No dia 16 de novembro de 1999, uma terça-feira, a moradora de Cachoeirinha Simara Guimarães, à época com 28 anos, sentiu o coração sair do compasso quando viu apenas o filho Felipe, 10 anos, voltar da casa do pai, em Gravataí, após o feriado da Proclamação da República.
– Cadê o Gabi? – questionou a mãe, apreensiva para saber notícias do outro filho, Gabriel, cinco anos, que deveria retornar com o irmão.
– Não vi – respondeu o primogênito.
– Como assim, se ele foi para Gravataí no sábado?
– Mãe, ele não foi. Eu não vi o Gabriel em lugar nenhum.
A preocupação transformou-se em desespero. Onde estaria o filho? Ela viu Gabriel pela última vez em casa, na manhã de sábado, antes de sair para trabalhar em um supermercado de Porto Alegre. Deixou o menino aos cuidados da ex-cunhada, irmã do pai dele, que deveria levá-lo a Gravataí. Ambos dormiam quando Simara deixou a residência.
Quando a tia acordou, não encontrou o sobrinho em casa. Ela pensou que ele havia sido levado pela mãe ao trabalho, e partiu sozinha para Gravataí. Como a família não tinha telefone para se comunicar, só notou que o menino havia sumido três dias depois, com o solitário retorno de Felipe do feriadão.
Dezessete anos depois do caso, Gabriel segue na lista de crianças e adolescentes desaparecidos no Brasil. E Simara, hoje com 45 anos, é um exemplo das mães que ainda nutrem esperanças de encontrar um filho sumido. Para essas famílias, pouco importa se o calendário denuncia a passagem de um, 10 ou 20 anos. Não há marca no tempo capaz de fazê-las parar de procurar. Gastam as solas dos sapatos percorrendo bairros, cidades e Estados. Batem de porta em porta, fazem plantão nas delegacias, colam cartazes e pedem ajuda nas redes sociais. A busca por um filho é ininterrupta, assim como a dor da sua ausência.
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Por ano, no Brasil, desaparecem cerca de 40 mil crianças e adolescentes. O número é uma estimativa usada por pesquisadores da área, já que não existem dados consolidados sobre as ocorrências no país. O Ministério da Justiça afirmou, por meio de sua assessoria de imprensa, que os registros são competências de cada Estado, e que não há uma ação nacional para reunir essas informações.
Diretor da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Federal de Goiás (UFG), o sociólogo Dijaci David de Oliveira começou a pesquisar o desaparecimento civil em 1998, por causa de uma demanda do Movimento Nacional de Direitos Humanos. Diante da falta de dados nacionais, os pesquisadores tiveram de entrar em contato com as polícias de todos os Estados. Com isso, produziram a estimativa de que aproximadamente 200 mil pessoas desaparecem por ano no país, 20% delas com menos de 18 anos. O estudo deu origem ao livro Cadê Você, que chamou a atenção para a carência de políticas públicas.
– O desaparecimento é um problema social que atinge milhares de pessoas diretamente e milhões indiretamente, porque são envolvidas de alguma forma com aquela pessoa, com algum grau de parentesco – avalia Oliveira.
No Rio Grande do Sul, 28.066 pessoas com menos de 18 anos desapareceram de 2011 a 2015. Isso significa que, por ano, somem em média 5,6 mil crianças e adolescentes no Estado, ou 15 por dia. Esses casos superam as ocorrências com os adultos, que chegaram a 23.575 de 2011 a 2015, uma média de 4,7 mil casos por ano, ou 12 por dia.
Os dados são baseados nas ocorrências registradas pela Polícia Civil gaúcha, mas pesquisadores alertam que alguns casos nem chegam a ser notificados ao órgão de segurança pública. Na outra ponta dos registros, há mais um problema: muitas famílias se esquecem de avisar a polícia quando o parente é localizado, deixando "falsos desaparecidos" nos sistemas.
– A família acha que, quando o filho volta, não tem mais problema. Então, não avisa a polícia. Só que isso é um problema, pois eu preciso saber o que aconteceu, qual a razão para ele ter sumido. Se ele sofreu violência ou se estava em situação de perigo, por exemplo – afirma a psicóloga e psicanalista Claudia Figaro Garcia, responsável pelo eixo psicológico do projeto Caminho de Volta, mantido pela Universidade de São Paulo (USP) para auxiliar familiares de crianças e adolescentes.
