Um fato de alto simbolismo retrata o refluxo na intensidade com que a diplomacia brasileira atuou mundo afora durante os governos de Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva: por notório desinteresse, o Brasil ficará ao menos até 2033 fora do Conselho de Segurança (CS) da Organização das Nações Unidas (ONU), a mais alta instância do organismo, responsável pela segurança e pela pacificação mundiais. Não houve manifestações de interesse em um tema que chegou a ser prioritário para Lula – defensor de reforma do CS para ampliar o número de membros permanentes e torná-lo mais abrangente e legítimo.
Essa inapetência, na visão de analistas brasileiros, foi decisiva para a renúncia de José Serra, que alegou problemas lombares ao deixar de ser chanceler – foi substituído por Aloysio Nunes Ferreira, tucano mais acostumado a agir nos bastidores, inclusive quando esteve na guerrilha contra a ditadura. Serra, um político com pretensões para as eleições presidenciais de 2018, sentiu falta de visibilidade. Conforme funcionário do governo ouvido pela Folha de S. Paulo, "o Brasil foi do 80 para o oito".
– Lamento deixarmos de influenciar na instância mais importante da ONU – diz um diplomata a ZH.
Já o cientista político venezuelano Rafael Duarte Villa, professor da Universidade de São Paulo (USP) e especialista em CS, afirma:
– O que há nos últimos três ou quatro anos é o rompimento de uma tradição centenária. Desde a Liga das Nações, antes da ONU, há cem anos (a Liga das Nações existe desde 1919), o Brasil procurava ter protagonismo, e isso enfraquece o país internacionalmente.
Contraste entre as pautas do ministério
Os últimos gestos de Serra como chanceler foram o de se encontrar com o colega mexicano, Luis Videgaray, dando-lhe apoio nas contendas com os Estados Unidos, e procurando atrair a Aliança do Pacífico (Chile, Colômbia, México e Peru) a um acordo com o Mercosul. Na linha mais comercial e discreta, o Itamaraty também faz gestões com a União Europeia pelo acordo negociado há duas décadas.
A pauta do Itamaraty contrasta com as anteriores. O teor é econômico e pragmático. Sob Lula, entre 2003 e 2010, o Brasil se ofereceu para ser mediador entre israelenses e palestinos e, com a Turquia, apresentou proposta de acordo para resolver a questão nuclear no Irã. No governo de Dilma Rousseff (2011-2016), já haviam se silenciado as gestões para o CS.
A falta de protagonismo se reflete nas relações com os EUA. Desde que assumiu, em 20 de janeiro, o presidente americano, Donald Trump, não conversou com o colega brasileiro Michel Temer.
O porta-voz da Casa Branca, Sean Spicer, alega problemas de "agenda". Mas o americano já falou com os colegas da Argentina, Mauricio Macri; da Colômbia, Juan Manuel Santos; e do Peru, Pedro Pablo Kuczynski. Em cinco minutos com Macri, o chamou de "liderança", o convidou a ir até Washington e enviou abraços para seu pai, Franco Macri. Restou a Temer falar com o vice dos EUA, Mike Pence.
China, EUA, França, Reino Unido e Rússia ocupam os cinco assentos permanentes do CS – cada um desses países tem direito a veto nas resoluções. Há outras 10 vagas, rotativas, bienais, sem direito a veto e divididas por região (cinco de África e Ásia, uma da Europa Oriental, duas de América Latina e Caribe e duas da Europa Ocidental). O Brasil ocupou uma delas pela última vez em 2010 e 2011. Por estar há 10 anos sem apresentar candidatura, a estimativa é de que fique sem assento no CS ao menos até 2033. Até hoje, o período mais longevo sem a vaga foi entre 1968 e 1988.
Na ditadura militar (1964-1985), não havia interesse.
Principais atribuições do CS:
– Sanções a países que descumpram a algum acordo
– Envio das missões de paz para países sob turbulência
– Aprovação de eventuais invasões militares