Ele era chamado de "fera".
David Fajgenbaum era o mais forte de seus amigos da Escola de Medicina da Universidade da Pensilvânia, tinha 1,9 metro, era viciado em ginástica e jogava como quarterback em Georgetown.
"Esse cara era um espécime físico", diz seu antigo colega de quarto, Grant Mitchell, que costumava caminhar até o trabalho com ele. Quando chegavam ao hospital para seu turno na obstetrícia, seu amigo se lembra, "ele basicamente me coagia a fazer exercícios de barra na árvore do jardim".
Em julho de 2010, tudo mudou. O jovem de 25 anos acordou no meio da noite encharcado de suor. Seus nódulos linfáticos estavam inchados. Sentia pontadas de dor no abdômen e estanhas protuberâncias vermelhas começaram a brotar em seu peito. O mais bizarro era que vinha se sentindo muito cansado – tanto que começara a se esgueirar para dentro de salas de exame vazias para tirar sonecas de cinco minutos que o ajudavam a permanecer acordado durante o dia.
"Pessoal, acho que estou morrendo", ele se lembra de ter dito aos amigos.
Na emergência, seus medos foram confirmados. Um médico lhe disse que seu fígado, seus rins e sua medula óssea não estavam funcionando corretamente. Ainda mais preocupante era que o profissional não tinha a menor ideia de porque seu corpo estava falhando.
"O que você acha que está acontecendo?", perguntou-lhe o médico.
Descobrir a resposta para essa questão, no final das contas, tornou-se o trabalho de sua vida. Isso transformaria Fajgenbaum de um paciente que ficou cinco vezes à beira da morte, cuja doença assustava especialista após especialista, em um pesquisador importante em seu campo. Ele até usou a si mesmo como objeto de teste e pode ter descoberto um tratamento para sua doença rara.
Essa história, que circula amplamente nos centros médicos, é mais do que a incrível jornada de uma pessoa, no entanto. Ela oferece um olhar sobre o mundo das doenças raras, um pedaço da medicina que ainda continua a frustrar – e atordoar – aqueles que estão atrás da cura para condições não identificadas. Cerca de 95 por cento de todas as doenças raras não possuem tratamentos com remédios aprovados.
Menos de oito mil pessoas por ano nos Estados Unidos têm o mesmo problema de Fajgenbaum. Mas ao todo, as doenças raras não são incomuns: a estimativa é que 30 milhões de pessoas no país – ou cerca de 10 por cento da população – estão vivendo com uma das quase sete mil doenças raras que já foram identificadas.
A saúde de Fajgenbaum piorou rapidamente à medida que seu sistema imunológico saia de controle.
Mitchell e outros colegas procuraram livros e vasculharam a internet atrás de pistas. Enquanto isso, os especialistas mais importantes da universidade também não estavam tendo muito mais sorte. Os testes não chegaram a nenhuma conclusão.
Então, os médicos tentaram uma dose maciça de esteroides. Aos poucos, seu corpo começou a brigar para se recuperar. Seus rins e fígado voltaram a funcionar, e o fluído extra diminuiu. Fajgenbaum saiu do hospital em setembro de 2010, sete semanas depois de ter sido admitido.
Demorou apenas um mês para que os sintomas voltassem, enquanto ele estava convalescendo na casa em que passou a infância em Raleigh, na Carolina do Norte. Os médicos mandaram um pedaço de seu nódulo linfático para a Clínica Mayo, em Minessota, onde os patologistas finalmente identificaram sua doença. A condição, chamada de doença de Castleman, era tão rara que os médicos de Raleigh não tinham qualquer experiência com pacientes daquele tipo.
A doença de Castleman é conhecida desde os anos 1950, mas em geral permanece envolta em mistério. Uma característica da condição são os nódulos linfáticos aumentados, e a maioria das pessoas que tem a doença – cerca de dois terços – possui uma forma que afeta apenas uma parte do corpo e pode geralmente ser curada por meio de cirurgia. O tipo que devastava o corpo de Fajgenbaum – a doença de Castleman multicêntrica – é ainda mais raro e mortal.
Durante os anos seguintes, Fajgenbaum alternava entre períodos extensos de relativa saúde e recaídas assustadoras. Sua condição desorientava até mesmo os especialistas mais importantes da doença, como o doutor Frits van Rhee, de Little Rock, no Arkansas, que havia tratado o maior número de pacientes – cerca de 100 – com Castleman.
