Com a Praça da Matriz tomada por servidores e cercada por brigadianos, o governador José Ivo Sartori está prestes a enfrentar o maior desafio de sua gestão. Prevista para começar nesta segunda-feira à tarde, a votação do pacote de medidas de alívio ao caixa do Estado irá testar a capacidade de articulação política do governo, com reflexos diretos no restante do mandato do peemedebista.
Em todas as manifestações, Sartori tem reafirmado que não há plano B. Prestes a completar dois anos de mandato e consciente de que até agora sua gestão foi refém de uma agenda de crise, o governador quer demonstrar que a administração tem um caminho: o de um Estado enxuto e focado na prestação de serviços essenciais, como saúde, educação e segurança.
– A sociedade já deixou claro que não quer mais um Estado arcaico, que gasta mais do que arrecada e não tem dinheiro sequer para pagar os servidores – afirma o líder do governo na Assembleia, deputado Gabriel Souza (PMDB).
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Embora o conjunto de ações seja insuficiente para resolver o déficit crônico nas contas públicas, a orientação à base do governo na Assembleia é para não ceder às pressões dos servidores e tentar aprovar o pacote na íntegra. Nos cálculos apresentados aos deputados, o Piratini sustenta que as medidas resultam numa economia de R$ 1,5 bilhão anuais – cifra equivalente a uma folha de pagamento do funcionalismo.
Iniciativas como aumento da alíquota previdenciária, mudança no cálculo do duodécimo dos poderes e extinção de órgãos públicos, com consequente demissão de servidores, têm impacto imediato nas finanças, ao aumentarem a receita e diminuírem a despesa. O adiamento da data limite para o pagamento dos servidores também acabaria com os atrasos e as sucessivas manchetes negativas, à medida que os desembolsos sejam escalonados até o dia 20 do mês seguinte.
Como algumas das propostas alteram a Constituição estadual, precisam de 33 votos para serem aprovadas. Por conta disso, o governo intensificou o assédio às bancadas do PTB e do PDT – nas últimas semanas, um deputado petebista foi convidado quatro vezes para o secretariado. Juntos, os dois partidos têm 12 votos, sendo fundamentais para o êxito do pacote. Pelo menos seis estão dispostos a abraçar a pauta governista, quatro são contrários à grande parte das medidas e outros dois são uma incógnita para o Piratini.
Na sexta-feira, porém, os dois partidos ajudaram o governo a antecipar a votação para hoje. Sartori e a maioria dos deputados desejam apreciar o pacote antes do recesso parlamentar que começa na quinta-feira, evitando uma convocação extraordinária.
– Se deixar para depois do Natal, é possível que algum deputado saia em viagem e não volte, ou que seja coagido pelas bases a votar contra. O governo tem pressa – relata uma testemunha das negociações.
A partir das 11h, a reunião de líderes vai formatar a ordem de apreciação dos projetos. Souza passou a tarde de ontem reunido com a cúpula do governo no Palácio Piratini, discutindo a estratégia de votação dos 26 projetos. A ideia era colocar em pauta primeiro as iniciativas de tramitação mais simples (14 projetos de lei e quatro projetos de lei complementar), que, em tese, seriam mais fáceis de aprovar.
Dessa forma, as oito propostas de emenda Constitucional (PECs), que, além dos 33 votos, precisam ser votadas em dois turnos, seriam deixadas para o fim. Contudo, é praticamente unânime o sentimento de que, mesmo invadindo a madrugada, a votação não se encerra na sessão de hoje. Por isso, agora o governo cogita votar as PECs logo no início, em meio aos primeiros projetos, o que possibilita a apreciação em segundo turno até quinta-feira.
Operação especial de segurança é montada no local
Para garantir a votação do pacote, a Assembleia Legislativa e a Brigada Militar montaram uma operação especial de segurança. Centenas de policiais serão empregados para atuar nos arredores da Praça da Matriz, com o objetivo de evitar eventuais tentativas de invasão do Palácio Piratini e do parlamento, que estão protegidos por gradis. Desde o final de semana, o acesso à praça pela Avenida Duque de Caxias está fechado para automóveis.
– É uma operação delicada, mas semelhantes às que fizemos em outras ocasiões. Estamos tomando todas as precauções para que não haja confrontos – disse o comandante do policiamento na Capital, coronel Mário Ikeda.
