O afastamento por 60 dias do corregedor-geral da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Rodolfo Hickel do Prado, teve origem em uma representação funcional interna apresentada contra ele pelo professor Gerson Rizzatti Júnior, que é citado quatro vezes no inquérito da Polícia Federal que levou à operação Ouvidos Moucos - com menções a valores que teria recebido através de bolsas de estudo.
O motivo foi a recusa de Rizzatti em aceitar fazer parte de uma comissão que apuraria um processo administrativo disciplinar (PAD) dentro da UFSC. A indicação de Rizzatti para a comissão havia sido feita pelo corregedor. A representação de Rizzatti contra Hickel ocorreu antes da deflagração da Ouvidos Moucos, em julho, mas em um momento que a reitoria já sabia da auditoria sobre o Ensino a Distância (EaD).
No documento que o chefe de gabinete da Reitoria, Áureo Mafra de Moraes, utilizou como base para afastar o corregedor em portaria publicada na sexta-feira, dia 20 de outubro, não consta quais fatos seriam apurados no processo interno. Em junho, Hickel também havia instaurado um processo administrativo contra o professor Rizzatti, que por diversas vezes pediu para ser retirado da comissão.
A procuradora federal Alessandra Sgreccia Rezende, em 16 de agosto, recomendou a instauração de uma sindicância para apurar a conduta do corregedor. A sindicância é um procedimento ao PAD. Alessandra Rezende destaca ainda que a instauração deveria ser informada antes à Corregedoria-Geral da União (CGU). Apesar disso, o chefe de gabinete Áureo de Moraes afirma que os autos não passaram por avaliação da CGU antes da abertura do PAD.
No parecer, Alessandra Rezende destacou: “deve-se informar a Corregedoria-Geral da União da instauração de sindicância contra o corregedor-geral da UFSC, para fins de controle externo exercido sobre os corregedores de que trata o artigo 13, RN 42”.
A procuradora federal expõe que a partir dos "indícios de autoria e materialidade das infrações supostamente cometidas pelo corregedor é dever da autoridade que tomou conhecimento apurar os fatos, por meio de instauração de sindicância".
Ao avaliar as informações da representação funcional e as alegações de Rizzatti, a procuradora afirmou que havia indícios de uma inimizade entre o professor e o corregedor. Caso isso fosse comprovado, Hickel não poderia manter o professor na comissão.
Ao concluir, a procuradora Alessandra afirma que “se restar comprovada alternativamente a hipótese de suspeição por inimizade ou o impedimento por litigio entre a autoridade e o interessado, não importando se judicial ou administrativo, é possível a avocação do processo administrativo disciplinar em face do professor Gerson pelo Reitor”.
Nos autos do inquérito da operação Ouvidos Moucos está anexada uma cópia de um memorando assinado pelo chefe de gabinete Aureo de Moraes, de 19 de julho deste ano. O documento encaminha para a Corregedoria da UFSC o despacho do então reitor Luiz Carlos Cancellier avocando a auditoria interna que apura irregularidades no pagamento de bolsas de ensino a distância (EaD). Com a avocação, Cancellier determina que o seu chefe de gabinete assuma responsabilidade sobre a investigação. Essa avocação foi entendida pela delegada Erika Malena como uma tentativa de obstruir a investigação e gerou o pedido da PF de prisão temporária do reitor, referendado pelo MPF e aceito pela Justiça Federal.
O chefe de gabinete da Reitoria, Áureo Moraes, nega que a abertura do processo e o consequente afastamento de Hickel sejam uma retaliação ao corregedor, que investigava supostos desvios no Programa de Educação a Distância (EaD). Este foi o estopim da Operação Ouvidos Moucos, que prendeu sete servidores da UFSC temporariamente em setembro, entre eles o então reitor Luiz Carlos Cancellier de Olivo, e conduziu coercitivamente para depoimento outros cinco funcionários. Cancellier se suicidou no dia 2 de outubro em Florianópolis.
Confira trecho do parecer:
Chefe de gabinete não atendeu a recomendação para CGU avaliar abertura de PAD
No andamento do processo aberto após a denúncia do professor Gerson Rizzatti Junior, há passagens das informações pelo gabinete do procurador federal junto à UFSC, Juliano Scherner Rossi. No documento ao que o DC teve acesso, após encaminhamento do gabinete do procurador Juliano, no dia 25 de setembro, a procuradora Federal Alessandra Sgreccia Rezende lembra dos acontecimentos recentes na UFSC com a deflagração da operação Ouvidos Moucos e da prisão do reitor Luiz Carlos Cancellier de Olivo.
Ainda na manifestação, a procuradora recomenda que os autos "sejam encaminhados à CGU para exame e providências que entender pertinentes", citando ainda um artigo do decreto presidencial número 5480/2005 que prevê a possibilidade da Controladoria Geral da União avocar processos administrativos em alguns casos. O chefe de gabinete Aureo de Moraes afirma que os autos não passaram por avaliação da CGU antes da abertura do PAD.
Em reunião do Conselho Universitário (CUn) da UFSC em 26 de setembro deste ano, a primeira após a deflagração da operação Ouvidos Moucos, Juliano Scherner Rossi fez críticas públicas à operação da Polícia Federal, principalmente sobre a prisão temporária do reitor Cancellier. Apesar de deixar claro que seu cargo é para representar a universidade, o procurador diz ainda que chegou a se manifestar em rede social sobre o que ele chama de "medidas descabidas" adotadas na operação.
A reportagem DC procurou todas as pessoas citadas nesta matéria. Assim que elas se manifestarem, este texto será atualizado. O corregedor Rodolfo Hickel do Prado disse que está se inteirando dos fatos e deve se manifestar sobre o caso em breve.
Veja a parte final do documento: