Presidente da Câmara Rio-Grandense do Livro (CRL) desde dezembro do ano passado, o editor Isatir Bottin Filho precisa lidar atualmente com uma nova incógnita na realização da edição deste ano da Feira do Livro: quanto a CRL, organizadora do evento, terá de pagar pelo uso da Praça da Alfândega – onde a Feira do Livro tem sido realizada desde 1955.
Ontem, tornou-se público um boleto emitido pelo Escritório de Eventos, vinculado à Secretaria Municipal do Desenvolvimento Econômico (SMDE) e que se tornou, neste ano, o órgão responsável na administração de Nelson Marchezan pelas autorizações de uso do espaço público municipal. O boleto, com prazo de pagamento até 28 de setembro, cobra da CRL o valor de R$ 179.849,60 pelo uso da praça por 66 dias. A prefeitura sustenta agora a versão de que o boleto não era definitivo, apenas tinha caráter de um orçamento inicial, embora tivesse logotipo da prefeitura, prazo de pagamento e código de barras.
Nesta entrevista a Zero Hora, Bottin Filho detalha o ponto de vista dos organizadores, diz que não havia sido informado em momento algum de que o boleto era apenas um "orçamento inicial", como foi definido pelo Escritório de Eventos, responsável pelo licenciamento e autorização para uso do espaço público por eventos comerciais. Bottin Filho também lamenta que o processo burocrático não tenha sido tomado com mais cuidado às especificidades da Feira e seu lugar no imaginário da cidade.
– É um evento de grandiosidade imensa que leva o nome da cidade: Feira do Livro de Porto Alegre. Então, o mínimo que a gente esperaria é um tratamento diferenciado – diz.
O prefeito Nelson Marchezan disse hoje ao programa Timeline, da Rádio Gaúcha, que um valor seria cobrado para o uso do espaço como todos os anos. Já o ex-prefeito José Fortunati declarou que não era cobrado nenhum valor. Afinal, havia ou não havia cobrança?
O que sempre foi cobrado pela prefeitura foi uma taxa de recolhimento da Smic (Secretaria de Indústria, Comércio e Serviços ). É um valor simbólico muito similar ao cobrado pelos ambulantes. Como vendemos livros na Feira, é cobrada essa taxa de arrecadação municipal pelo imposto de ambulante, é uma taxa que tem amparo legal, está correto, sempre pagamos, mas o valor é baixo. Se não me engano, são R$ 3 mil para todos os estandes.
A prefeitura fala que foi cobrado algo como R$ 5 mil no ano passado.
Pode ser que seja essa taxa da Smic então. A taxa do lixo, diferente do que o prefeito colocou, a prefeitura apresentou um valor de cobrança pelo DMLU e o valor era além do nosso caixa na ocasião da Feira, e o pessoal optou por terceirizar o recolhimento do lixo
O pessoal é quem, a prefeitura ou a Câmara?
Foi a Câmara que contratou a terceirizada.
Na Feira do ano passado já houve um problema de recolhimento de lixo na praça.
Sim, depois que houve esse impasse, demorou muito para a prefeitura entrar em acordo com a Câmara... Eu não estava na presidência na época, mas me lembro. E quando a prefeitura apresentou seus valores, o valor era muito. Não tenho como te afirmar o valor correto que eles cobraram, mas a gente acabou optando por terceirizar o serviço e a Câmara gastou algo em torno de R$ 13 mil no recolhimento do lixo.
Como os senhores foram informados da taxa? O Escritório de Eventos disse que ele foi anexado no processo eletrônico que acompanhava a solicitação da Câmara. Vocês não receberam por papel?
Não. Estávamos acompanhando eletronicamente pelo sistema. Nós ligamos para o escritório, acompanhamos fazendo ligações, e-mail, e eles nos disseram "acompanhem os passos pelo site", e nos deram uma senha. E estávamos acompanhando. E como é um evento para o qual faltam cinco meses, temos algumas exigências de planejamento que estão em cima, já. Estávamos acompanhando e aí apareceu o boleto. E nós: "opa, cadê a memória de cálculo?" Solicitamos para o Escritório de Eventos. Eles até foram solícitos, mas nesse meio tempo consultamos o Conselho Estadual de Cultura. Como recebemos dinheiro incentivado, temos que saber como contabilizar esse valor se tivéssemos que pagar esses R$ 180 mil. E consultamos também outros parceiros. Pode ser por aí que tenha vazado a coisa do boleto, mas não fomos nós, de maneira alguma.
