Pelo menos quatro obras realizadas no Rio Grande do Sul devem ser investigadas a partir da delação premiada dos 78 executivos da Odebrecht. Está na mira do Ministério Público Federal (MPF) uma dragagem de porto (Rio Grande) feita por um consórcio que incluía a empreiteira. Além desse contrato, devem ser analisadas a ampliação da linha do Trensurb, entre São Leopoldo e Novo Hamburgo, a construção da represa de Taquarembó, em Dom Pedrito, e a Terceira Perimetral, em Porto Alegre. Em Santa Catarina, duas obras que envolvem a Odebrecht e são citadas nas delações premiadas devem ficar com o MPF catarinense, até porque já são investigadas naquele Estado: as dragagens dos portos de Itajaí e Laguna.
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Não está definido se as investigações serão conduzidas em Curitiba – sede da Operação Lava-Jato, que investiga a Odebrecht em nível nacional – ou se procuradores da República no Rio Grande do Sul analisarão possíveis crimes envolvendo essas obras.
– Caso exista inquérito ou ação judicial em andamento sobre a obra, repassaremos a delação da Odebrecht a respeito do crime para o procurador da República que já investiga o fato. Caso seja um caso novo, o mais provável é que fique em Curitiba – resume um integrante da força-tarefa.
Três dos casos que envolvem a Odebrecht já têm investigações abertas. Um deles é a extensão do Trensurb até Novo Hamburgo. O MPF abriu em 2011 uma investigação sobre superfaturamento na obra, cujo início em 2001 tinha um orçamento de R$ 270 milhões. Quando a ampliação foi concluída, em 2014, teve um custo final de R$ 953 milhões, após vários aditivos contratuais.“A obra do ramal até Novo Hamburgo é marcada por vários vícios que oneraram seu custo e retardaram sua conclusão.
O custo ficou em torno de R$ 100 milhões por quilômetro, valor notoriamente exorbitante, sem paralelo em administrações minimamente austeras, até porque a região não apresenta qualquer adversidade geográfica”, resumiu o procurador da República Celso Três, ao propor a apuração.
O procurador ressalta que cerca de R$ 80 milhões foram destinados ao aumento da calha (vazão) do Arroio Luiz Rau, em Novo Hamburgo, paralelo à linha do Trensurb. Três salienta que esse dinheiro foi aplicado sem projeto executivo ou planilha de preços. E lembra que os aditivos não podem ultrapassar 25% do valor da obra, mas superaram muito o montante.
Nas delações premiadas da Lava-Jato, uma secretária da empreiteira detalhou repasses da diretoria a pessoas envolvidas com o Trensurb e conhecidas por apelidos. Dois repasses foram identificados – de R$ 10 mil e de R$ 100 mil –, feitos em outubro de 2014 pelo doleiro Antonio Cláudio de Albernaz Cordeiro, o Tonico, preso em 2016 na Capital e solto após prestar depoimento. Com investigação já aberta, o caso ficará com o MPF no Estado.
Represa já consumiu três vezes mais do que orçado
Outras obras a serem investigadas a partir da delação da Odebrecht são a dragagem do canal do porto de Rio Grande e a construção da represa de Taquarembó.
A primeira teria sido superfaturada em R$ 47,4 milhões, conforme dados de investigação aberta pela PF em Curitiba (no âmbito da Lava-Jato). Isso teria ocorrido mediante taxas embutidas na composição de custos e aditivos.
A represa de Taquarembó foi projetada para custar R$ 51,9 milhões e ajudar a irrigar 16,7 mil hectares, mas já consumiu R$ 150 milhões, e falta pelo menos um ano e meio para ficar pronta. Ela já é investigada em âmbito estadual. Quatro pessoas foram condenadas pela Justiça do Rio Grande do Sul por fraude na licitação. Agora, a delação da Odebrecht pode chegar a novos suspeitos.
Em Porto Alegre, a obra sob suspeita é a Terceira Perimetral, uma via radial. E-mails de dirigentes da Odebrecht falam em propina para agentes políticos, paga em 2004. Com relação à dragagem em Rio Grande e à Terceira Perimetral, o MPF ainda não decidiu se a investigação fica em Curitiba ou no Rio Grande do Sul.
Apuração já cobre todo o país e Exterior
A delação dos executivos da Odebrecht irá estender os tentáculos da Lava-Jato para todo o país e até mesmo para o Exterior. Nos 320 procedimentos apresentados pela Procuradoria-Geral da República (PGR) ao Supremo Tribunal Federal (STF), há 211 pedidos para que as investigações desçam a instâncias inferiores. Nesses casos – à exceção dos governadores, cuja conduta será apurada pelo Superior Tribunal de Justiça, em Brasília –, os suspeitos responderão à Justiça Federal dos Estados onde eventuais crimes teriam sido cometidos.
Até o momento, com três anos de Lava-Jato, já há ramificações da operação no Rio, em São Paulo e em Brasília. Agora, a tendência é de que novos núcleos formados por policiais federais e procuradores da República sejam montados em outros Estados,a exemplo da força-tarefa que opera em Curitiba.
A regionalização das apurações poderá resultar numa divisão dos processos. Como cada pedido enviado ao STF contém um fato criminoso específico, tendo como alvo uma ou mais pessoas, existe a possibilidade de um mesmo fato ser julgado em diferentes instâncias judiciais, conforme a prerrogativa de foro dos envolvidos.
Dessa forma, políticos envolvidos em fraude na licitação de uma obra, por exemplo, responderiam ao STF, enquanto os supostos cúmplices que não desfrutam de foro privilegiado prestariam esclarecimento à Justiça Federal de primeiro grau.
No Exterior, a Lava-Jato já contabiliza 183 acordos de cooperação com 43 países. A troca de informações permitiu a identificação de contas usadas para lavagem de dinheiro ilícito e até mesmo a responsabilização de empresas estrangeiras envolvidas em corrupção. Até agora, os acordos já resultaram na repatriação de R$ 594 milhões.
Pelo menos três presidentes teriam sido delatados pelos executivos da Odebrecht – Hugo Chávez e Nicolás Maduro, na Venezuela, e José Eduardo Santos, de Angola. As informações sobre o envolvimento deles em supostas atividades ilícitas, contudo, continuam sob sigilo na PGR.
– A cooperação jurídica internacional é um dos pilares da Lava-Jato, fundamental para alavancar os acordos de colaboração premiada e de leniência, ajudando a multiplicar os crimes sob investigação – diz o procurador Paulo Roberto Galvão, integrante da força-tarefa em Curitiba.
*Zero Hora