Os indícios de que um grupo de professores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) burlam o regime de dedicação exclusiva, comprovados mediante uma operação policial desencadeada na última terça-feira (19), não se embasam apenas em testemunhos. A Polícia Federal (PF) seguiu os professores, filmou as atividades profissionais privadas deles (fora da sala de aula) e rastreou suas movimentações fiscais. Comprovou que a atuação deles no meio acadêmico está longe de ser exclusiva — embora recebam um adicional nos vencimentos para receberem vencimentos apenas na universidade. Em geral ganham 50% a mais em dinheiro para se dedicar totalmente à universidade.
Não é o que acontecia, conforme mostram as investigações da PF. Dos 17 investigados, todos médicos, pelo menos 15 atuam em clínicas ou consultórios privados (ou nos dois tipos de estabelecimento). Todos tinham regime de Dedicação Exclusiva (DE), pelo qual se comprometem a cumprir pelo menos 40 horas semanais na UFRGS e, além disso, não serem remunerados em contratos com outros estabelecimentos.
Alguns dos médicos enquadrados trabalhavam até três vezes por semana em clínicas. Davam expediente, embora isso seja quase impossível de conciliar (do ponto de vista físico) com a carga de 40 horas de serviço na universidade. Eles foram flagrados no trabalho, com fotos e filmagem. Testemunhas confirmaram que eles atuam e recebem remuneração nesses locais, o que contraria a legislação sobre dedicação exclusiva.
A lei também veta que os professores com DE sejam administradores de empresas privadas. As declarações fiscais deles e os registros de CNPJ mostram que vários são sócios das empresas, mas a maioria é sócio minoritário e não administrador. De qualquer forma, não poderiam ter remuneração fixa fora da universidade, interpreta a PF. Os nomes dos suspeitos não foram revelados pela polícia.
A investigação teve início em 2015, após revelações da série de reportagens de GaúchaZH chamada Universidades S.A. A checagem da PF conta com colaboração da Controladoria-Geral da União (para rastreamento de remunerações obtidas pelos professores ao longo da vida profissional) e da própria UFRGS, que forneceu documentos sobre a atividade docente dos suspeitos.
Essa é a terceira investigação da PF tendo como alvo a burla à Dedicação Exclusiva em universidades federais do Rio Grande do Sul. Além da UFRGS, já foram identificadas irregularidades na Universidade Federal do Rio Grande (Furg, em Rio Grande) e Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), onde 15 professores estão condenados por estelionato.
CGU auditou atividades de 49 professores
A Controladoria-Geral da União também possui uma investigação sobre burla ao regime de Dedicação Exclusiva (DE) na UFRGS. Só que, ao contrário da averiguação feita pela PF, o objetivo não é incriminar os professores, mas obrigá-los a devolver as quantias obtidas por trabalhos fora da universidade ou, então, puni-los com afastamento do cargo. A CGU apenas faz recomendações, que podem ou não ser objeto de processo disciplinar por parte da UFRGS.
GaúchaZH teve acesso aos resultados de duas auditorias realizadas pela CGU desde 2015. Nelas constam 49 professores investigados por suspeita de driblarem a DE. Eles são docentes de Medicina, Odontologia, Engenharia e Arquitetura. Todos recebiam 50% de adicional nos vencimentos para se dedicarem com exclusividade à universidade. Mediante cruzamento realizado entre a base de dados do Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ) e a base de dados do sistema SIAPE (controle de servidores federais), a CGU comprovou que todos eles tinham vínculos a sociedades ou empresas, como acionistas ou proprietários.
Conforme o inciso X do artigo 117 da Lei nº 8.112/90, "é vedado ao servidor participar de gerência ou administração de sociedade privada, personificada ou não personificada, exercer o comércio, exceto na qualidade de acionista, cotista ou comanditário".
A CGU inquiriu os 49 professores. Desses, a maioria disse que seu cadastro no CNPJ ou no SIAPE está desatualizado e garantiu que já não eram sócios de empresas quando passaram ao regime de DE (Dedicação Exclusiva) na UFRGS. Seis deles tinham empresas privadas (não societárias).
Ao final da apuração, a CGU concluiu que seis deles descumpriram a Dedicação Exclusiva "...ao exercer, concomitantemente à docência na UFRGS, outra atividade remunerada, pública ou privada, não permitida no Decreto nº 94.664/87, artigo 14, e na Lei nº 12.772/2012, artigo 20, parágrafo 2º".
Com relação aos outros 43, recomendou averiguações complementares da UFRGS. Alguns dos 49 estão entre os alvos da operação da PF desencadeada esta semana.
— Burlar o regime de dedicação exclusiva sujeita o professor a diversas consequências, começando pela necessidade de devolução de todo o valor recebido a título de dedicação exclusiva enquanto tenha sido praticada atividade paralela à docência. Também sujeita o professor a responder por ilícito administrativo em processo disciplinar, com possibilidade de aplicação de penalidade administrativa — alerta Carlos Alberto Rambo, superintendente da CGU no Rio Grande do Sul.