ser inquiridas em plenário, sendo passível — avalia o magistrado.
Um experiente juiz criminal não acredita em menos de duas semanas. Entretanto, ele crê que o pedido de desaforamento não deverá ser aceito.
— A comunidade do local onde ocorreu o fato é que precisa dar uma resposta. Dificilmente ocorrerá fora de Santa Maria — projeta o juiz.