Embora tenha os registros de desaparecimentos e das localizações, a polícia gaúcha não sabe informar o "acumulado" de pessoas desaparecidas no Estado, ou seja, todos aqueles que sumiram e ainda não foram localizados. A assessoria de imprensa do órgão argumenta que, como "os indivíduos localizados no ano de 2015 não necessariamente desapareceram no mesmo ano", "não há como atestar a quantidade de desaparecidos 'atualmente'". De 2011 a 2015, por exemplo, foram encontrados 20.356 crianças e adolescentes, sendo 10 mortos, e 19.068 adultos, 125 localizados sem vida. Subtraídos dos desaparecimentos, ainda estariam sendo procurados 7.720 menores de 18 anos e 4.507 maiores.
"Tu torces para encontrar, mas tu torces para não encontrar"
Depois do desaparecimento de Gabriel, Simara bateu de porta em porta para pedir ajuda aos vizinhos, que fizeram cópias de fotos do menino e auxiliaram na confecção de cartazes. Um deles disponibilizou o telefone para receber informações sobre a criança.
– Esse vizinho passou a atender telefonemas até de madrugada dizendo que o Gabriel estava em tudo quanto era lugar. As pessoas são muito cruéis. Eu me entristecia com a capacidade de conseguirem fazer isso, de criarem uma esperança falsa. Se tu corres atrás de uma pista falsa, deixas de correr atrás de uma correta, estás perdendo tempo. E é a vida de uma criança que está em jogo – relata Simara sobre os trotes que recebeu.
Ela parou de trabalhar por cerca de um mês para procurar o filho e chegou a ir a Morro Reuter atrás de uma informação passada por telefone, que a levou apenas a uma casa vazia. Assim como a polícia, também vasculhou matagais e arroios.
– São lugares muito ruins de procurar, porque tu sabes que ali não está procurando uma criança, está procurando um corpo. E a sensação de procurar isso é muito forte, como se tudo estivesse solto. Aquela expectativa... Tu torces para encontrar, mas tu torces para não encontrar. Imagina tu perdendo teu filho – descreve Simara.
Depois que ela voltou ao trabalho, a avó materna do menino, Judite Guimarães, assumiu a liderança na rotina de buscas. Procurava por conta própria, cobrava constantemente ações da polícia, falava com políticos ligados aos direitos humanos e com a imprensa para pedir ajuda. Em agosto de 2012, morreu sem reencontrar o neto.
A polícia chegou a prender um suspeito dois meses depois do desaparecimento, em janeiro de 2000. O homem, que era namorado da ex-cunhada de Simara, foi liberado por falta de provas.
A investigação seguiu sem novas pistas até 2012, quando uma ex-vizinha dos parentes paternos de Gabriel apareceu na televisão. Ela estava sendo investigada na Bahia, onde morava, por suspeita de envolvimento em adoções ilegais. Por causa disso, a polícia prometeu retomar as apurações sobre o sumiço de Gabriel. Contatada, a Polícia Civil informou que não reabriu o inquérito por "falta de indícios do envolvimento da mulher com o desaparecimento".
Mesmo sem ter tido retorno da polícia sobre o paradeiro do menino ou novidades na investigação, Simara acredita que ele ainda voltará para casa.
– Eu sei que ele está vivo, isso eu sei, eu sinto. Eu nunca senti ele morto. O que eu não sei é a história dele. Isso só ele poderá dizer, quando retornar – afirma a moradora da Rua Esperança.
Simara tem o desaparecimento do filho como uma ferida aberta que sangra a cada data comemorativa: aniversário, Páscoa, Natal, Ano-Novo. Por estar com dois meses de gravidez quando Gabriel desapareceu, ela optou por esconder a dor. Criou os outros filhos, Felipe, 27 anos, Vitor, 18, e Sara, 16, sem demonstrar o sofrimento e chorando escondida.
– Tu tens de ter equilíbrio para te manteres bem, por ti e pelos outros. E, do mesmo jeito, tu tens de ter o direito de cair, de ficar o dia inteiro deitada em uma cama chorando. É difícil, é muito difícil.
