Vestido com um terno cinza, camisa branca e gravata vermelha, o ex-policial militar Luis Paulo Mota Brentano falou por mais de duas horas em seu interrogatório no júri popular que o julga pela morte do surfista Ricardo dos Santos, o Ricardinho. às 12h38min, houve uma pausa de uma hora no julgamento para o almoço.
Somente para responder as perguntas feitas pela juíza Carolina Ranzolina Nerbass Freitas, que comanda a sessão, ele levou uma hora e meia. Na mesa onde estava, deixou um pequeno papel com anotações usado para lembrar de detalhes do crime. Ele também portava uma caneta, mas o promotor Alexandre Carrinho Muniz pediu que o material fosse retirado.
Antes de responder às perguntas, o ex-soldado se negou a dizer o próprio endereço, como pediu a juíza no protocolo. Alegou ter medo dos familiares do surfista que estão no plenário. Em seguida, passou a falar sobre os processos administrativos e judiciais anteriores à morte de Ricardinho que havia respondido. Disse ter sido inocentado de todos e reclamou do rigor da Justiça Militar, onde tinha sido condenado. Sobre o procedimento interno que culminou na sua expulsão da corporação, Mota diz que o documento final da Polícia Militar (PM) indica a penalização pelo porte da arma, ingestão de bebida alcoólica e por ter supostamente dado bebida ao irmão que na época era adolescente, mas não cita a morte do surfista.
Quando perguntado pela juíza sobre o dia do crime, o ex-soldado deu detalhes desde a sexta-feira anterior, dia 16 de janeiro, quando ele, o pai, o irmão e a cunhada saíram de Joinville, onde moravam e foram para a praia da Pinheira, em Palhoça. No domingo seguinte, dia 17, Mota saiu com o irmão e duas primas para ir até um bar depois das 22h. Lá, admitiu, ele bebeu cerveja.
No começo da madrugada, deixou uma das primas em casa e voltou com o irmão e a prima para o Centrinho da Guarda do Embaú onde um grupo de argentinos estava. Por lá ficaram até 4h, quando foram para a beira da praia. Por volta de 7h, os três voltaram para casa, segundo Mota. No entanto, após deixar a prima na casa onde estavam hospedados, ele e o irmão decidiram voltar para tomar banho de mar na praia.
Foi próximo de lá, então, que o ex-soldado deixou o carro no acesso a uma trilha por, segundo ele, desconhecer a região e não saber se aquele ponto tinha saída. Mota alega que ficou sentado no carro enquanto o irmão estava do lado de fora para fazer as necessidades. Momento depois, relatou, chegaram no local Ricardinho, o avô Nicolau e o tio dele, Mauro. Um dos três, que Mota não lembra quem foi, pediu que o ex-policial retirasse o carro do local para que eles pudessem fazer uma obra no encanamento. O irmão dele respondeu, então, que eles sairiam em breve. No entanto, os dois permaneceram no local e, na versão de Mota, Ricardinho voltou alterado:
- O Ricardo voltou lá com os "dois pés" me chamando de merda. Eu disse: "tu tá falando com quem seu bosta". E a discussão foi aumentando. Eu estava com capacidade completa de saber o que estava fazendo. O Ricardo pegou o facão e ficou me olhando. Nisso o Ricardo veio, não sei se porque ele achou que a gente estava rindo dele e não era dele, e desceu correndo, veio com o braço levantado. A reação que tive foi atirar com uma mão me encolhendo. O primeiro disparo eu dei porque estava esperando o golpe de facão. Só não tinha certeza se tinha acertado.
Mota reforçou no depoimento que estava com medo, e por isso reagiu:
- Eu vi bem o facão. Era inoxidável, brilhava de forma prateada. O cenário está totalmente ao meu desfavor pelo monstro que a imprensa me montou. Ele (Ricardo) não era um bandido, era um atleta que eu não queria que tivesse morrido. Não tinha nada contra ele, jamais iria querer tirar a vida dele. Realmente sinto pela morte do Ricardo. Foi uma fatalidade e a gente entrou naquela discussão, ele se sentiu mais insultado, pegou o facão e veio para cima. Temi pela minha vida e atirei.
A mãe de Ricardinho, Luciane dos Santos, não assistiu a todo o depoimento dele. Com uma hora de duração, ela deixou a sala amparada pelo companheiro. Mota chorou seis vezes durante o interrogatório. Principalmente quando lembrou da família e ao recordar-se do depoimento de um casal de hippies, ocorrido na noite de quinta-feira. O ex-soldado diz que os dois foram mal tratados durante os questionamentos. Essas testemunhas foram levadas pela defesa pois disseram ter visto um facão na cena do crime. A acusação, no entanto, disse ter visto contradições no depoimento.
Depois que concluiu as respostas à juíza, o ex-soldado se negou a responder as perguntas do promotor Muniz e do assistente de acusação. Houve desentendimento entre Mota e Muniz quando o ex-soldado disse que o promotor era "desleal". O ex-policial chegou a tirar algumas dúvidas dos acusadores, e depois integralmente respondeu aos questionamentos do seu advogado de defesa.
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Por mais de duas horas, Mota alegou ter matado o surfista por legítima defesa e não quis responder as perguntas do promotor e assistentes de acusação
Ânderson Silva
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