SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Para especialistas em armamento e comércio de armas no Brasil ouvidos pela Folha, há muitas dúvidas sobre o decreto publicado por Bolsonaro, que devem ser esclarecidas com a publicação de portarias normativas e regulamentações do Exército e da Polícia Federal.
O decreto assinado nesta terça-feira (7) flexibiliza as regras de transporte de armas para colecionadores, atiradores esportivos e caçadores, conhecidos pela siga CAC.
Entre os pontos que, no entanto, estão claros no decreto, está a liberação ao cidadão comum de armas cujo uso antes era restrito às forças de segurança, como pistolas de calibres .49m, 9 mm, .45 e 357 Magnum.
São armas que, até hoje, nem mesmo as guardas municipais brasileiras estão autorizadas a usar. Os agentes de segurança municipais usam, atualmente, revólveres calibre .38 e pistolas .380.
Como forma de comparação, uma pistola .380 tem energia de lançamento de 256 joules --é um sexto do que o novo decreto permite para o cidadão comum.
Uma arma com munição .357 Magnum, por exemplo, tem até 991 de joules --a energia varia de acordo com fatores como a ponta ou o tipo de pólvora da munição. Uma pistola .9mm pode chegar a 506 joules.
A Polícia Militar de São Paulo utiliza pistola calibre .40, que pode chegar a 665 joules.
Ficam de fora da permissão dada pelo decreto apenas calibres de grande impacto como a .454 Casull, com potência de 2.530 joules, e a .500 S&W, com até 3.174 joules. São munições utilizadas para caçada de animais de grande porte.
Lincoln Tendler, editor-chefe da revista Magnum e especialista em armamentos, diz que a letalidade de um arma varia segundo uma série de fatores.
"Depende muito do projétil escolhido, da distância, há um monte de considerações a serem feitas, mas qualquer arma é letal, dependendo do lugar onde ela atinge do corpo humano", diz Tendler, que afirma que o calibre é uma referência, mas não é o único aspecto a ser considerado para avaliar o potencial de dano de um armamento.
"A restrição de calibre vem do tempo de Getúlio [Vargas, presidente], que só criou essa ideia de calibre para evitar que uma revolução o tirasse do poder. Não entendia nada de balística."
Tendler diz também que a quantidade de munições liberada para treinamento até agora, 40 cartuchos, era insuficiente. "Um campeão de tiro nos EUA, amigo meu, faz 5.500 disparos por semana. Ela precisa disso, ele é um atirador", afirma.
Apesar de ter sido divulgado sem muitos detalhes, o decreto é um avanço em relação à portaria do Exército, publicada em março de 2017, que permitia a esse grupo eleger uma de suas armas para ser transportada municiada entre o seu local de guarda e o local de treinamento ou competição e vice-versa.
Outro ponto que será alterado com o texto é maior possibilidade de importação de armas, antes restrita.
Ao assinar o texto, Bolsonaro disse que "ninguém está liberando a caça no Brasil, antes que peguem isso para dizer", afirmou, acrescentando que caça no país só está autorizada mediante lei.
A flexibilização para a posse de armas é uma bandeira antiga de Bolsonaro, que foi eleito com forte apoio da bancada da bala.
Depois de assumir a Presidência da República, um de seus primeiros atos como presidente foi a edição de um decreto para facilitar a posse de armas de fogo, uma promessa de campanha.