Com o mesmo zelo que devotava ao supino – 170 quilos, atingidos seis meses antes de se sentir doente – ele mergulhou nas pesquisas científicas da doença de Castleman e começou a se familiarizar com os maiores especialistas do mundo.
Uma das pessoas que procurou foi o doutor Thomas Uldrick, pesquisador clínico no Instituto Nacional do Câncer que estudava a doença de Castleman multicêntrica. Os dois começaram a se corresponder.
Ele também começou a colaborar com van Rhee, que percebeu que Fajgenbaum era um tipo diferente de paciente depois que o jovem chegou armado de gráficos, tabelas, cronogramas e apresentações de slide.
Na primavera de 2013, Fajgenbaum conseguiu seu diploma de Medicina; poucos meses antes havia ingressado também na Escola Wharton, na Universidade da Pensilvânia, achando que, para resolver o confuso mistério da doença de Castleman, seria útil ter a inteligência dos negócios.
Mas, em dezembro daquele ano, ficou doente de novo, e as plaquetas de seu sangue atingiram um nível tão baixo que mal conseguiam evitar uma hemorragia cerebral fatal.
Desta vez, no entanto, ele pode usar a recaída para incrementar sua busca pela cura.
Depois de uma rodada de quimioterapia, o jovem ficou bem o suficiente para ser dispensado e começou a vasculhar os segredos que os testes poderiam revelar. Percebeu que, em dezembro, cinco meses antes de começar a reparar nos sintomas, suas células T – uma das armas mais importantes do arsenal imunológico do corpo – começaram a ser ativadas, preparando-se para uma batalha mesmo quando não havia qualquer ameaça aparente. Então, cerca de três meses antes de sua recaída, ele viu que havia começado a produzir mais VEGF, uma proteína que instrui o corpo a gerar mais vasos sanguíneos, outro sinal de que o sistema imunológico estava se preparando.
Essas duas pistas lhe deram uma ideia: talvez o problema fosse com uma das linhas de comunicação do corpo, a que desencadeou a produção de VEGF e também avisou as células T para que começassem a se ativar. Se Fajgenbaum pudesse fazer com que seu corpo cortasse essa linha de comunicação – conhecida como caminho mTOR – poderia impedir que seu sistema imunológico reagisse exageradamente, prevenindo uma recaída. A descoberta foi emocionante.
Com esse indício importante nas mãos, ele e seus médicos se voltaram para possíveis tratamentos, procurando os remédios existentes que poderiam desligar o caminho mTOR. O que parecia a melhor opção estava totalmente à disposição: o sirolimus, também conhecido como Rapamune, que é normalmente dado a pacientes de transplante de rim para impedir que seus corpos rejeitem o órgão.
Em janeiro de 2014, ele parou de tomar os medicamentos para câncer e começou a usar o sirolimus. Seis meses se passaram, depois um ano. Os exames de sangue semanais mostravam que seu sistema imunológico estava voltando ao normal.
No último janeiro, Fajgenbaum comemorou três anos desde que começou a tomar o sirolimus, um período mais de duas vezes mais longo do que o das outras remissões.
"Eu me sinto 100 por cento", afirma.
Hoje, Fajgenbaum, que tem 31 anos, percorre os corredores do centro médico da Universidade da Pensilvânia novamente projetando a confiança atlética de antes. Mas brinca que teria que mostrar as fotos de seus dias como quarterback para explicar por que seus amigos ainda o chamam de fera.
Nem todo mundo, no entanto, está convencido de que o sirolimus é o que o deixa saudável. Van Rhee nota que apesar dos resultados de Fajgenbaum serem promissores, ele é apenas um caso e esse tratamento precisa ser provado em muitas outras pessoas.
Mas Fajgenbaum diz que fica cada dia mais confiante de que é o remédio que está resolvendo seu problema. Ele começou a compartilhar sua história com mais médicos e pesquisadores, está conduzindo testes de laboratório para ver se o medicamente pode funcionar em outros pacientes e começou a escrever um artigo sobre sua experiência para um jornal médico. Em breve, ele espera, os médicos poderão prescrever o tratamento para outros pacientes.
Por Katie Thomas