Uma coisa que foi dita hoje pelo Escritório de Eventos é que em cada fase do processo é gerado um orçamento que é enviado em forma de boleto e que será depois atualizado ao longo das discussões e negociações. Os senhores sabiam que esse boleto inicial era só um "orçamento"?
Em momento algum tínhamos esta informação.
O escritório diz que vocês tinham.
Sinceramente, eu não tenho essa informação. Não sei se o meu pessoal que está lidando tem, mas acho que não. O processo é simples, tem uma senha e tem de acompanhar por ali. Nós não tivemos a intenção pessoal de divulgar o boleto. Claro que estamos consternados, com certeza, porque aparece um boleto nesse montante... Por isso procuramos os parceiros e o Conselho Estadual de Cultura para saber de que forma contabilizamos isso. Nosso próximo passo é solicitar uma audiência com o prefeito. Os meus passos aqui na Câmara foram fazer uma reunião com a diretoria para ver quais as medidas tomar e uma reunião com os ex-presidentes para ver de que forma a prefeitura vinha tratando essa questão de taxas. Agora, o próximo passo é marcar uma reunião com o prefeito na próxima semana, para ver de que forma a gente pode.... Porque ao nosso ver, o evento deveria ser tratado diferente de um evento qualquer. A gente sabe o peso que isso tem na cultura do Estado e o que representa a Feira no imaginário do povo gaúcho. É uma coisa que nos admira de certa forma a Feira ser tratada como um evento qualquer. Não é um evento exclusivamente comercial, não é uma feira de comércio exclusivamente. É um evento cultural em que todas as atividades são gratuitas. O valor cultural que a cidade recebe é imenso. É divulgado no país inteiro, é a maior feira ao ar livre das Américas. Durante os 18 dias, passam por lá 1,4 milhão de pessoas. A gente tem uma média de 70 mil pessoas circulando na praça por dia. É um evento de grandiosidade imensa que leva o nome da cidade: Feira do Livro de Porto Alegre. Então, o mínimo que a gente esperaria é um tratamento diferenciado. É um patrimônio imaterial da cidade.
Mas os senhores sabiam ou não que o valor ainda era passível de negociação?
Na verdade, a gente não sabia de valor nenhum. A gente sabia que eles iam cobrar algum valor de compensação. Isso sim. Inclusive fomos atendidos pelo secretário Maurício (Maurício Fernandes, secretário municipal de Meio Ambiente e Sustentabilidade) em março, porque está relacionado à praça o evento, então primeiramente procuramos ele. Ele me disse: "todo o processo agora é encaminhado ao Escritório de Eventos. Vocês devem se direcionar ao Escritório de Eventos". Ele até se colocou à disposição de conversar com a gente, mas isso fugiu da nossa alçada depois que foi divulgado o boleto. Nosso próximo passo seria conversar com a Prefeitura, com o prefeito, com esses setores. Nos disseram agora que haveria mais boletos para vir, porque esse não seria o único, ainda viria os das outras secretarias. Bom, de repente a coisa fica mais absurda ainda, a partir do momento em que a gente esperaria que a Prefeitura apoiasse integralmente o evento. De que forma a prefeitura pode ajudar o evento, colaborar com ele, como outras gestões fizeram?
É uma coisa que nos admira de certa forma a Feira ser tratada como um evento qualquer. Não é um evento exclusivamente comercial, não é uma feira de comércio exclusivamente. É um evento cultural em que todas as atividades são gratuitas. O valor cultural que a cidade recebe é imenso.
ISATIR BOTTIN FILHO
Presidente da Câmara Rio-Grandense do Livro
Se for preciso pagar esse valor, os senhores têm esse dinheiro?
Não, não tem. Não temos nem como contabilizar isso jurídica e contabilmente, não está previsto no projeto. Teria que fazer uma vaquinha, não sei de que forma. A minha ideia é que eu acredito no prefeito. Eu conversei com o prefeito ontem e ele me disse que tinha sido um engano, um erro do gabinete fazer esse boleto, porque um boleto, ao meu ver, deveria ser a última coisa do processo. Se vão emitindo boletos assim a cada passo do processo... O boleto é sempre a conta no fim, não? O prefeito até concordou. Disse que foi um equívoco emitir esse boleto antes das tratativas. E eu concordo com ele.
A cobrança é por 67 dias, embora a Feira dure 18. Mas o escritório disse que essa estimativa partiu de vocês, 25 para montagem, 25 para desmontagem, mais os dias da Feira. Está correto?
Sim, é o período que a gente precisa para fazer a montagem. Ultimamente a gente tem até diminuído esse prazo, até para não causar transtorno na área central e as dificuldades que a gente tem quando demora muito para montar ou desmontar.