A greve dos médicos do Sistema Único de Saúde (SUS) de Caxias do Sul entrou no 36º dia sem perspectiva de terminar. De um lado, a prefeitura finaliza nesta semana uma ação para recorrer da liminar que declarou o movimento legítimo, assinada em 8 de maio pela desembargadora Matilde Chabar Maia, da 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça (TJ-RS).
De outro, a comissão que organiza a paralisação garante que parte da categoria seguirá trabalhando em ritmo reduzido e com horários alternados até que Daniel Guerra (PRB) aceite negociar um aumento salarial em termos próximos do que pedem os médicos. O Executivo, porém, continua amparado em decisão do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 4ª Região, que designou o Sindicato dos Servidores Municipais (Sindiserv) como o representante da classe nas negociações.
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O impasse surgiu porque a desembargadora Matilde Maia teve entendimento distinto do TRT e legitimou a comissão independente dos médicos como a delegada para as conversações. Se o colegiado da 3ª Câmara Cível do Tribunal concordar com a desembargadora, o Executivo terá de acionar o Superior Tribunal de Justiça (STJ). Se não concordar, caberá recurso dos grevistas junto à Corte. Enquanto isso, a população seguirá desassistida parcialmente. Já são 14.955 consultas canceladas desde o dia 17 de abril, segundo a Secretaria da Saúde.
O imbróglio teve origem no começo do mandato de Guerra, quando ele decretou que os servidores tinham de cumprir jornada semanal de 20 horas e bater ponto. A categoria reagiu prontamente, sob o comando de Marlonei dos Santos, presidente do Sindicato dos Médicos de Caxias, e exigiu que a remuneração aumentasse. Caso contrário, não aceitaria a imposição do ponto biométrico.
Desde então, um secretário de Saúde deixou o cargo – Darcy Ribeiro Pinto Filho, que deu lugar a Fernando Vivian –, alguns encontros foram realizados entre os grevistas e a prefeitura, mas não se chegou a lugar algum. Marlonei dos Santos, por decisão judicial, foi afastado das negociações, que cabem hoje à comissão liderada pelo médico André Pormann.
– Os governos anteriores sempre trataram conosco de forma tranquila. A partir do momento em que a atual gestão fez isso, falamos “opa, temos de construir outras condições”. Para que ele (Guerra) consiga implementar o que quer, terá de fazer a discussão mais profunda, não é tão simples assim – frisa Pormann.
Os médicos agora estão batendo cartão-ponto na chegada e na saída, mas quem está em greve intercala o trabalho dia sim dia não.
Impasse começou com fim das cotas
As administrações passadas concederam aos servidores a troca das 20 horas semanais por cotas de atendimentos – quatro consultas por hora mais dois atendimentos por dia, o que foi desconsiderado por Guerra. Ainda em janeiro deste ano, Marlonei dos Santos salientou que os profissionais só acolheriam a proposta de Guerra se fosse incorporado aos seus salários a Parcela Autônoma Especial, no valor de R$ 2 mil.
Com isso, os vencimentos para a maioria de quem trabalha nas UBSs chegariam a R$ 5,5 mil na folha. Além disso, os servidores exigiram o plano de carreira apresentado pelo município em 2015, que previa para 20 horas semanais o salário-base de R$ 8.503,97. Corrigido pelo IPCA, ele estaria agora em R$ 9.594,85. Os R$ 4.018,99 de diferença seriam escalonados em parcelas.
Sem dinheiro, o Executivo ofereceu R$ 1.574 de aumento para os servidores de 20 horas que cumprissem metas e fossem bem avaliados pela população. Os médicos sugeriram receber por hora – de R$ 44,94 para R$ 173,08 (285% a mais) – para chegar ao piso de R$ 13.847, referência nacional, hipótese rechaçada pela prefeitura. A última proposta dos médicos feita em março é receber R$ 79,71 por hora trabalhada. Nada avançou.
– Juridicamente, não há possibilidade de conciliação. Está difícil porque esse grupo quer continuar paralisado e não tem interesse em normalizar a situação – afirma a procuradora-geral adjunta, Ana Cláudia Doleys Schittler.
A diretora de Saúde do Sindiserv, Fernanda Borkhard, ainda tem esperança de um acordo e garante que a entidade vem costurando uma aproximação com os médicos:
– O movimento é fraco. Não conseguiremos (a aproximação) do dia para a noite, mas estamos fazendo o possível para tanto.
Os números da Secretaria Municipal da Saúde mostram que a paralisação teve adesão de 60% da categoria nas duas primeiras semanas, reduziu para 30% na terceira e agora está entre 15% e 19% dos 170 servidores das UBSs, CES e Cais Mental. A comissão de greve fala em 60 profissionais (35%) mobilizados.
Os números da greve
– 14.955 consultas perdidas
– 31novos médicos foram chamados pelo município por contratos temporários. Destes, 15 já assumiram e um está com o processo em andamento
– 44 médicos pediram exoneração desde o início do ano, 40 no período da paralisação
– 32 médicos concursados também foram chamados, sendo que 11 já tomaram posse, quatro faltam entrar em exercício da função e cinco estão com processo em andamento