Na Assembleia, a entrada de pessoas será controlada. A direção da Casa irá liberar 160 senhas – 80 para os opositores do pacote e outras 80 para os apoiadores. Além deles, só será permitido o ingresso de servidores e jornalistas, a exemplo do que já vinha ocorrendo na semana passada. Como as entradas principais permanecem fechadas, inclusive com as cortinas de metal baixadas para evitar depredação das vidraças, o controle de acesso será feito no portão da garagem. Todas as pessoas serão identificadas.
Lá dentro, por receio de invasões ao plenário, os dois setores laterais estarão fechados. O público ficará isolado no mezanino – de um lado, os favoráveis ao pacote, de outro, os contrários. Praticamente todo o efetivo de segurança foi mobilizado.
Como várias categorias estão paralisadas para acompanhar a votação, os servidores pretendem providenciar a instalação de telões na Praça da Matriz, onde um acampamento foi montado desde o anúncio do pacote. No final da tarde de ontem, um ato-show reuniu dezenas de pessoas no local, com apresentações artísticas em protesto pela ameaça de fechamento de fundações.
Algumas das propostas mais polêmicas
PEC dos Duodécimos
O que é
Alteração dos artigos 146 e 156. Com isso, os repasses dos duodécimos dos poderes e órgãos serão calculados pela Receita Corrente Líquida efetivada, limitados ao orçamento previsto. A economia prevista é de R$ 575,7 milhões (considerando dados de 2015).
Os obstáculos
Embora conte com o apoio de alguns deputados da oposição, a proposta enfrenta resistências do Judiciário e do Ministério Público. Nos últimos dias, aumentou a pressão de líderes de entidades sindicais desses órgãos sobre os deputados nos corredores da Assembleia. Uma emenda definindo um período de transição pode ser proposta.
PEC do Salário
O que é
Medida retira do texto a data-limite de pagamento dos vencimentos dos servidores até o último dia do mês. Após aprovação, o governo pretende propor um calendário escalonado, priorizando os menores salários e dando maior previsibilidade de pagamento aos servidores do Estado e autarquias.
Os obstáculos
Servidores criticam a proposta por acreditarem que a medida permitiria ao Piratini atrasar ainda mais os salários do funcionalismo. A ideia de propor um calendário de pagamento apenas após a aprovação da PEC é vista por alguns deputados como uma tentativa do governo de postergar a discussão do assunto.
PEC do Fim dos Plebiscitos
O que é
Proposta retira a obrigatoriedade de realização de plebiscito para privatizar a Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE), a Companhia Rio-grandense de Mineração (CRM), a Companhia de Gás do Estado do Rio Grande do Sul (Sulgás) e a Companhia Estadual de Silos e Armazéns (Cesa).
Os obstáculos
É uma das propostas mais difíceis de serem aprovadas pela Assembleia. Há deputados de partidos da base aliada, como PSDB, PP e PDT, contrários à medida. O fato de a Sulgás ser superavitária, por exemplo, também dificulta os parlamentares a aprovar a PEC.
Extinções de órgãos públicos
O que é
O governo propõe, em projetos diferentes, o fim de nove fundações, uma autarquia e uma companhia. As atividades executadas por cada um dos órgãos seriam contratadas junto à iniciativa privada ou absorvidas pelas secretarias da atual estrutura. Mais de mil funcionários seriam demitidos.
Os obstáculos
A tendência é de que o governo não consiga extinguir todos os órgãos. Entre os deputados aliados, há incerteza sobre a situação de fundações ligadas a pesquisas, como a Fundação de Economia e Estatística (FEE), a Fepagro e a Cientec. As demais estruturas devem mesmo acabar.
Revisão de créditos fiscais
O que é
O projeto visa a redução de 30% nos créditos fiscais presumidos referentes a 2016, 2017 e 2018. Benefícios concedidos a diversos setores da economia seriam cortados para aumentar a arrecadação. E economia prevista com a medida é de R$ 300 milhões ao ano.
Os obstáculos
Vários deputados, inclusive da base aliada, têm ligação com setores produtivos que seriam afetados pela medida. Uma das possibilidades estudadas nos bastidores é de modificar o índice de redução de 30% para 20%. A oposição classifica a medida como um "desestímulo à produção local".