Roterdã, Holanda – O vento que soprava no canal criava ondas e agitava os guarda-sóis dos cafés. Os remadores não conseguiam alcançar a linha de chegada e o público lotava a praia. Henk Ovink observava tudo do deque VIP, com um olho nos barcos, o outro no celular.
Ovink é o principal vendedor do país da especialidade nacional: o gerenciamento das águas decorrente do aquecimento global. Como o queijo na França, a mudança climática é negócio na Holanda. É comum ver delegações de lugares distantes como Jacarta, Ho Chi Minh e Nova York desembarcando na cidade portuária de Roterdã e contratando empresas holandesas, que dominam o mercado global de engenharia de alta tecnologia e gestão hídrica.
Isso porque desde o primeiro momento em que a população dessa pequena nação começou a drenar os terrenos para plantação e moradia, a água passou a ser um fato primordial em sua existência, uma questão de sobrevivência e identidade nacional. Nenhum outro lugar na Europa se vê sob maior ameaça do que essa nação coberta de água às margens do continente – afinal, grande parte dela se encontra abaixo do nível do mar e, aos poucos, está afundando. Agora, a mudança climática traz a perspectiva de marés mais altas e tempestades ainda mais violentas.
Do ponto de vista holandês, o fenômeno não é uma hipótese ou inconveniente para a economia, mas uma oportunidade de levar adiante uma ideia pioneira. É, basicamente, permitir a entrada da água, onde for possível, sem a intenção de subjugar a Mãe Natureza: conviver com o elemento e não lutar para derrotá-lo. Os holandeses projetaram lagos, garagens, parque e praças que não são só úteis para a vida diária como funcionam como reservatórios para quando os mares e rios transbordarem. Há quem até acredite que a elevação dos mares seja uma farsa alimentada pelos cientistas e pela imprensa; pode-se também construir um sem-fim de barragens, mas, no final, segundo os holandeses, nenhuma das duas opções vai proporcionar defesas adequadas.
E é essa a mensagem que eles estão propagando pelo mundo. Prestando assistência às autoridades de Bangladesh em relação a abrigos emergenciais e rotas de evacuação, os consultores holandeses ajudaram a reduzir o número de mortes nas últimas cheias "de milhares para centenas", segundo Ovink.
"É o que estamos tentando fazer. Podem até dizer que estamos manipulando nossa experiência, mas milhares de pessoas morrem todo ano por causa de enchentes e o mundo, enquanto coletividade, não está conseguindo lidar com essa crise, perdendo dinheiro e vidas." E cita as conclusões mais recentes: 2016 foi o ano mais quente registrado até hoje; os níveis dos mares, em termos globais, estão mais altos do que nunca.
Ele mostra as novas raias nas proximidades de Roterdã, onde o Campeonato Mundial de Canoagem foi realizado, em meados do ano passado. O circuito forma parte de uma área chamada Eendragtspolder, de quase nove hectares de campos e canais recuperados, um bom exemplo de benfeitoria pública para entretenimento que coleta água de chuva para emergências. Fica perto do ponto mais baixo da Holanda, cerca de 6 metros abaixo do nível do mar. Com sua ciclovia e espaço para prática de esportes aquáticos, o Eendragtspolder se tornou uma atração popular, e agora serve de reservatório para a bacia do rio Rotte quando o Reno, nas proximidades, sobe demais – o que, por causa da mudança climática, deve acontecer toda década.
O projeto é um entre dezenas que compõem o programa nacional, criado há anos, o chamado Room for the River ("Espaço para o Rio"), que reverteu estratégias centenárias de tomada de território de rios e canais para a construção de represas e diques. Na verdade, a Holanda ocupa a sarjeta da Europa, um pântano limitado de um lado pelo Mar do Norte, onde rios imensos como o Reno e o Meuse desembocam, vindos da Alemanha, Bélgica e França. A filosofia holandesa mudou depois que as cheias forçaram milhares a evacuar, nos anos 90. "As enchentes foram o sinal de alerta, mostrando que deveríamos devolver aos rios uma parte do espaço que tínhamos roubado", explica Harold van Waveren, assessor do governo.
