A violência da morte da turista gaúcha Daniela Scotto, 38 anos, na madrugada deste domingo, não é desconhecida dos moradores da comunidade da Papaquara, no Norte da Ilha, em Florianópolis, onde ocorreu o crime. Escondida atrás do movimentado Terminal de Integração de Canasvieiras (Tican), a localidade fica dentro do Bairro Vargem Grande, que se vê em meio a uma guerra entre facções criminosas na disputa por pontos de tráfico de drogas.
Dividido pela SC-403, que leva aos Ingleses, Santinho e Rio Vermelho, o bairro de cada lado tem o domínio de um grupo de criminosos. A comunidade local relata que os traficantes do Papaquara rotineiramente entram em confronto com integrante de outra facção criminosa estabelecida na região do Canto do Lamin. Na metade de novembro, um rapaz foi encontrado carbonizado entre pneus no bairro. Para a polícia, a morte tem ligação com o tráfico local.
Um morador da comunidade ouvido pela reportagem afirma que dentro do Papaquara há um toque de recolher. Segundo ele, que não quis se identificar por medo de represálias, depois 22h as pessoas são proibidas de andarem nas ruas. O recado foi dado, segundo ele, pelos próprios traficantes após a última morte registrada na região.
– Eles trocam tiros há mais de um mês. Esse problema é recorrente. Existe uma guerra e a polícia não faz nada. Quando fazem é blitz pra pedir documento. Estamos ligando há dois meses para a polícia – reclamou o morador.
Segundo o relato dele, os criminosos responsáveis pelos pontos de tráfico do Papaquara são mais violentos. Revoltado com a morte da turista, ele resolveu falar sobre o caso pois sabe que Daniela foi vítima porque desconhecia a situação da comunidade.
– Qualquer pessoa que passe por lá eles tocam fogo mesmo – conta.
A disputa pelo tráfico na Vargem Grande atingiu também Taís Cristina Vieira de Almeida, 18 anos, e uma adolescente de 15, há dois anos. Elas foram encontradas mortas dentro de um carro na Vargem Pequena, comunidade próxima. Segundo relatou a Delegacia de Homicídios na ação penal do caso que tramita na Vara do Tribunal do Júri, Taís convivia com um homem ligado a uma facção criminosa instalada na Papaquara.
PM afirma que fez operações
Neste domingo, o comandante do 21º Batalhão da Polícia Militar, tenente-coronel Sinval Santos da Silveira Junior, afirmou que a corporação fez operações diárias na comunidade do Papaquara no mês de dezembro. Nos últimos dias, segundo ele, foram três por dia. Em entrevista ao DC, por conta desse esforço no local, ele se sente frustrado com a morte da turista.
Na manhã desta segunda-feira, durante abordagens na entrada do Papaquara, onde a PM chegou na tarde de domingo e pretende sair somente depois que os suspeitos forem presos, Sinval disse que o papel para restabelecimento da comunidade não é só da polícia:
– Outros órgãos precisam ser envolvidos. É saúde, educação, saneamento. Se todos órgãos se engajassem, não deixariam a cargo da Polícia Militar.
À RBS TV, o secretário de Segurança Pública do Estado, César Grubba, admitiu que o Governo sabe que a comunidade do Papaquara é dominada pelo tráfico de drogas e que existe na região uma guerra entre facções e uma disputa por pontos de venda, tanto que as operações na região são constantes. Sobre a morte da turista, Grubba disse que o caso foi uma fatalidade.
Até a tarde desta segunda-feira, ninguém havia sido preso pela Polícia Civil, que investiga o caso. Apesar de os familiares afirmarem que Daniela e os ocupantes da Tucson usaram um aplicativo de GPS para deixarem o local, o delegado Ênio Mattos afirma que eles precisavam passar pela Servidão Braulina Machado, onde ocorreu a morte, de qualquer forma.
O primo de Daniela, onde a família estava para passar o Réveillon, diz que eles usaram o aplicativo pois tiveram que fazer a volta na quadra da residência já que não conseguiam manobrar em frente à casa.
Emoção e homenagens na despedida
Durante toda a manhã, dezenas de parentes, amigos e alunos de Daniela, que era professora de yoga, foram ao Cemitério Ecumênico Cristo Rei, em São Leopoldo, para prestar as últimas homenagens à gaúcha. Emocionados e ainda surpresos como ocorrido, muitos se mostravam inconformados com a morte repentina da gaúcha:
– A Dani e o Felipe (marido) planejavam ter filhos, haviam construído um estúdio de yoga que estava dando super certo. Já tinham planos também de mudar o estúdio para um lugar maior. Eles estavam em um ótimo momento de vida, não dá pra acreditar – comentou o amigo Manolo Machado.
Minutos antes do enterro, que ocorreu às 11h, um amigo do casal, que já havia feito a cerimônia de casamento de Daniela e Felipe, pronunciou algumas palavras sobre a vítima e pediu para que todos os presentes repetissem "Djhay Dani", expressão da cultura védica que significa "tudo que há de bom".
Natural de Porto Alegre, Daniela morava atualmente com o marido em Sapucaia do Sul, na região Metropolitana da Capital gaúcha. (Colaborou Jaqueline Sordi)