Ao segurar a mão de um amigo doente em um hospital no interior do Rio Grande do Sul, o médico Jesus Sotolongo Gomez sentiu o peso do vínculo estabelecido em uma terra distante da sua e a força de uma amizade recente, nascida de uma relação a princípio profissional. O homem a seu lado, em estágio terminal de câncer, deixara de ser seu paciente semanas antes para receber tratamento intensivo de especialistas. Mesmo assim, a amizade continuou, e aquela noite de inverno, dentro do pequeno quarto hospitalar, ficou marcada na memória do médico cubano recém-chegado a Passo do Sobrado, município de seis mil habitantes.
Era um fim de semana, e Jesus se dispôs a fazer companhia para o amigo, autorizado por familiares. José* estava sendo submetido a altas doses de morfina há dias. Sentia dores insuportáveis, recorda o cubano. Não havia mais nada a ser feito a não ser aguardar. Jesus sabia que a despedida estava próxima, que era uma questão de dias ou de apenas algumas horas. Apesar de não trocarem uma palavra um com o outro, a presença de ambos naquele ambiente bastava. Era suficiente para Jesus, pois sentia que estava exatamente no local onde deveria estar. De repente, na madrugada, o elo que os unia se esvaiu lentamente. A mão de José escorregou entre os dedos de Jesus e caiu ao lado da cama.
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O episódio foi em meados de junho de 2014, e o médico estrangeiro, acostumado a lidar com vidas, acabara de presenciar a chegada sorrateira da morte de um amigo pela primeira vez, aos 49 anos de idade e depois de 19 anos de profissão.
– Já vi muitas pessoas morrendo, mas nunca foi assim. Senti ele indo embora. Morreu segurando a minha mão, mano – desabafa Jesus, enxugando as lágrimas com o lenço guardado no bolso do jaleco para emergências como essa.
Aos poucos, o emotivo Jesus se recompôs e continuou a evocar memórias daquele período. Conta que José foi um dos primeiros a recebê-lo de braços abertos em Passo do Sobrado, em março de 2014, quando chegou ao município para trabalhar no programa Mais Médicos. A transição do status de paciente para amigo se deu após diversas consultas. Ciente do diagnóstico, o médico encaminhou José para um especialista – como clínico geral, não poderia tratá-lo. Dono de uma propriedade rural, José cedeu parte de suas terras para que Jesus trabalhasse na roça, atividade que pratica com prazer nas horas vagas e que lembra sua adolescência em Havana.
Jesus começou a plantar fumo, uma das bases da economia local, e também se arriscou a semear milho. Passou a criar ovelhas e porcos, aumentando a demanda no campo, sem atrapalhar seu exercício profissional, que é o que mais lhe satisfaz, garante. Desfruta da lida nos finais de semana.
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Antes de entrar para o programa do governo federal, Jesus passou três anos na Venezuela, entre 2011 e 2013, num sistema semelhante ao Mais Médicos, serviço ao qual se refere como "missão". O tempo lá foi suficiente para ter um filho, além dos outros dois que tem em Cuba. No início de 2014, após a primeira experiência no Exterior, decidiu se inscrever no programa brasileiro. Tinha vontade de conhecer o Brasil e possuía o pré-requisito de já ter exercido a função em outro país. Foi selecionado e direcionado a Passo do Sobrado, onde está há cerca de dois anos e meio e de onde não pretende sair tão cedo. Tem seu consultório, com todos os equipamentos dos quais precisa, um apartamento alugado pelo município e os custos de alimentação garantidos. Seu contrato é válido até março de 2017, mas a prefeitura já está trabalhando para mantê-lo por mais tempo no programa.
O esforço para manter Jesus em Passo do Sobrado é decorrente da relação que o médico criou com a comunidade. Desde que foi designado para trabalhar em uma das duas unidades de Estratégia de Saúde da Família (ESF), a procura pelo serviço municipal aumentou. O boca a boca dizia que havia um cubano do Mais Médicos atendendo na cidade – e que ele era melhor do que muitos médicos que já haviam passado por ali. Resultado: a agenda de Jesus está quase sempre lotada.
– As pessoas parecem que veem o filho de Deus, mano – brinca Jesus, fazendo referência ao seu próprio nome e usando, mais uma vez, o carinhoso tratamento que já virou até apelido na cidade. É Mano para cá, Mano para lá.
