No dia em que completam uma semana de ocupação em protesto contra medidas do governo federal, os alunos da Faculdade de Letras da UFRGS – a primeira a ser ocupada na universidade – já contam com uma estrutura organizada e rotinas definidas. Mesmo em um dia de feriado, o movimento no prédio, localizado no Campus do Vale, no bairro Agronomia, já era intenso desde as primeiras horas da manhã desta quarta-feira.
Leia mais:
Com prédios ocupados, 20 cursos da UFRGS estão com aulas paralisadas
Estudantes ocupam mais prédios da UFRGS em Porto Alegre
Qual será o impacto da PEC 241 na saúde, educação e salário mínimo
Só que, no lugar das tradicionais aulas, o que predominavam eram as conversas em pequenos grupos, rodas de debates, música ao vivo e até o preparo de refeições.
– Aqui, todos trabalham e também debatem as pautas que estão em questão. O nosso objetivo é fazer pressão, dizer que a gente esta aí e temos nossa voz. Não é um movimento político, ele é feito pelos estudantes e é para todos – afirma a estudante de Letras Kedilen Dutra, de 17 anos.
A poucos metros dali, na Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, a cena se repetia. Com cartazes na entrada do prédio, grupos sentavam para conversas, enquanto outros passavam carregando garrafas de água e outros alimentos. Desde a primeira ocupação da universidade, mais de 20 cursos já aderiram à mobilização, na qual estudantes, servidores e professores – seguindo os moldes dos atos no restante do país – se estabelecem nos prédios em protesto contra projetos que tramitam no Congresso: a PEC do teto de gastos, o projeto da escola sem partido e a reforma do Ensino Médio.
Além de outras faculdades do Campus do Vale, prédios dos campi da região central da cidade, como os de Arquitetura, Pedagogia, Biblioteconomia e Comunicação também estão ocupados. Com rotinas semelhantes, os grupos se comunicam diariamente para estabelecer ações e determinar os próximos passos do movimento.
– É um movimento totalmente horizontal. A universidade não parou, ela continua sendo um espaço de formação e debate. Ocupar também é comunicar, já que ir para as ruas para manifestações não está mais sendo suficiente – argumenta um aluno da Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação (Fabico), que pediu para não ser identificado.
Durante as ocupações, grande parte das atividades nas faculdades estão suspensas. Além das aulas de graduação, disciplinas de pós-graduação, cursos e atividades das secretarias não estão ocorrendo.
– Por enquanto só o que é essencial está funcionando. Este é o momento de parar e pensar no coletivo, não só no individual. Foi tudo definido em uma assembleia que contou com um quorum superior a 10%, e por isso é um movimento legítimo – defendeu o aluno da Fabico.
Comissões definem e organizam atividades
Na Faculdade de Letras, antes mesmo das 6h, muitos dos estudantes já estão de pé, preparando o café da manhã para os demais. Estes fazem parte da "comissão de alimentação", responsável por organizar as refeições e coordenar as doações de comida – que chegam a todo momento.
Mas logo o restante, que ali se aproxima de 80 pessoas (conforme estimativa dos próprios manifestantes), também se levanta dos colchões e sacos de dormir, dispostos em três salas de aula, para começar mais um dia de atividades.A partir das 7h, já estão reunidos para a primeira assembleia do dia, na qual discutirão as pautas mais atuais e organizarão as tarefas das horas seguintes. Daí em diante, a manhã, a tarde e a noite são divididas entre aulas (promovidas pelos próprios alunos), debates, momentos de meditação, shows de música, entre outros.
Quem organiza todas estas atividades é a "comissão de eventos", mais um dos seis comitês que integram a ocupação: tem também o de limpeza, o de segurança (que realiza escalas para garantir que tenham pessoas na portaria do prédio 24 horas por dia), o da mobilização, o de comunicação externa e o de comunicação interna.
– As atividades de cada comissão são definidas nas assembleias. Mas todo mundo faz tudo aqui, cuidamos para sempre ter gente no prédio, na portaria – relata o estudante de Letras Christopher Oliveira, de 19 anos.
Futuro indefinido
Assim como o dia a dia das atividades nas ocupações vai sendo definido e remodelado a todo momento por meio de conversas e assembleias, o futuro dos protestos também é uma incógnita. Questionados sobre a perspectiva de desocuparem os prédios, os alunos se limitam a dizer que "tudo está indefinido".
Conforme uma estudante da Fabico, que também pediu para não ser identificada, uma das ideias que circula nos corredores é permanecer nos prédios pelo menos até a votação da PEC do teto de gastos, o que deve ocorrer no dia 8 de novembro.
– Mas tudo isso é diariamente debatido entre todos estudantes. O principal objetivo é barrar a PEC, mas também estamos alinhados com outras pautas dos movimentos nacionais – explicou.
O que diz a UFRGS
Procurada pela reportagem de ZH na tarde desta quarta-feira, a assessoria de comunicação da UFRGS não atendeu às ligações. Na terça-feira, a universidade informou que a Reitoria está "acompanhando a movimentação das ocupações, que vai ao encontro de outras realizadas no país". Também destacou que, por enquanto, como a mobilização está em fase inicial, a Reitoria está "em compasso de espera" e que não há nenhuma medida sendo estudada.
*Zero Hora