Mistério segue mesmo para quem encontra
O enigma que atormenta famílias de pessoas desaparecidas nem sempre é solucionado com as localizações. Há casos em que os parentes são localizados, mas o que ocorreu durante a ausência é desconhecido. A artesã Ana Lúcia da Silva Lunardi, 45 anos, ainda não sabe o que aconteceu com o filho nos seis dias em que ele ficou sumido.
Em 2002, ela e o marido mantinham um carrinho de cachorro-quente no centro de Porto Alegre e tinham de pagar uma babá para cuidar dos filhos no local, por falta de vagas em creches. Mas em um sábado, 13 de abril, a mulher não apareceu para observar Letícia, 10 meses, e Roberto Lunardi dos Santos, três anos, enquanto os pais trabalhavam. Foi nesse dia que Roberto desapareceu.
– Ele estava do nosso lado, mas quando eu fui entregar o troco de uma cliente, ele sumiu. Foi em menos de dois minutos. Eu me lembro de sair correndo desesperada, perguntando para todo mundo se alguém tinha visto o Betinho – conta a mãe.
A suspeita da família era de que Betinho havia sido levado por um desconhecido que estava desde quinta-feira nas cercanias do carrinho. O homem tinha se aproximado do casal, ajudado a carregar produtos e a comprar mais pão.
Determinada a encontrar o filho, ela decidiu não voltar para casa sem o menino. Dormiu na delegacia e em um depósito próximo ao local do desaparecimento.
– Eu preferia ficar lá, na esperança de encontrá-lo, do que voltar para casa e ver as coisas dele sem ele aqui. Eu lembro que o delegado disse para eu voltar para casa, porque ele estava fazendo o possível para achar o Beto. Aí, eu pedi para ele: "Eu não vou voltar para casa, então tu fazes o impossível".
Com Letícia no colo, os pais procuraram pelo filho em Porto Alegre e municípios da região. No sexto dia após o desaparecimento, a mãe pediu para uma desenhista reproduzir o rosto do filho, pois ele estava de óculos escuros na única fotografia que a família possuía. Mandou fazer mil cópias do desenho. Estava descendo as escadas do estabelecimento quando seu celular tocou.
– Está dando no rádio que encontraram o Betinho – contou uma amiga.
Com um pacote de desenhos na mão, Ana Lúcia sentou em um dos degraus da loja e começou a chorar. A ligação seguinte era do delegado, informando que o filho havia sido localizado em uma praça de Xangri-lá, no Litoral Norte, e levado ao Conselho Tutelar. A família viajou naquele mesmo dia para resgatar a criança.
– Ele me abraçou, olhou para mim e disse: "Quero mamá". Estava com fome – lembra a mãe.
O menino foi encontrado por moradores, que avisaram a polícia. Mas a história de como ele foi levado ao Litoral e o que aconteceu com ele nesses seis dias permanece um mistério. Cerca de duas semanas depois da localização, Ana Lúcia e o marido foram chamados para reconhecer um suspeito, mas disseram não ser o mesmo homem que havia se aproximado da família dias antes do desaparecimento. A mãe acredita que o menino foi achado graças à repercussão do caso:
– A gente nunca ficou sabendo o que aconteceu. Ele era muito pequeno, não falava muita coisa. Eu acho que o Beto apareceu porque naquela semana só falavam nele. Na maioria dos desaparecimentos, não acontece isso. E como ele tinha aquela "bolinha" no olho, era fácil de identificá-lo e ficava difícil tirar ele do Estado. Eu queria saber quem foi e por que fez isso. Vai ser uma coisa que talvez a gente nunca saiba. Graças a Deus, ele nem se lembra mais.
Hoje com 18 anos, Beto conta que soube da história vendo notícias de jornais que a mãe guardou.
– Se eu tivesse sido levado para outra família, eu iria achar que eles eram os meus pais – diz o jovem.
O desaparecimento deixou um trauma na família. Grávida do terceiro filho, Ronaldo, Ana Lúcia não quis mais trabalhar no Centro, embora fosse desejo do marido, e pediu que ele vendesse o carrinho de cachorro quente. Ela fez um curso de artesanato para poder trabalhar em casa e cuidar dos filhos, e ele foi atuar na construção civil. Diz a mãe:
– A coisa ficou mais difícil, pois ganhávamos mais dinheiro com a carrocinha. Acabei me separando um pouco por causa disso, estou há 10 anos separada.
