– Dá uma tontura estudar com fome – admite um menino de dez anos, enquanto tomava um copo suco de uva com três bolachas de água e sal durante na manhã de ontem.
O aluno do quarto ano da Escola Municipal de Ensino Fundamental (Emef) Professor Osmar Stuart, em Cachoeirinha, que até semana passada fazia a primeira refeição do dia com leite achocolatado e pão com manteiga, ele não entende a mudança no cardápio.
Há uma semana, a crise financeira que a prefeitura de Cachoeirinha vem enfrentando ao longo do ano atingiu um dos pontos mais sensíveis da educação pública: a merenda dos alunos. O que era bebida láctea com pão ou biscoito virou uma porção de gelatina, uma maçã ou uma banana, na maior parte dos dias da semana. Do almoço, foi cortada a fruta de sobremesa e o suco. Carnes, arroz e feijão, permanecem. E nas quartas-feiras, dia em que a aula termina às 10h, não é mais servido almoço.
Leia mais:
Estudantes do curso de magistério contam por que querem ser professores
Inscrições para as creches municipais da Região Metropolitana estão abertas
Enem 2016: estudo, esforço e dedicação rumo ao diploma
Diretora teme evasão escolar
As mudanças implementadas pela Secretaria Municipal de Educação afetam 9.366 alunos de Emefs e 2,8 mil de Emeis – nestas onde o atendimento ocorre das 7h às 19h, o cardápio de cinco refeições por dia foi menos modificado. Para alunos que vivem em áreas de vulnerabilidade como a Vila da Paz, no Bairro Distrito Industrial, a consequência de uma medida como esta é ainda maior. Além dos efeitos imediatos, como o aumento da agitação dos alunos e das reclamações, a diretora da escola Eliane Menger teme um problema maior, que pode aparecer nos próximos meses: a evasão escolar. Na escola que tem 150 alunos da pré-escola a quinta série, a criançada percebeu a mudança imediatamente:
– Se não fosse a tia Bia fazer essa comida deliciosa, eu nem iria estar aqui –confessa o menino entrevistado à reportagem.
Ele argumenta que a comida da escola é mais recheada que a que tem em casa. E que o lanche preferido da merenda é "pãozinho quente com chimia e queijo e leite com Nescau".
– Aluno com fome não rende da mesma forma em sala de aula, não se concentra. A maçã é o que eles mais rejeitam. Antes, a fruta era a sobremesa do almoço e hoje é a opção do café da manhã. Uma maçã dá ainda mais fome – afirma Eliane.
A dona de casa Dienifer Silveira Moraes, 29 anos, conta que a filha de sete anos, da pré-escola, chega faminta da escola na quartas-feiras, quando não há mais almoço:
– Minha filha chega em casa e vai direto para as panelas. Eu não tenho como mandar uma bolachinha todos os dias e ela adora a comida do colégio.
Sem repetição por medo de faltar comida
No refeitório, o barulho dos talheres batendo nos pratos mostra que a gurizada não desperdiça comida. Porém, desde a mudança do cardápio, os próprios alunos tem evitado pedir a segunda servida.
– De vez em quando não dá para repetir, porque pode faltar para os outros – justifica um menino de 13 anos, aluno do quarto ano.
Nenhuma orientação foi dada quanto à repetição ou não, mas os estudantes fazem questão de ter este cuidado. Para a cozinheira Renata Silva, 36 anos, mãe de um menino de nove anos, aluno do quarto ano, a merenda faz diferença no aprendizado do filho e no ânimo que ele tem para ir na escola:
– Eu percebo que ele chega em casa cansado, desanimado porque a merenda mudou. No almoço, tem me dito que não repete mais porque quer deixar comida para os outros colegas. Eles são solidários – conta Renata.
A recicladora Stella de Oliveira Dreher, 35 anos, está preocupada com os hábitos da filha de nove anos, do terceiro ano:
– Ela acorda, se veste e vem para a escola. Não sente fome logo cedo porque sabe que depois vai comer na escola. Agora, ela fica distraída na aula, pensando que poderia estar em casa, comendo.
A professora de Educação Física Ana Claudia Fernandes já espera a baixa do rendimento dos estudantes nas aulas e a falta de energia para as atividades:
– A escola é uma referência muito forte que eles tem, inclusive para alimentação. Quando eles não se alimentam bem, impacta na saúde, baixa o índice glicêmico, podem ter tontura.
Leia mais notícias do dia
"Eu não tenho mais de onde tirar"
A secretária de Educação de Cachoeirinha, Elisamara Roxo Ramos, justifica que a mudança no cardápio das 33 escolas, entre Emeis e Emefs, ocorreu devido à crise financeira enfrentada pelo município – que, desde agosto, está pagando o salário do funcionalismo de forma parcelada – e ao baixo valor dos repasses do governo federal para a merenda, que não são reajustados desde 2012.
O Ministério da Educação envia R$ 0,30 por dia para cada aluno fazer uma refeição na escola. O resto é pago com a contrapartida do município. Por ano, o gasto com merenda escolar chega a R$ 2 milhões – metade do valor é pago pela prefeitura e o restante pelo governo federal.
– Nossa grande despesa é a folha de pagamento e não temos dinheiro nem para ela. Já fizemos um aporte de R$ 1 milhão no ano para a merenda, eu não tenho mais de onde tirar. Não posso tirar o professor da sala de aula. A gente tentou não mexer no cardápio no período do inverno, que era muito complicado, seguramos o máximo que a gente pode.
Ela argumenta que a alteração foi feita considerando o valor nutricional do que foi apresentado no cardápio:
– A gente tem que garantir uma escola de qualidade e uma alimentação saudável para criança. A alimentação é um item importante, mas não é tudo na escola. Temos a obrigação de oferecer uma refeição e nós oferecemos duas refeições. Muitos municípios oferecem só uma refeição.
Quanto ao argumento de substituir leite achocolatado com pão por gelatina ou maçã, Elisamara argumenta que o intuito desta refeição é ser um lanche, não um café da manhã:
– Se a escola quiser, podemos conversar sobre a possibilidade de trocar duas refeições por uma mais reforçada. A nossa decisão não é cortar uma refeição.