Nos últimos dias de colhimento de provas antes de ser deflagrada a Operação Examinação, na manhã de quarta-feira, o Ministério Público contou com depoimentos detalhados de pessoas que tiveram os seus nomes e senhas usados pela laboratório Esplanada, de Soledade, para gerar exames fantasmas a serem cobrados do IPE-Saúde, plano de assistência médica dos servidores públicos estaduais e seus dependentes. Entre 2012 e 2017, conforme a apuração, o Esplanada forjou 17.666 procedimentos médicos, causando um desvio de R$ 3 milhões dos cofres do IPE.
Um desses informantes contou que é de Ibirapuitã, onde há uma filial do laboratório Esplanada, cuja matriz fica em Soledade, distante 220 quilômetros de Porto Alegre. O homem, que é um servidor público aposentado, relatou ter feito alguns exames na sua cidade e que precisou deixar "a carteirinha do IPE e senha para que o lançamento da cobrança ocorresse na sede do laboratório, no município de Soledade".
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Tempo depois, o denunciante estava fazendo a sua declaração de imposto de renda. Ele entrou no site do IPE para retirar o extrato dos exames realizados. No plano IPE-Saúde, os beneficiários pagam contrapartidas ao usar um serviço. Por exemplo: ao fazer um exame, o seguro paga uma parte, e o servidor público quita a outra diretamente no balcão do prestador de serviço.
Esses gastos feitos pelos beneficiários podem ser abatidos no imposto de renda. Ao fazer essa checagem, o homem verificou que havia muitos lançamentos de exames em datas distintas. Ele verificou a situação dos seus dependentes e, no caso da esposa, também usuária do Esplanada, estava ocorrendo a mesma coisa: registros de serviços em abundância. Já em nome das filhas, que moram em outra cidade, não constava nada.
O fato ampliou as desconfianças do aposentado. A sua esposa avisou ao IPE sobre a discrepância e alegou que costumava realizar exames anualmente, mas estranhou que os lançamentos atribuíam a ela requisições mensais de procedimentos que, na verdade, não estavam sendo feitos. Eram fictícios. A mulher ainda conversou com a cunhada, outra cliente do laboratório Esplanada. Não houve erro: novamente foram constatados lançamentos acima da quantidade realmente contratada.
Assim era fraude, que se valia da falta de checagem de todas as requisições, já que o IPE faz as fiscalizações por amostragem. Quando o esquema foi descoberto, os beneficiários do plano já tinham o cartão magnético, mas o seu uso, que dificultaria burlas, não era obrigatório.
Os laboratórios que quisessem podiam optar por um sistema mais simples em que dispensavam a tecnologia do cartão e da máquina de leitura. Bastava registrar a senha do paciente no sistema. Uma vez com os dados do segurado, o laboratório guardava as informações sigilosas e passava a lançar centenas de exames depois, mesmo sem requisição médica. O objetivo era gerar débitos a serem pagos pelo IPE. As investigações indicam que os funcionários não tinham conhecimento da prática e que seus cadastros eram utilizados indevidamente.
– Não é descartado que alguma pessoa tenha passado os seus dados de forma consciente para ter algum benefício no imposto de renda, mas seria um valor pequeno. E até agora isso não foi detectado por nós – revelou o promotor João Beltrame, coordenador do núcleo de saúde do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Orgaizado (GAECO-Saúde), do Ministério Público.
Após o crime ser desvelado, o IPE editou normativa determinando que, desde o início de 2017, é obrigatório fazer o uso do cartão magnético para a realização de procedimentos. Exceções serão aceitas somente em caso de emergência, com a necessidade de apresentação de justificativa e autorização prévia do instituto estadual.
Na manhã de quarta-feira, o Ministério Público cumpriu oito mandados de busca e apreensão em Soledade, Ibirapuitã e Palmeira das Missões. Não houve prisões. Os sete suspeitos poderão ser denunciados pelos crimes de peculato, inserção de dados falsos em sistema informatizado público e associação criminosa. É avaliada a hipótese de imputar também a lavagem de dinheiro.
Contraponto
Zero Hora tentou contato por telefone com os responsáveis pelo laboratório Esplanada na quarta e nesta quinta-feira, mas não obteve retorno até o momento.