No painel "O Abraço", que o austríaco Gustav Klimt criou para decorar o refeitório de uma vila em Bruxelas e está abrigado num museu em Viena, percebe-se a expressão de ternura no rosto da mulher que entrelaça o pescoço de um homem aninhado no peito dela, do qual não se vê o rosto. É como se a paz daquele momento pudesse ser estendida até o espectador da obra. Se o abraço também é fruição, os versos de Pablo Neruda tentam materializar o amor e a pertença por meio desse gesto – "Em teu abraço eu abraço o que existe,/ a areia, o tempo, a árvore da chuva./ E tudo vive para que eu viva".
Leia mais
Cafés da Serra buscam ares italianos para conquistar o consumidores
Boca Migotto: Espelho de reflexos inexatos
Nivaldo Pereira: medo do escorpião
Confira outras edições do Almanaque
O enamoramento descrito pelo poeta chileno encontra contornos reais, como na percepção da bento gonçalvense Caroline Cusin, 35 anos, quando deu o primeiro abraço na filha Alice. A menina nasceu um mês antes do previsto, precisou de cuidados especiais na UTI, que adiaram o contato entre a mãe e a filha recém saída da barriga. Foram seis dias para que uma pudesse sentir o calor e o cheirinho da outra pela primeira vez. Momento que veio precedido de choro – da mãe – e de uma emoção da qual sequer arrisca definir.
– Quando a abracei, tive uma sensação de paz, de felicidade. Naquele momento, tive a certeza de que tudo iria ficar bem – conta Carol, que está em casa com a menina.
A sensação de bem-estar provocada pelo contato físico é a premissa do vídeo lançado pela Panvel nesta semana, com a hastag #AbraçoDemorado, que tem mais de 3 milhões de visualizações. A intenção é mostrar que as pessoas abraçam de forma errada – muito rapidamente – e que abraços longos teriam o poder de acalmar quem os experimenta.
Guiomar Bampi Rech, 62, está acostumada com abraços longos em partidas e chegadas: tem duas filhas, Giovana e Priscila, e duas netas, Isabela e Gabrielle, que moram no Exterior e estão sempre indo e voltando.
– Na partida, é uma dor grande que não dá vontade de abrir os braços. Mas, na chegada, dá impressão de que a gente nunca saiu daquele abraço inicial. O coração começa a acalmar, fica mais leve e parece que todo o corpo relaxa, dá uma tranquilidade – relata.
Uma viagem pela história de um clássico da gastronomia caxiense
Via Orgânica: Rota de inspiração e afeto
Essa não é apenas a percepção de uma mãe/avó saudosa. O neurocientista Lucas Fürstenau de Oliveira explica que, de fato, o abraço tem esse poder por causa da liberação de ocitocina.
– Ocitocina é um hormônio/neurotransmissor bem importante. Como hormônio (por definição, hormônio é quando a substância é liberada no sangue para agir em várias partes do corpo), ele é importante classicamente para contração uterina e liberação do leite. Alguns anos atrás, descobriram que ela reduz a liberação de cortisol (o mais importante dos hormônios do estresse) – afirma.
Ele diz que, como neurotransmissor (por definição, neurotransmissor é liberado por neurônios para ter uma ação localizada), ocitocina é importante para a formação de vínculos afetivos. Isso inclui vínculo entre mãe/pai com filho/filha, vínculo entre casais, vínculo entre humano e animais de estimação.
– Pois então, abraços entre pessoas que tenham algum tipo de vínculo levam à liberação de ocitocina como neurotransmissor (reforçando o vínculo) e como hormônio (reduzindo a liberação dos hormônios do estresse) – diz.
Sendo assim, ao liberar ocitocina, a pessoa diminui os efeitos de danos potencialmente bastante sérios ao corpo_ completa.
Seja na arte de Klimt, nos versos de Neruda ou na propaganda da Panvel, o convite é irresistível: abraçar, sempre, para sossegar o coração e a mente.
Juntos há 6 mil anos
O abraço mais demorado que se tem conhecimento é dos "amantes de Valdaro", dois esqueletos do Neolítico, descobertos numa necrópole perto de Mântua. Crê-se que pertenceram a uma mulher e um homem, entre os 18 e os 20 anos. Representam algo de único no mundo, quer pela antiguidade (6 mil anos), quer pela posição em que foram encontrados: os corpos vizinhos e cruzados, o braço dele em torno do pescoço dela, numa espécie de abandono que talvez tenha sido o de um amor.