Patrimônio Cultural e Ambiental do Rio Grande do Sul, o Jardim Botânico de Porto Alegre está com o futuro incerto desde que o governador José Ivo Sartori sancionou a lei que extingue a Fundação Zoobotânica, atual gestora do local. E o temor de que a descontinuidade dos serviços resulte na perda do acervo da entidade levou o Ministério Público (MP) a mover ação judicial para exigir do governo garantias de manutenção do trabalho de preservação natural – um dever constitucional do Estado – e de tarefas exigidas por lei – como a elaboração da lista de espécie ameaçadas no RS.
A titular da Secretaria do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Sema), Ana Pellini, afirma que uma "comissão de transição está com incumbência de estabelecer o que é indispensável", e que buscará parcerias com universidades.
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Zero Hora procurou quatro universidades gaúchas, mas só a Uergs admitiu que pode assumir os trabalhos da fundação, desde que todo o quadro de profissionais seja mantido, justamente o contrário do previsto.
A norma publicada no Diário Oficial do Estado em 17 de janeiro determina que a Sema administre direta ou indiretamente o espaço. Com a mudança, os funcionários devem ser demitidos – o que a ação do MP também tenta barrar – e o local deve perder o registro de jardim botânico concedido pelo Ministério do Meio Ambiente.
Entre as preocupações de entidades de proteção ambiental está o risco de morte das plantas mantidas na instituição, muitas das quais em extinção. Enquanto a fundação conta com técnicos – 70% têm doutorado – que estudam há anos como preservar e reintroduzir na natureza as espécies em perigo, a Sema, como admite a própria secretária Ana Pellini, tem servidores concursados para outras áreas.
A situação é alvo de crítica do professor do Instituto de Biociências da UFRGS e coordenador-geral do Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais (Ingá):
– Você vai pegar alguém que não conhece a planta e não sabe como tratá-la? Sem falar que é desvio de função (por terem sido admitidos para outros cargos) fazer os técnicos da Sema assumirem o Jardim Botânico.
Piratini alega economia, especialistas questionam
Integrante do conselho superior da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), Francisco Milanez afirma que seria necessário contratar mais técnicos para que a secretaria conseguisse gerir o Jardim Botânico, o que anularia o principal argumento do governo para extinção: corte de gastos.
– Não vai representar economia, porque o Estado vai ter de criar outra estrutura – avalia Milanez.
Ana Pellini diz que há intenção de reestruturar a Sema, criando um departamento para assumir os serviços da fundação.
A bióloga Josy Matos, presidente da Associação dos Funcionários da Fundação Zoobotânica, afirma que o Estado gastará mais pelo trabalho hoje realizado na entidade, a única no RS que faz, por exemplo:
1 - Extração de veneno para produção de soro antiofídico;
2 - Listas de espécies ameaçadas de extinção da flora e da fauna;
3 - Laudos paleontológicos;
4 - Manutenção de um banco de sementes;
5 - Biomonitoramento da qualidade do ar.
O custeio total em 2016 – incluindo Jardim Botânico, Museu Rio-Grandense de Ciências Naturais e Parque Zoológico de Sapucaia do Sul – foi de R$ 23 milhões, o que equivale a 0,6% do total de despesas executadas pelo governo no ano. O Piratini não apresenta cálculo detalhado da redução de custos com a extinção, considerando que o trabalho de preservação e pesquisas seja mantido. Argumenta que a estrutura tem resultado negativo entre receita e despesa de cerca de R$ 19 milhões ao ano.
Nesse cenário, a única certeza de economia reside na opção de abrir mão de tudo que é feito pela fundação, por eliminar totalmente os custos, assumindo que o ajuste financeiro justifica as perdas do ponto de vista ambiental, decorrentes dessa decisão. Questionado, o Piratini nunca foi taxativo nesse sentido, e Ana Pellini diz que"vai ser um jardim botânico de categoria simples".
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Por que é importante preservar?
Embora não tenha impacto imediato como questões de saúde e educação, a preservação ambiental é um direito tão essencial quantos esses dois.
É o que diz a Constituição, em seu artigo 225: "Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações".
A carta magna ainda determina que "incumbe ao poder público: preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas; definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção".
Além disso, alguns dos serviços realizados pelo Jardim Botânico, como a elaboração de listas de animais em extinção e de plano de manejo de unidades de conservação, são obrigações legais do Estado, previstas no Código Estadual do Meio Ambiente.