"Não podemos ficar só construindo diques cada vez mais altos; o que vai acontecer? Vamos acabar com barragens de dez metros? Precisamos dar aos rios mais espaço para fluir. A proteção contra a mudança climática é tão forte quanto o elo mais fraco da cadeia – que, no nosso caso, inclui não só as comportas e represas gigantescas no mar, mas toda uma filosofia de planejamento espacial, gerenciamento de crises, educação infantil, aplicativos on-line e espaços públicos."
Destruída pelos bombardeios durante a Segunda Guerra Mundial, Roterdã não é pitoresca e turística como Amsterdã, mas industrial e surpreendentemente estilosa entre os vários núcleos culturais europeus, com um legado de arquitetura radical, o que atrai empreendedores e projetistas jovens. Sua tradição de ser um centro aberto a transformou em verdadeiro ímã para o pessoal de fora e a ajudou a se recuperar dos anos de vacas magras quando, durante os anos 70, 80 e 90, se tornou conhecida pela criminalidade e a sujeira, um lugar de onde os mais abastados fugiram.
De uns tempos para cá, porém, a cidade, acostumada a recomeçar, se reinventou como a capital da engenhosidade ambiental. Foi a primeira na construção de instalações como aqueles estacionamentos que se transformam em reservatórios de emergência, garantindo condições de evitar o transbordamento das estações de tratamento de esgoto por causa das tempestades que devem ocorrer a cada cinco ou dez anos. Instalou praças, jardins e quadras de basquete em bairros carentes que também funcionam como lagoas de retenção.
E todas essas são paradas no passeio padrão das delegações estrangeiras: intervenções urbanas que provam a funcionalidade do conceito, quando não soluções integrais que resolvem as ameaças ambientais de forma a também atender às necessidades econômicas e sociais.
"Uma cidade inteligente tem que ter uma visão abrangente e holística que vai muito além dos diques e comportas. O desafio da adaptação ao clima inclui segurança, saneamento, moradia, estradas, serviços de emergência. É preciso conscientizar o público; e tem que haver resiliência cibernética porque o próximo desafio em termos de segurança climática vai ter a ver com a segurança da internet. Não se pode ter sistemas vulneráveis para controlar as comportas, as pontes e as estações de tratamento. E é preciso um esquema político sensato, tanto de medidas grandes quanto pequenas", ensina Arnoud Molenaar, responsável pela divisão climática da cidade.
"Começa com coisinhas pequenas, como as pessoas retirando a cobertura de cimento do jardim para que o solo absorva a água da chuva e termina com uma barragem gigantesca para impedir tempestades no Mar do Norte", conclui.
Ele se refere ao Maeslantkering, construído perto da saída para o mar, a cerca de meia hora de carro a oeste do centro – ou a primeira linha de defesa da cidade. Tem o tamanho de duas Torres Eiffel tubulares, uma em cima da outra.
Nos vinte anos desde que foi inaugurado, o Maeslantkering não foi exigido para evitar transbordamentos, mas, para garantir, vem sendo testado com regularidade. E o pessoal que faz piquenique nas margens do rio fica só observando.
Na cidade, há inúmeros reforços instalados nas ruas e praças. Uma tarde, eu me encontrei com Wynand Dassen, responsável pela equipe "resiliente" da cidade, e Paul van Roosmalen, supervisor do desenvolvimento de coberturas, no Dakpark, um dique no bairro carente que faz limite com o polo industrial da orla. O local costumava ser uma estação férrea de baldeação ao lado de um conjunto habitacional; hoje a barragem que segura a água tem um centro de compras e um parque na cobertura.
Claro está que Roterdã tenta se firmar como modelo de urbanismo criativo. Um empresário local, Peter van Wingerden, quer montar fazendas de leite flutuantes na orla. Tal estrutura não só reduziria o tráfego de caminhões como as emissões de carbono, fornecendo todo o leite que a cidade consome. Com incentivo municipal, ele está construindo um protótipo de US$2,2 milhões para 40 vacas, produzindo 500 mil litros de leite por ano. "O rio não é mais útil só para a indústria. Precisamos encontrar novos usos para ele, o que nos protegeria da mudança climática e ajudaria a cidade a crescer e prosperar."
Esse é o lema local. Quando perguntei a van Wingerden se era preocupante morar em uma cidade litorânea abaixo do nível do mar, ele respondeu: "Para nós, a impressão é a de que é menos perigoso viver aqui do que na Falha de San Andreas. Pelo menos se transbordar, teremos algum tipo de aviso antes de nosso pés começarem a encharcar."
Por Michael Kimmelman