Em janeiro, a Polícia Civil disse que a investigação sobre o caso foi remetida à Justiça sem que o responsável pelo desaparecimento fosse identificado.
Problema social sumido da agenda pública
Autor de uma tese de doutorado em Sociologia sobre os desaparecidos, elaborada entre 2003 e 2007, e do livro O Desaparecimento de pessoas no Brasil, publicado em 2012, o sociólogo Dijaci David de Oliveira é citado em quase todas as produções sobre o tema no país. Ele avalia que, nos quase 20 anos de pesquisa na área, pouco se avançou para ajudar as famílias que sofrem. O principal problema, conforme o pesquisador, é que os desaparecimentos ainda não geram políticas públicas que demandem investimentos do governo.
– Não temos orçamento para os organismos que foram criados. E, sem orçamento, eu não consigo fazer nada, não envolvo pessoas e pesquisa. Não adianta eu ter apenas uma semana de prevenção – critica o atual diretor da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Federal de Goiás (UFG).
Devido à falta de verbas, ações já criadas estão abandonadas. Um dos exemplos é o Cadastro Nacional de Crianças e Adolescentes Desaparecidos, criado em 2009 para funcionar como um banco de dados de todos os casos registrados em órgãos de segurança pública no país. O problema é que o cadastro não é atualizado. Atualmente, constam apenas 370 nomes no banco de dados, 18 deles de crianças e adolescentes desaparecidos no Rio Grande do Sul. Por meio de nota, a assessoria de imprensa da Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente do governo federal, atual responsável pelo cadastro, admitiu que o conteúdo da plataforma "não reflete a realidade dos números de desaparecimento de crianças e adolescentes no país e demonstra a necessidade de reformulação das estratégias e mais investimentos no tema". Por isso, o órgão "iniciou o diálogo para a criação de um novo canal que poderá ser utilizado pelas famílias para dar visibilidade aos casos", mas não informou um prazo para a consolidação das melhorias.
Responsável pelo eixo psicológico do projeto Caminho de Volta, mantido pela Universidade de São Paulo (USP) para auxiliar familiares de crianças e adolescentes desaparecidos, a psicóloga e psicanalista Claudia Figaro Garcia afirma que o desaparecimento é uma "pauta desaparecida da agenda pública". O descaso tem relação, segundo ela, com uma "visão preconceituosa" quanto aos desaparecimentos:
– Existe a ideia de que só acontece com famílias de baixa renda, mas isso não é verdade. Pode acontecer em qualquer contexto. Já tivemos aqui (no Caminho de Volta) casos em que o adolescente tem tudo e foge, a questão não é o dinheiro.
Há casos em que a vulnerabilidade social contribui para o desaparecimento. A falta de vagas em creches e programas sociais forma vítimas. Um militante de um movimento social entrevistado por Oliveira para o artigo Desaparecidos civis: transformando os desaparecimentos de pessoas em um problema de segurança pública reclamou: "Se desapareceu foi porque o Estado deixou de cumprir o seu papel" – seja na prevenção ou na localização.
O primeiro passo para enfrentar o problema do desaparecimento, dizem os pesquisadores, seria produzir dados confiáveis sobre os casos. Segundo Oliveira, o país precisa criar uma ação para que os dados sejam 100% catalogados e tenham um mínimo de detalhamento, que possibilite a criação do perfil das pessoas desaparecidas em cada região.
– A partir daí, a gente precisa criar uma política de estruturar, em cada Estado, organismos que possam acompanhar e avaliar essas informações. Você tem Estados que vão ter maior desaparecimento de jovens e outros de idosos, por exemplo. Então, eu preciso estabelecer a política que os Estados precisam levar adiante. E isso precisa de um suporte nacional, de um organismo nacional jogando orçamento.
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Conforme sua assessoria de imprensa, o Ministério da Justiça está realizando testes de coleta de dados sobre o desaparecimento em um aplicativo chamado Sinesp Cidadão.
Por enquanto, apenas três Estados estariam enviando as ocorrências para o ministério (Santa Catarina, Espírito Santo e Sergipe), mas a previsão é de que, no segundo semestre de 2017, todas as unidades da federação encaminhem seus boletins. "A partir dessa iniciativa, com o tempo, nós teríamos dados mais confiáveis", informou a imprensa da pasta.