Jesus é dono de uma simpatia ímpar. Sua conduta profissional também é elogiada por pacientes e colegas de trabalho. É atencioso e cuidadoso com as pessoas que por ele passam. Não tem pressa para atender, toca com sensibilidade nas pessoas, brinca e ainda fala sério quando necessário. Cria uma intimidade e aproxima as relações, mesmo que sejam eventuais, como na maioria dos casos.
As visitas em domicílio são uma marca registrada de Jesus. Ele atende em casa aqueles pacientes que não conseguem se deslocar até o posto onde trabalha. Em média, diz que recebe de 20 a 30 pacientes por dia em sua sala. Quando as consultas terminam, fica disponível para a agenda externa, que tem uma peculiaridade: se as moradias são próximas, ainda na área urbana, o cubano monta em sua bicicleta barulhenta – daquelas que precisam de uma dose generosa de graxa para garantir a sobrevida temporária – e vai pedalando até o destino.
Em uma segunda-feira de pouco movimento no posto de saúde, Jesus foi avaliar o estado de saúde de uma senhora que sofreu um AVC e ficou com parte do lado direito do corpo paralisado. O médico subiu na bicicleta de jaleco e estetoscópio, com o prontuário e o histórico da paciente dentro da cestinha em frente ao guidão. Em cinco quadras de percurso, abanou e sorriu para os moradores passavam por ele.
– Se não fosse médico, poderia me candidatar a vereador – diverte-se.
Já na residência da paciente, de 76 anos, Jesus bateu na janela de vidro da porta e anunciou sua chegada:
– É o Mano, senhora. Vim ver como está se sentindo.
A espera de alguns minutos angustiava o médico, que rapidamente desconfiou da ausência da cuidadora de Dona Lúcia*, atendimento que ela passou a necessitar depois do AVC (Acidente Vascular Cerebral). De bengala, a idosa foi até a porta e não conseguiu abrir. Estava trancada em casa, sozinha e sem a chave. Inquieto, Jesus deu a volta na casa, tentou entrar pelos fundos, sem sucesso.
– Onde está sua cuidadora, senhora? – perguntou Jesus. Logo foi informado por Lúcia que a enfermeira havia saído rapidamente para ir ao mercado.
Preferiu não esperar e decidiu entrar pela janela mesmo. Lá dentro, pediu para Dona Lúcia sentar em uma cadeira, fez uma série de perguntas e começou a examiná-la. Mediu a pressão, olhou os braços, os dedos e tascou um puxão de orelha:
– A senhora tem que mexer os dedos, assim, abrindo e fechando a mão – demonstrou.
Depois da dica de fisioterapia, Jesus se despediu e voltou ao posto de saúde. No caminho, a mesma alegria ao cumprimentar os moradores. A sensação é que, de fato, seria eleito caso se candidatasse a algum cargo político.
Ao chegar ao consultório, encaminhou uma nova visita. Desta vez, a propriedade era mais distante do centro urbano e ele preferiu ir com o motorista da Secretaria de Saúde.
A paciente era uma senhora de 77 anos que estava de cama, se recuperando de uma cirurgia na perna esquerda. O trajeto de 10 quilômetros até o local foi metade asfalto, metade estrada de chão. O motorista nem precisou buzinar, pois os cachorros anunciaram a chegada do carro, e a filha da paciente apareceu na frente da casa humilde, em que a única divisória entre a porta e o pátio era uma cortina.
– Esse é o nosso querido médico cubano! – saudou, satisfeita, Nauré dos Santos, filha da paciente Odila Rodrigues, partindo logo para um abraço apertado no doutor.
Jesus entrou sem pedir licença, como se de casa fosse, perguntou por Dona Odila e foi até um dos cômodos da pequena casa sem reboco nas paredes. Observou a mulher deitada na cama com os curativos à mostra e a examinou. Quando levantou levemente a perna esquerda da paciente, percebeu uma poça de sangue no lençol.
– Vocês têm feito os curativos corretamente? – quis saber.
– Claro, doutor. Tudo certinho. A gente faz em casa mesmo – respondeu Nauré.
– Mas vocês têm tudo de que precisam em casa?
– Temos tudo, doutor. Está aqui do lado – respondeu, apontando para os curativos.
– Muito bem. Vamos fazer um novo agora para a senhora, certo?
Quando tentou erguer a perna de Dona Odila novamente, foi surpreendido por um gemido de dor.
– Dói, senhora?
– Um pouco, doutor. Só quando levanto a perna. Está melhorando...
– Bom, se está melhorando, vai continuar melhorando – confortou Jesus.
