Devastada por um tsunami de lama, Brumadinho (MG), na região metropolitana de Belo Horizonte, definha. Além de lidar com o drama da perda de vidas, que enche de covas os cemitérios da cidade, moradores ainda não sabem como a cidade sobreviverá sem sua principal fonte de renda: a mineração.
Hoje, cerca de 60% da arrecadação da prefeitura decorre da atividade, que também é responsável por grande parte da economia local. De pequenos a grande comerciantes, todos dependem do capital de giro que, até agora, vinha da Vale, companhia responsável pelas barragens rompidas na última sexta-feira (25).
Presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) do município, Aldnei Pereira Sobrinho planeja fazer uma reunião, nos próximos dias, para buscar alternativas daqui para frente.
— A Vale tinha cerca de 600 funcionários, a maioria daqui. Sem essa fonte de renda, a arrecadação cai, as vendas caem. Em Mariana, foi assim. Conversamos com o pessoal de lá e disseram para a gente se preparar, porque vai afetar tudo — diz Sobrinho.
Proprietários de pequenos negócios estão ainda mais pessimistas. Dono de uma loja de brinquedos e eletrônicos, Joaquim Inocêncio, 59 anos, prevê crise e falências. Ele tinha entre seus principais clientes empregados da Vale e seus filhos. Muitos deles estão desaparecidos e alguns não resistiram à tragédia.
— É terrível tudo o que está acontecendo. Brumadinho vai morrer. Está morrendo. Essa situação toda vai acabar com o comércio, com tudo. Vai haver um efeito financeiro dominó. Já estamos sentindo isso — lamenta Inocêncio.
O problema também preocupa o governo federal. Segundo o ministro da Cidadania, Osmar Terra, a iminente derrocada econômica da cidade precisa ser revertida.
É terrível tudo o que está acontecendo. Brumadinho vai morrer. Está morrendo. Essa situação toda vai acabar com o comércio, com tudo. Vai haver um efeito financeiro dominó. Já estamos sentindo isso.
JOAQUIM INOCÊNCIO
comerciante de Sobradinho
— Pelo que acompanhamos, Brumadinho deverá sofrer uma depressão econômica e isso significa que mais gente vai precisar de renda do governo. A cidade, em si, terá perda econômica, para além de toda a perda humana. Pelo que apurei da tragédia de Mariana, a renda per capita no local caiu para um terço do que era antes. A médio prazo, vamos ter de refazer a cidade. Inclusive, talvez seja preciso modificar a matriz econômica. Isso é um trabalho que o governo vai ter de fazer e a Vale vai ter de participar — disse Terra à Rádio Gaúcha.
Diante da apreensão da prefeitura frente à perda de receita, o diretor-executivo de Finanças e Relações com Investidores da Vale, Luciano Siani, afirmou, em entrevista coletiva no início da semana, que "Brumadinho não vai perder arrecadação por conta da paralisação das atividades da Vale".
— A Vale vai compensar o município como se a operação estivesse ocorrendo — garantiu.
Raiva, indignação e desejo de justiça
A promessa é vista com ceticismo por moradores, que vivem relação dúbia com a companhia. Reconhecem que Brumadinho precisa da Vale, mas sentem raiva e indignação pela catástrofe e desejam justiça. Isso ficou visível, nesta terça-feira (29), no Cemitério Parque das Rosas, onde foram escavadas 34 covas, lado a lado, com capacidade para três caixões cada.
Com luvas e máscaras, os coveiros passaram os últimos dias abrindo os buracos, e os montes de terra se acumularam no gramado. Só ali, há capacidade imediata para 99 enterros, que tendem a se intensificar ao longo da semana.
Um deles ocorreu na manhã desta terça. Sob o olhar desesperado de familiares, o corpo de Edgar Carvalho dos Santos, 45 anos, foi sepultado por volta das 9h30min. Ele era inspetor técnico de manutenção e trabalhava na Vale.
Ao final da cerimônia, a viúva precisou ser consolada. Passou 20 minutos desabafando com a psicóloga e socorrista da Cruz Vermelha Regina Cosso de Campos Martins, 60 anos. Não se conformava com a perda.
— É complicado, difícil aceitar o que aconteceu. Mas é importante que as pessoas botem o que sentem para fora. Chorar faz bem — concluiu Regina.
Enquanto parentes das vítimas enterravam suas esperanças, a 10 quilômetros dali bombeiros, profissionais da Defesa Civil e militares israelenses prosseguiam nas buscas por desaparecidos. O trabalho começou às 4h e se estendeu até a noite, com foco em quatro pontos: o ônibus de empregados da Vale localizado próximo das barragens, o refeitório e o prédio administrativo da corporação e a Pousada Nova Estância, soterrada pelo barro, onde havia cerca de 35 pessoas no momento da catástrofe.
Comerciantes apreensivos
Funcionárias de uma loja de telefones e acessórios na Rua Presidente Vargas, no centro de Brumadinho, Isabel Siqueira e Marina Moura, ambas de 19 anos, preveem dificuldades pela frente.
— Mais de 90% das nossas vendas vinham de funcionários da empresa ou de filhos deles. Até os supermercados dependiam deles. Agora, ninguém sabe como vai ser. É certo que vai afetar todo mundo — relata Isabel.
Para Marina, "a Vale volta":
— Vai demorar, mas acho que volta, sim.
Do outro lado da via, Jéssica Fernandes, 22 anos, não tem tanta certeza, diante das proporções da tragédia. Ela acredita que a economia local vai padecer.
— Quando teve a crise de 2015 e 2016, a Vale demitiu muita gente, logo sentimos a queda nas vendas. Depois, voltou a contratar e deu um up. Agora, não sabemos o que vai acontecer. Vai ser difícil superar isso — avalia Jéssica, vendedora de acessórios para eletrônicos.
Sobre a relação de amor e ódio com a mineradora, Isabel confirma a dubiedade:
— Por um lado, precisamos da empresa. Por outro, tem tudo isso que veio com o rompimento das barragens. Agora, Brumadinho vai ser lembrada apenas por isso. Até o turismo pode ser prejudicado.