Polícias despreparadas e leis descumpridas
O papel da polícia nos casos de desaparecimento é alvo de críticas não apenas dos familiares ávidos por uma investigação de sucesso, mas também dos pesquisadores do tema. Professora da Escola de Ciências Sociais da Fundação Getúlio Vargas no Rio, a doutora em Antropologia Social Letícia Carvalho de Mesquita Ferreira escreveu o artigo "Apenas preencher papel": reflexões sobre registros policiais de desaparecimento de pessoa e outros documentos, publicado em 2013, em que abordou o despreparo da segurança pública diante dessas situações.
Ao analisar os registros policiais de desaparecimento arquivados em delegacias do Rio de Janeiro de 2005 a 2009, ela concluiu que os policiais distinguem os casos entre "problemas de polícia" – quando há a suspeita de algum crime, como homicídio ou sequestro – e "problemas de família" – quando a pessoa provavelmente fugiu, não cabendo "à polícia lidar com problemas de família". Ou seja, só seriam investidos esforços na investigação dos primeiros casos, cabendo às famílias resolverem os outros. Segundo Letícia, os próprios policiais "afirmam sentir-se desprovidos de diretrizes claras".
A psicóloga e psicanalista Claudia Figaro Garcia também identificou a falta de definição sobre o desaparecimento dentro da polícia:
– Já ouvi um delegado dizendo que fuga é a principal causa de desaparecimento, e outro dizendo que fuga não é desaparecimento. Mas na fuga você pode ter um crime, não é um assunto de família, é um assunto de polícia. É preciso investigar o que levou à fuga, que pode estar relacionada à violência doméstica, por exemplo.
A raiz desse problema, conforme as pesquisadoras, é que o desaparecimento não figura como tipo penal. "Não constitui um crime, não prescreve em prazos determinados e não pode gerar inquérito policial, embora seja, como outras ocorrências não criminais, objeto de registro, investigação e arquivamento em repartições policiais", explica Letícia em seu artigo.
O sociólogo Dijaci David de Oliveira também afirma que, às vezes, leis são descumpridas pelos órgãos de segurança pública. Segundo ele, há lugares em que as polícias esperam 24 horas ou 48 horas para registrar o desaparecimento de crianças e adolescentes, mesmo depois de uma lei determinar, em 2005, o registro e a busca imediata.
– A lógica da busca imediata tem a ver com os dados da violência contra crianças e adolescentes. A possibilidade de você encontrar uma criança viva é muito maior nas três primeiras horas. A partir daí, diminuem as chances de eu encontrá-la com vida – explica Oliveira.
Segundo o sociólogo, para que isso mude, é preciso que o desaparecimento seja incluído nos cursos de capacitação e treinamento dos policiais. Nos Estados Unidos, por exemplo, a análise de dados sobre os desaparecimentos serviu para a construção de um manual de busca e apoio para as famílias.
Em janeiro de 2015, foi criada por meio de uma lei a Política Estadual sobre Pessoas Desaparecidas do Rio Grande do Sul. A norma tinha entre os objetivos "instituir o Comitê Estadual Sobre Pessoas Desaparecidas", que serviria para "planejar, executar e monitorar ações e programas" sobre o tema, mas a entidade ainda não foi criada. Conforme a diretora Adjunta do Departamento de Gestão e Estratégia Operacional da Secretaria de Segurança Pública do Estado (SSP), Eliana Parahyba, o comitê teria de ser instituído pela Secretaria de Justiça e Direitos Humanos do Estado (SJDH), sendo a SSP apenas integrante. A SJDH diz que a SSP teria de solicitar a criação do comitê.
Procurada novamente por ZH, Eliana afirmou que, "mesmo não cabendo à pasta", encaminhará o pedido à SJDH. Para a diretora, o problema do desaparecimento necessita de uma rede integrada de atendimento, assim como funciona a rede de proteção às mulheres. O tema, segundo ela, precisa ser tratado não apenas pela segurança pública, mas por outras áreas como saúde e assistência social.
Delegados contatados pela reportagem disseram, por exemplo, que gostariam de contar com assistentes sociais e psicólogos para auxiliar no atendimento às famílias dos desaparecidos. Eliana concorda com a demanda, e informa que a SSP está analisando um pedido da Polícia Civil para a contratação mais servidores para as delegacias.