Na véspera da retomada do julgamento que pode cassar o mandato do presidente Michel Temer, o Planalto vive momentos de tensão. Assessores e aliados do governo não escondem o temor diante de eventual delação premiada do ex-deputado Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR), preso no sábado, e o receio de que a Procuradoria-Geral da República (PGR) apresente ainda nesta segunda-feira denúncia contra Temer no Supremo Tribunal Federal (STF). O acirramento da crise, avaliam auxiliares do presidente, poderá contaminar o julgamento da chapa Dilma-Temer no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que começa terça-feira.
Rocha Loures foi preso em casa, no alvorecer de sábado. Desde então ele é mantido sozinho em uma cela de nove metros quadrados, sem janelas, tevê, pia ou chuveiro, na Superintendência da Polícia Federal em Brasília. Seu primeiro depoimento aos investigadores está marcado para a tarde de segunda-feira. Logo em seguida, será transferido para o Complexo Penitenciário da Papuda. O advogado de Loures, Cezar Bitencourt, orientou o cliente a permanecer em silêncio.
- Se tivesse sido levado em consideração nosso pedido, de não prisão dele, poderia falar. Mas na marra, não. Estão prendendo para forçar a delação. Não há nenhuma possibilidade de delatar - afirma Bitencourt.
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Essa predisposição em não colaborar com a investigação não chega a tranquilizar o Planalto. Interlocutores de Temer não enxergam em Loures alguém com o perfil de aguentar muito tempo na cadeia, sobretudo porque a mulher dele está grávida de oito meses. Como a prisão é preventiva, ele corre o risco de não ver o bebê nascer. Tão logo chegou à sede da PF, sábado, ele escreveu uma carta pedindo calma à mulher e para não receber visitas no cárcere.
Para o governo, a rapidez com que a PGR pediu, e levou, a prisão de Loures evidencia a iminência de apresentação de denúncia contra Temer no STF. Investigado por corrupção, organização criminosa e obstrução à Justiça, o presidente tem reclamado do "açodamento" do procurador-geral, Rodrigo Janot. Para Temer, Janot atua em dobradinha com o relator da Lava-Jato no STF, ministro Edson Fachin, para fragilizar o governo.
Como exemplo dessa suposta ação conjunta, citam o pedido de depoimento de Temer, acatado pelo ministro sem aguardar a perícia na gravação da conversa do presidente com o empresário Joesley Batista. O ponto culminante, na visão do Planalto, foi o pedido de prisão de Loures, no qual o procurador o classifica como um "verdadeiro longa manus do presidente" e diz que ele "aceitou e recebeu com naturalidade em nome de Michel Temer" a propina de R$ 500 mil da JBS. Fachin concedeu o mandado salientando "gravíssima" a conduta do ex-assessor da Presidência, cuja prisão seria "imprescindível" para interromper a conduta criminosa.
Para alinhar uma estratégia de reação, o presidente passou o final de semana entre reuniões em São Paulo e Brasília. Temer estava na capital paulista tentando evitar uma debandada do PSDB, sexta-feira à noite, quando decidiu voltar às pressas para Brasília. Na manhã de sábado, recebeu no Palácio do Jaburu os ministros Moreira Franco (Secretaria-Geral) e Sergio Etchegoyen (GSI), além do advogado Gustavo Guedes, que faz sua defesa no TSE.
Durante a conversa, Janot foi alvo de críticas ferozes do grupo. No meio da manhã, Temer voou para São Paulo, onde se reuniu com o advogado Antonio Cláudio Mariz, responsável pela defesa criminal no STF. O presidente já estava de volta a Brasília no início da noite de sábado. Além das implicações jurídicas, Temer busca apoio político. A ação mais urgente é reconstruir a base de apoio no Congresso, uma vez que uma ação penal contra o presidente só pode ser aberta pelo STF se houver o aval de 342 deputados, o equivalente a dois terços da Câmara.
O risco Rocha Loures
Preso neste sábado em Brasília, o ex-deputado Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR) se tornou o maior a maior ameaça ao governo Michel Temer. Chamado pelo presidente de pessoa da "minha mais estrita confiança" e flagrado recebendo R$ 500 mil em propina da JBS, Rocha Loures será transferido nesta segunda-feira da carceragem da Polícia Federal para o Complexo Penitenciário da Papuda. O temor do Palácio do Planalto é que, preso em uma cela inóspita e longe da mulher grávida de oito meses, Rocha Loures aceite fazer uma delação premiada na qual implique Temer. Veja abaixo alguns enigmas que o ex-assessor presidencial pode explicar:
O destino dos R$ 500 mil
Filmado pela Polícia Federal recebendo uma mala com R$ 500 mil da JBS, Rocha Loures devolveu o dinheiro tão logo o escândalo veio à tona. Primeiro, ele entregou R$ 465 mil em uma delegacia da PF. Depois, depositou os R$ 35 mil restantes em uma conta vinculada à Justiça. Preso, ele pode revelar o destino que seria dado ao dinheiro. Os R$ 500 mil eram para ele? Seriam entregues a Temer, que o havia indicado como interlocutor junto ao grupo JBS?
Os cargos à disposição da JBS
Em conversa mantida com Rocha Loures, o dono da JBS, Joesley Batista disse que enfrentava problemas na Receita Federal, no Banco Centra, na Procuradoria da Fazenda Nacional, no Cade e na CVM. Loures oferece ao empresário o poder de indicar nomes para cargos estratégicos nestes órgãos de fiscalização. O ex-deputado pode esclarecer o objetivo dessas nomeações e quem teria dado aval para que ele terceirizasse a um empresário a nomeação de postos-chave na burocracia estatal.
O porto de Santos
A Polícia Federal apreendeu na casa de Rocha Loures documentos referentes a interesses da empresa Rodrimar, que atua no porto de Santos. A PF já havia gravado telefonemas nos quais Loures conversa sobre questões portuárias com Michel Temer e o assessor jurídico da Presidência, Gustavo Rocha. Quando Loures pede a Rocha que inclua em um decreto uma regra que beneficiaria a Rodrimar, o assessor responde: "É uma exposição muito grande para o presidente se a gente colocar isso". Loures poderia explicar qual o envolvimento de Temer na questão e porque o benefício a Rodrimar iria expor o presidente. -
A longa manus do presidente
Ao pedir pela segunda vez ao Supremo Tribunal Federal a prisão preventiva de Rocha Loures, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, sustenta que o ex-assessor de Michel Temer é um "verdadeira longa manus" do presidente. Expressão em latim, longa manus significa alguém que executa tarefas a mando de outra pessoa. No caso, do presidente da República. Numa eventual delação premiada, Loures poderá revelar que tarefas cumpriu a mando de Temer nos seis anos que trabalhou com o peemedebista.