A rotina na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) foi quebrada na quinta-feira (14) por uma mobilização policial de proporções inéditas no campus de Florianópolis. Suspeitas de desvios de recursos públicos destinados a cursos de educação a distância levaram a Polícia Federal a cumprir 16 mandados de busca e apreensão, além de sete mandados de prisão temporária e cinco mandados de condução coercitiva. Buscas também ocorreram em Itapema e Brasília.
Entre os alvos da chamada Operação Ouvidos Moucos está o principal gestor da UFSC: o reitor Luiz Carlos Cancellier de Olivo foi preso temporariamente sob suspeita de interferir na investigação da Corregedoria Geral da UFSC, que internamente apura as mesmas irregularidades verificadas pela PF.
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A prisão temporária tem prazo de cinco dias e pode ser convertida em preventiva. Os mesmos termos valem para os outros seis presos na operação. Todos os detidos foram encaminhados nesta quinta para a Penitenciária de Florianópolis. Além do reitor, a lista de prisões temporárias e conduções coercitivas inclui dois empresários, um funcionário e mais oito professores da universidade.
Cancellier e outros cinco suspeitos detidos também foram afastados das funções que exerciam e não poderão retomar os cargos até o fim das investigações. Ainda não há estimativa do valor que teria sido desviado por meio das fraudes. Isto porque a investigação examinou apenas alguns contratos, por amostragem, de um montante de R$ 40 milhões distribuídos entre 2010 e 2017.
Ocorre que o montante já repassado pelo governo federal ao programa de bolsas chega a R$ 80 milhões desde 2006. Mas o inquérito já aponta, por exemplo, que 100 nomes de parentes dos envolvidos na investigação foram identificados como beneficiários de bolsas a que não teriam direito. Nessa lista de familiares, o valor estimado em apuração é de R$ 3 milhões.
Além da concessão indevida de bolsas, a investigação ainda destaca ilegalidades em processos de licitação e narra que bolsistas eram obrigados a ceder metade dos valores que recebiam para outros professores envolvidos nas fraudes. Somente os cursos de Física e Administração concentraram as atenções da investigação até o momento. Assim, as suspeitas são de que outros setores ligados à área de Educação a Distância da UFSC também possam ter sido usados em fraudes.
"Ressalta-se que são apenas alguns fatos verificados em um levantamento por amostragem em apenas dois cursos (...), sendo ainda que menos da metade dos recursos repassados tiveram gastos comprovados e tudo facilitado pela total ausência de controle e fiscalização por parte da UFSC. Além disso, o envolvimento do Núcleo UAB, da SEAD e da própria Reitoria sugerem que o esquema atinge toda a Educação à Distância da UFSC", anotou a juíza federal Janaina Cassol Machado no despacho que autorizou o cumprimento dos mandados.
A decisão da juíza também destaca o depoimento de uma testemunha-chave na investigação. Na condição de coordenadora do curso de Admnistração a distância entre julho de 2016 e maio deste ano, a professora Taísa Dias relatou à Polícia Federal que se deparou com diversas irregularidades no período e que apresentou ao reitor documentos que demonstravam o que havia constatado.
Segundo contou à polícia, Cancellier deu a entender que ela "tinha muito tempo de convivência com os colegas e que seria bom tomar cuidado pois estava em estágio probatório". Segundo o mesmo depoimento, ele também teria falado que ela "ainda precisaria muito do reitor" e sugerido que "guardasse a pastinha" em que levava os documentos.
O inquérito menciona que a professora sofreu pressão para deixar a coordenação do curso e que teve a sala dela desocupada enquanto estava em viagem.
PRÓXIMOS PASSOS
— As prisões e conduções coercitivas cumpridas nesta quinta são resultado de um inquérito policial que ainda está em fase de elaboração pela PF. Como o documento não foi concluído, por enquanto não há acusações formais, apenas indícios. Somente a conclusão do inquérito apontará quem serão os indiciados e por quais crimes.
— A apresentação de eventual denúncia do Ministério Público Federal dependerá da conclusão do inquérito da PF. Para que qualquer investigado seja considerado réu, é preciso que o MPF o denuncie e que a mesma denúncia seja aceita pela Justiça Federal, o que ainda não aconteceu.
— As prisões temporárias têm prazo de cinco dias e podem ser prorrogadas pelo mesmo prazo, podendo também ser convertidas para prisões preventivas (sem prazo definido) nos próximos dias.
— O afastamento das funções públicas, que foi determinado a seis dos sete suspeitos presos, permanece até o fim das investigações. Os suspeitos também estão proibidos de entrar na UFSC ou mesmo ter acesso a qualquer material relativo ao EaD/UAB.
— Todas as informações apuradas no cumprimento dos mandados nesta quinta poderão ser compartilhadas com a Receita Federal do Brasil, Controlodaria Geral da União, Tribunal de Contas da União e Advocacia Geral da União para subsidiar os processos administrativos desses órgãos.