A Odebrecht refinou o lobby na política. Mais do que construir proximidade com presidentes, governadores e prefeitos, a empreiteira cooptou as principais lideranças governistas e de oposição no Congresso, e ainda garimpou candidatos promissores pelo Brasil. Assim, ao longo de décadas de repasses de dinheiro a pretexto de financiar campanhas, influenciou o destino das grandes obras públicas, aprovou leis do seu interesse e garantiu a renovação dessa engrenagem, decisiva para transformá-la em uma das maiores empreiteiras do mundo.
A relação dos 98 alvos dos inquéritos abertos no Supremo Tribunal Federal (STF) pelo ministro Edson Fachin ajuda a ilustrar o alcance da atuação do grupo baiano, convertido em senhor da política nacional. Levando em conta apenas os investigados nesta nova etapa da Lava-Jato, se a Odebrecht fosse um partido, teria quase um terço dos ministérios do governo Temer (oito nomes), a maior bancada do Senado (24) e a quinta da Câmara (39).
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A rede delatada tem 14 partidos e engloba de ministros e governadores a Vado da Farmácia, ex-prefeito de Cabo de Santo Agostinho (PE), e vereadores de Uruguaiana (leia mais na página 14). Somada às petições enviadas a outras instâncias do Judiciário, a lista fica tão abrangente que cita quatro ex-presidentes do país e o atual mandatário Michel Temer.
A busca por aliados, que no futuro poderiam beneficiar a Odebrecht com obras e mudanças na legislação em troca do financiamento de projetos políticos e pessoais, começava cedo, conforme os delatores da empresa.
– Dentro das atividades nossas, estava perceber novas forças políticas que possam surgir – contou o ex-executivo Alexandrino de Alencar, acostumado a procurar potenciais "lideranças".
A prática era antiga. Nas delações, um caso emblemático narrado trata do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, apresentado há três décadas ao patriarca Emílio Odebrecht por Mário Covas (morto em 2001). À época, corria a ditadura militar, apoiada pela empreiteira, beneficiada por fartos contratos. Num olhar de longo prazo, Emílio apostou no líder sindical. Afirmou aos investigadores que contribuiu para as campanhas de Lula desde 1989, tendo, inclusive, auxiliado na redação da "Carta ao Povo Brasileiro", concebida para acalmar os mercados na vitoriosa eleição de 2002.
– Essa carta tem muita contribuição nossa – registrou na delação.
Com Lula no governo, o empresário relatou ter mantido o acesso ao dono da caneta mais poderosa do país, ao ponto de reverter negócios que prejudicariam a Braskem ou de facilitar a liberação de licença ambiental na hidrelétrica de Santo Antônio (RO). Em consórcio ou sozinha, a Odebrecht abocanhou obras e multiplicou seu faturamento.
As centenas de depoimentos à Procuradoria-Geral da República mostram que a relação da companhia não era afinada apenas com o PT. O tucano Fernando Henrique Cardoso pode ser investigado por receber "vantagens indevidas" em suas campanhas presidenciais (1994 e 1998). Um dos ex-presidentes da Odebrecht, Pedro Novis apontou ilícitos nos anos 1980 e 1990, em gestões por Estados e municípios do PMDB, do PDT e do PP.
Nas projeções de custos das obras, a empreiteira acostumou-se a calcular percentuais dos contratos repassados à política. Teria seguido esta lógica na construção de sua parte da Cidade Administrativa em Minas Gerais, quando Aécio Neves era governador, conforme depoimento do antigo comandante da Odebrecht Infraestrutura, Benedicto Júnior. Ele relatou pagamento de propina de R$ 5,2 milhões ao grupo do tucano referente à construção.
Postulantes ao Executivo tentavam firmar parcerias. O ex-deputado Henrique Alves (PMDB-RN) teria recebido R$ 2 milhões para a campanha ao governo potiguar, em 2014. Era favorito, mas perdeu. Para não correr riscos, a Odebrecht decidia contribuir, no caixa 1 ou 2, com os principais candidatos nas majoritárias, como fez com Dilma Rousseff e Aécio na última corrida ao Planalto.
Dentro do Congresso, a Odebrecht também não discriminava o lado no jogo político. Levava demandas em questões tributárias, por exemplo, aos parlamentares e recebia pedidos ou cobranças de apoio financeiro. Eram medidas provisórias e emendas, por vezes redigidas pela própria empreiteira.
– Na maioria das vezes que tinha alguma coisa a ser feita, o jurídico da empresa preparava uma emenda. A gente apresentava a algum deputado que tínhamos relação – admitiu Cláudio Melo Filho, articulador político da construtora.
As medidas provisórias estão entre os alvos da Lava-Jato. Em 2013, a MP 613, do Regime Especial da Indústria Química (Reiq), levou Marcelo Odebrecht a contato direto com o ministro da Fazenda, Guido Mantega. A medida teria rendido R$ 100 milhões à segunda campanha de Dilma.
– Se o Reiq não tivesse saído, é provável que eu tivesse criado dificuldade, não tivesse dado esse valor de R$ 100 milhões – afirmou o empresário.
Na questão das MPs, Marcelo lembrou que o governo deixava "pontas soltas", a fim de permitir a negociação de apoio. Assim, o sucesso da empreitada também aponta acordo com a cúpula do PMDB para aprovar a medida, movimento que resultou num inquérito que investiga os senadores Eunício Oliveira, Romero Jucá, Renan Calheiros e os deputados Lúcio Vieira Lima e Rodrigo Maia. Atual presidente da Câmara, Maia era visto pela Odebrecht como contato dentro da bancada do DEM, mesmo nos 13 anos de oposição ao PT. De acordo com Marcelo, muitas relações "duradouras" beneficiavam a construtora e políticos.
– Em geral, aquelas relações mais duradouras são aquelas relações que ficam. O cara sempre te ajuda, e você está sempre ajudando ele – ensinou Marcelo.