Antes de sair, Jesus foi para a cozinha e passou a receitar alguns medicamentos para amenizar a dor de Dona Odila. Nauré ofereceu uma cuca caseira que já estava servida na mesa. Bem nutrido, Jesus não é do tipo que precisa reforçar a dieta, ainda mais no meio da tarde, mas após alguma resistência, se entregou ao cheiro e ao sabor da fatia de cuca. Na visita anterior, tinha devorado uma cueca virada, lembrou a dona da casa.
Jesus acredita que é preciso humanizar as consultas, encurtar a distância entre médicos e pacientes, embora o idioma dificulte um pouco a comunicação. Ele mesmo levou alguns meses para se fazer entender perfeitamente e ser entendido. Até hoje a barreira linguística que ainda tem de ser rompida em ocasiões específicas.
Primeiro o racismo, depois a enchente em Porto Vera Cruz
Laços de amizade são comuns para os cubanos que chegaram ao Rio Grande do Sul a partir do final de 2013, quando o programa começou a ter os primeiros médicos enviados ao Estado. Boa parte deles criou raízes por aqui. Quebrar o gelo e fazer com que os doutores se sentissem em casa era tarefa das prefeituras.
Em Porto Vera Cruz, na fronteira com a Argentina, a cubana Doran Perez Mesa, 36 anos, é outro exemplo de um vínculo formado naturalmente com a comunidade. Nascida em Santiago de Cuba, especialista em terapia intensiva e em saúde da família, pensou que estava indo para o "fim do mundo", como algumas pessoas lhe alertaram várias vezes.
– Na verdade, conheci o início do mundo. Essa cidade é muito bela – elogia Doran, que também já teve outras experiências semelhantes na Bolívia e na Venezuela.
A médica chegou em dezembro de 2013 – em uma sexta-feira 13. A data, por si, já não era muito promissora, lembra, e um acidente de trânsito quase a fez voltar para Cuba em seguida. Após a recepção no aeroporto com representantes da prefeitura e de municípios da região, a van que os levava para a cidade colidiu em um reboque de outro veículo.
– A van estava cheia de roupas para doação. Lembro que tudo aquilo veio para cima da gente e por sorte não nos machucamos. Só um colega teve um corte no nariz, mas nada grave. Se a minha chegada já estava tão azarada, pensei, imagina como seria dali por diante.
Susto superado, preparou-se para enfrentar as dificuldades normais de um médico em um município pequeno, com 1,7 mil habitantes. Deparou, porém, com situações que impactaram diretamente seu lado emocional. Primeiro, foi vítima de racismo. Logo percebeu que muitos brasileiros negros estão acostumados a enfrentar situações de preconceito no dia a dia. Para ela, nascida em um país onde a maioria da população é negra, o racismo bateu mais forte. Sem detalhes, disse que as ofensas, diretas e indiretas, vieram de poucos pacientes.
– No início, algumas pessoas me rejeitaram pela minha cor. Não aceitavam ser atendidas por uma médica negra. Aos poucos, esses mesmos pacientes perceberam que a cor da pele não influencia no atendimento médico, no tratamento. Qual a diferença entre brancos e negros? – indaga a médica, que rompeu o preconceito e conseguiu conquistar a confiança da comunidade.
Quando tudo parecia estar mais calmo, uma enchente devastadora, a maior em três décadas, atingiu a região da Fronteira, em junho de 2014. Porto Vera Cruz, banhada pelo Rio Uruguai, foi uma das cidades mais atingidas. Centenas de famílias tiveram que sair de casa, inclusive a médica cubana.
Desavisada sobre as constantes cheias do inverno gaúcho, Doran conta que ficou apavorada, pois nunca tinha passado por nada parecido. Ver o município praticamente submerso abateu seu ânimo.
– A enchente foi enorme. As pessoas passavam de caiaque por cima das casas. Foram dias muito tristes para mim. Sofri muito mesmo – relata.
Em um primeiro momento, conseguiu salvar seus pertences e objetos pessoais e se mudou para a residência da secretária de Saúde do município, Gláucia Carmona. Depois que a enchente baixou, não quis voltar para a casa em que morava antes. Disse que não conseguiria enfrentar uma nova cheia, que ficara muito impactada pelo ocorrido. Foi atendida. A prefeitura alugou outro imóvel para Doran, desta vez em uma região mais alta da cidade, protegida dos riscos de uma nova cheia.
