A chegada de venezuelanos a Pacaraima, município de Roraima com pouco mais de 12,3 mil habitantes, mudou a rotina da cidade. Nas poucas ruas, a impressão é de que se fala mais espanhol do que português. É comum encontrar, nas lojas do centro, trabalhadores venezuelanos. Há casos em que todos os funcionários vieram do país vizinho.
Com hotéis e ruas repletas de observadores estrangeiros, autoridades e jornalistas, a cidade está sob os efeitos da repercussão dos conflitos de cinco dias atrás, quando moradores atearam fogo a barracas e pertences de imigrantes. A reação foi motivada pela suspeita de que um assalto foi provocado por venezuelanos.
A presença dos imigrantes na cidade divide a opinião dos moradores. Para alguns, gera prejuízos, outros observam pelo lado do apoio humanitário e econômico, pois os venezuelanos podem colaborar para o crescimento do país.
Os comerciantes afirmam que não houve queda nas vendas, mas permanece o clima de medo. À noite, carros da Força Nacional e da Polícia Militar fazem ronda. Para amenizar o constrangimento, moradores e comerciantes tentam manter a rotina, enquanto há os que promovem atos públicos, como carreatas da paz.
Uma das mercearias mais movimentadas da principal rua comercial de Pacaraima é comandada pelo artesão brasileiro Oracy Cardoso, 53 anos. Nascido no Nordeste, mas em Pacaraima desde jovem, o comerciante defende os imigrantes do país vizinho, onde passou 18 anos de sua vida.
Nos anos 1990, Oracy decidiu sair do Brasil para vender seu artesanato. Só voltou a Pacaraima em 2015, quando a economia venezuelana começou a se agravar. "O que eu ganhava lá já não pagava as necessidades, não valia a pena", conta.
Com o dinheiro do artesanato, Oracy conseguiu voltar a Roraima. Em Pacaraima, passou um ano pedindo ajuda na rua, depois foi trabalhar com coleta de lixo reciclável até que, há dois anos, conseguiu abrir sua mercearia.
Ao analisar o episódio do último sábado (18), Oracy é categórico:
— Isso foi se alastrando, como uma bola de neve descendo da montanha. Poderia ter sido evitado com uma triagem boa, com documentos de "nada consta" criminal de venezuelanos e brasileiros. Aqui entrou de tudo e tinha que ter sido feito isso.
No momento em que conversava com a Agência Brasil, Oracy foi cumprimentado por um grupo de venezuelanos que o agradeceram por doações. Evangélico, o artesão atribui sua generosidade às dificuldades que viveu não só na Venezuela, mas também no Brasil.
— Vejo [os venezuelanos] como seres humanos que precisam de ajuda. Eles não estão aqui porque gostam do Brasil, é por necessidade, estão fugindo da fome — disse.
Insegurança
Do outro lado da rua, o comerciante Donizete Cardoso, 51 anos, concorda com Oracy. Para ele, o conflito poderia ter sido evitado.
— Poderia ter evitado isso, desde que a segurança tivesse agido com mais rigor. De início foi um ato pacífico, mas infelizmente acabou em violência.
Donizete é de Rondônia e vive há dois anos em Pacaraima, atraído pelo comércio da região de fronteira. Mesmo estando há pouco tempo na cidade, percebeu mudanças na segurança do município.
— Aquela tranquilidade de sair com a família, estar tranquilo em casa com as portas abertas, hoje não podemos mais, porque com o fluxo grande de venezuelanos que veio pra cá acabou (sic), a criminalidade aumentando muito — afirmou o comerciante.
Há 15 dias, a mercearia dele foi arrombada pelos fundos. Os suspeitos eram venezuelanos.
— Levaram o que puderam — contou.
Segundo a prefeitura, Pacaraima registrou este ano mais de mil ocorrências criminais. A delegacia do município informou que 65% dos crimes registrados foram praticados por venezuelanos.
Apesar da sensação de insegurança, Donizete reconhece que a presença dos imigrantes é importante para o desenvolvimento da cidade. Segundo ele, um possível fechamento da fronteira com a Venezuela o levaria a encerrar seu comércio.
Emprego
Sem dados estatísticos precisos, é possível observar que os venezuelanos estão entre os principais consumidores e também representam papel importante na mão de obra de Pacaraima. Um exemplo é o da psicopedagoga Roseandra Mata, que está há quatro meses no Brasil e desde o primeiro dia trabalha em uma farmácia.
No mesmo comércio, também trabalha Yolanda Salazar, de 26 anos. A jovem, que tem formação de educadora infantil, mora em Santa Elena de Uairen e cruza a fronteira todos os dias para trabalhar.
Yolanda Salazar segue a rotina há dois anos. Segundo ela, foi a alternativa que encontrou para garantir a renda e cuidar dos três filhos. Para economizar, pensa em morar em Pacaraima. Do salário mensal de R$ 800, R$ 140 são gastos com transporte.
— Eu agradeço a Pacaraima por abrir suas portas, mas também entendo a situação, porque estou há dois anos trabalhando aqui e não havia visto uma coisa como a que estamos vendo nos últimos três, quatro meses. É uma situação horrível. Creio que devemos mudar para outro país para dignificar, não para deixar em desonra nosso país — disse a jovem, referindo-se ao aumento da insegurança no local.