Assim como Jesus em Passo do Sobrado, Doran tornou-se uma referência médica em Porto Vera Cruz. Pouco se ausenta do posto de saúde. Carrega a responsabilidade de orientar a população seja qual for a enfermidade enfrentada. Mais de dois anos e meio depois, comemora o resultado do trabalho no Brasil. Uma das experiências mais marcantes, segundo ela, foi o atendimento a uma vítima de infarto. O paciente procurou o posto de saúde fora do horário de Doran, que saiu de casa às pressas e constatou que o homem estava infartando há pelo menos seis horas. Solicitou a transferência pelo Samu ao município de Santo Cristo, onde o paciente foi hospitalizado e se recuperou.
– Hoje esse mesmo homem diz que deve sua vida a mim. Nosso trabalho é gratificante.
Doran não quer voltar para Cuba, apesar de sentir falta da família. Não tem filhos e usa a tecnologia para amenizar a saudade de ver seus irmãos, mãe e pai de perto.
A médica cubana tem vários motivos para querer ficar no Brasil. Um deles é que, desde o início do ano, está namorando com um alemão de Santo Cristo, onde costuma passar os finais de semana.
– Nos vemos somente nos sábados e domingos mesmo. Durante a semana, fico aqui porque a comunidade precisa de mim.
A atenção de Doran com a comunidade local é reconhecida até por moradores de pontos mais distantes da unidade de saúde.
– Já precisei me consultar com ela algumas vezes. É ótima médica. Te atende com paciência, sem pressa. Não é como os outros doutores que a gente já teve e tem aqui – compara Luiz Pedro da Silva, 49 anos, dono de uma casa no topo da montanha de Porto Vera Cruz, de onde é possível contemplar as curvas do Rio Uruguai em um paredão de pedras e observar, a distância, a cidade argentina de Panambi.
Frio e poucos pacientes em André da Rocha
A quase 500 quilômetros dali, no menor município do Rio Grande do Sul em índices populacionais, outro cubano tenta se adaptar à realidade de André da Rocha desde abril de 2014. Já são mais de dois anos de esforço e uma sensação de impotência.
– Nunca estive numa terra tão fria. Às vezes bate até uma depressão – lamenta Alcides Ramirez Garcia, acostumado com o calor da província de Guantánamo, onde nasceu.
Alcides garante que nunca passou tanto frio em seus 35 anos de vida e que sofre muito com o rigoroso inverno gaúcho. A geada ao amanhecer, o frio seco, às vezes úmido, fazem seu corpo tremer. E somente temperaturas negativas ou próximas de zero são capazes de fazer tremer seu corpo grande e pesado.
O clima não é o único problema que o clínico geral enfrenta em André da Rocha. Há outra preocupação, esta mais frequente. A falta de movimento no posto onde trabalha o incomoda. São apenas 1,2 mil habitantes no município de uma única avenida principal. A unidade de saúde é nova, construída há pouco tempo, e possui uma estrutura impecável. Mas faltam pacientes, o que também pode ser visto como resultado positivo do trabalho.
– Temos profissionais muito bons aqui. Quem procura sempre é bem atendido. O que a gente mais atende são doenças respiratórias agora no inverno. Alguns sintomas de depressão, casos de lesões na coluna, essas coisas – relata Alcides.
A aposentada Zenita Sorgato, 72 anos, diz que comemorou muito a chegada do cubano em 2014. Ela confirma que o atendimento melhorou e hoje a população não precisa procurar municípios maiores para receber um serviço adequado.
– O nosso posto de saúde é de primeira qualidade. Excelente. Eles não deixam ninguém na mão. A comunidade vai ali e sabe que vai ser bem atendida – avalia Zenita. – E o doutor Alcides é muito atencioso, muito camarada com todo mundo, sempre disponível. – acrescenta.
Alcides conta que, desde a sua chegada ao município, sempre foi bem tratado pela população e que não sentiu pressão de outros médicos. Sabe que os cubanos foram alvo de polêmica no início do programa, principalmente por parte das entidades que representam a classe médica, críticas fervorosas da iniciativa, mas ressalta que nunca passou por situação de preconceito.
– Acho que a grande resposta para isso é que não vim ao Brasil para ocupar o lugar de ninguém. Vim apenas para trabalhar. Vim por um chamado, para uma missão.
Assim como muitos cubanos do Mais Médicos, Garcia também já trabalhou na Venezuela e agora busca fechar o ciclo de sua experiência no Brasil para regressar a Cuba com a certeza de missão cumprida, ao lado da mulher e do filho de quatro anos.
Uma camponesa gaúcha em Alfredo Brenner
Atualmente, os cubanos são maioria no programa do governo. Eles representam mais de 60% dos 16,1 mil profissionais em exercício no Brasil, segundo dados do Ministério da Saúde. São 18.240 vagas, porém nem todas estão ocupadas. Boa parte também é composta por médicos brasileiros. No início, o percentual era baixo. Hoje, os doutores nacionais preenchem, aproximadamente, 28% do total das vagas ocupadas.
No Rio Grande do Sul, são 1.294 vagas do Mais Médicos em 383 municípios. Destas, 1.108 estão preenchidas em 347 cidades. As demais estão sofrendo um processo de reposição, iniciado em julho deste ano pelo Ministério da Saúde. No Estado, estão em atividade cerca de 250 médicos brasileiros com CRM do Brasil, 209 intercambistas individuais (estrangeiros de outros países) e 650 profissionais cubanos.
A tendência é de que o índice de brasileiros no Mais Médicos aumente ao longo dos anos, já que nos últimos editais e chamamentos o governo está priorizando a entrada de profissionais nascidos em território nacional. Além disso, estudantes que participam do Mais Médicos recebem incentivos na residência médica.
Daniela Censi dos Santos, natural de Palmeira das Missões, é um exemplo de médica brasileira que não se arrepende de ter apostado no Mais Médicos como porta de entrada na profissão que escolheu. Para ela, o programa foi uma oportunidade de voltar ao Brasil e ficar perto da família.
Filha de agricultores humildes, Daniela via sua mãe atuar no Movimento de Mulheres Camponesas (MMC), grupo ligado à Via Campesina, um dos maiores símbolos de luta feminina de esquerda no país, ao lado do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Aos poucos, Daniela foi integrada à militância. Recorda que, em 2008, participou de um ato do MMC e da Via Campesina contra o plantio de eucaliptos da Aracruz Celulose no Estado. A ocupação da Fazenda Bota, em Encruzilhada do Sul, marcou aquele processo.
Dentro do movimento, começou a aprender enfermagem em um curso técnico para ajudar companheiras do MMC. Aos 19 anos, foi aconselhada por familiares e amigos a estudar medicina em Cuba. Diziam que era a melhor escola da América Latina na área, lógica relacionada à ideologia política do movimento. Como também pensava assim e não tinha condições financeiras para pagar uma universidade particular, Daniela acatou os conselhos e concorreu a uma bolsa de estudos do governo brasileiro em parceria com o cubano. Foi para lá em 2007. Um ano depois, ingressou no curso de medicina em Havana. Formou-se em 2014, com a mentalidade de que prevenir é a melhor estratégia para garantir a qualidade da saúde básica.
– A escola médica de Cuba trabalha muito com prevenção de doenças. Atua na atenção básica de saúde, que é para todos os cubanos. Aprendi muito sobre relações humanas e trouxe tudo isso na bagagem quando vi a oportunidade do Mais Médicos – relata.
Aos 30 anos, a jovem médica atua hoje no posto de saúde de Alfredo Brenner, distrito de Ibirubá, onde reside. Todos os dias, desde junho de 2015, quando entrou para o programa, Daniela percorre pelo menos 40 quilômetros de estrada de chão batido para atender a comunidade. E não se arrepende. Pelo contrário. Já revalidou seu diploma no Brasil e mesmo assim decidiu continuar no Mais Médicos com o registro provisório que obteve no Ministério da Saúde. Encara o programa como uma missão, assim como os cubanos, e pretende cumprir seu contrato de três anos.
– O Mais Médicos surgiu para suprir a demanda do SUS, melhorar esse sistema que já estava se deteriorando há tempos, digamos assim. O médico pode ir até o paciente, estar nas comunidades, e não somente o contrário. E precisamos prevenir ao máximo antes de encaminhar a um especialista, antes de superlotar os hospitais – defende.
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Mais Médicos em números
> 16,1 mil médicos participam do programa
> 18,2 mil vagas disponíveis (reposições em andamento)
> Cubanos representam cerca de 60% dos médicos do programa
> Brasileiros preenchem 28% das vagas ocupadas (o restante são estrangeiros de outros países)
> Lei publicada no último dia 13 no Diário Oficial prorrogou o programa até 2019
*Alguns nomes foram trocados para preservar a identidade dos pacientes.