Retirado do poder central pelo impeachment, desgastado por escândalos de corrupção e ameaçado de sofrer encolhimento nas eleições municipais, o PT inaugura período de reorganização do seu futuro na política nacional. A formação de uma frente de esquerda e o início de campanha nacional pela antecipação de eleições diretas à Presidência serão as tarefas prioritárias.
Em seu momento de maior dificuldade, o PT resgata a ideia da Frente Ampla, aos moldes da uruguaia, como meio de reagrupar a esquerda nacional, unificar o discurso contra as propostas do governo de Michel Temer e adquirir maior vigor político, sem fragmentações. As experiências da Frente Brasil Popular – reunião de partidos e movimentos sociais e sindicais contra o impeachment – também serão modelos de ponto de partida.
– É inevitável a reunificação das esquerdas no Brasil. A Frente Ampla é uma das tentativas. Seria oposição de resistência – diz Sibá Machado (AC), ex-líder da bancada do PT na Câmara.
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O agrupamento teria espaço para agentes políticos independentes, artistas e intelectuais. Alguns petistas já falam em mecanismos para compartilhar a direção e evitar que o PT hegemonize o poder, legando aos demais integrantes posição secundária. Uma das hipóteses é definir que cada instituição da frente se limite a ter, no máximo, 49% de postos na direção. Isso evitaria que o PT, sozinho, pudesse ditar o comando das ações.
– É fundamental manter a ampla unidade que construímos na resistência ao golpe, com PT, PC do B, PDT e setores da Rede e do PSOL – avalia o ex-ministro Miguel Rossetto (PT-RS).
Para ele, é tarefa das esquerdas se unificarem para combater pautas do governo Temer como as reformas da Previdência e trabalhista. Na oposição e reunidas, voltariam a ter discurso e maior força eleitoral. As articulações começaram: Luiz Inácio Lula da Silva procurou, entre outros, o presidente nacional do PDT, Carlos Lupi.
– A proposta é de que façamos parte de frente que tem minoria no Congresso para combater o governo neoliberal do Temer. Vejo com simpatia. É hora de se unir para enfrentar a direita – diz Lupi.
Nos bastidores, os pedetistas miram a indicação de um nome do partido em 2018 como representante do coletivo.
– Ciro Gomes candidato da frente? Por que não? Nós teremos ele como candidato à Presidência. Lula disse que não podemos ter pré-condição, que tudo tem de amadurecer no processo – relata Lupi.
A heterogeneidade da esquerda produzirá embaraços e incoerências. No Senado, todos os três parlamentares do PDT votaram a favor do impeachment. As conversas com PSOL e Rede não seriam fáceis. Há diferenças nos posicionamentos políticos e um histórico de mágoas com o PT, também criticado pela relação umbilical que passou a ter com megaempresários e empreiteiros, o que ficou escancarado com o escândalo de corrupção na Petrobras. Para encurtar caminhos, o PT busca mediadores que possam ajudar nas negociações. Líder do MTST e próximo do PSOL, Guilherme Boulos é apontado como importante interlocutor na reunião das esquerdas.
Na sexta-feira, a direção executiva nacional do PT se reuniu em São Paulo para discutir o momento e o futuro do partido. Com a presença de Lula, ficou definido que a campanha por eleições diretas à Presidência será prioridade. A ideia é reforçar o discurso de que Temer "não tem legitimidade" e ter uma bandeira política para apresentar à sociedade.
Partido busca pacificação interna
Embora apregoe unidade das esquerdas com a hipótese da Frente Ampla, o PT ainda precisa se pacificar internamente. O impeachment, o fim do projeto de poder e a corrupção criaram ambiente de atrito para dentro do partido. A corrente Construindo um Novo Brasil (CNB), de Lula, detém o comando do partido e está sob intensa crítica, apontada como responsável pela derrocada. O Muda PT, que reúne diversas tendências do partido, ganhou força e quer encurtar o mandato de Rui Falcão, presidente nacional da sigla, e eleger nova direção.
Isso seria discutido em dezembro, no chamado Encontro Extraordinário, que teria como pauta principal a possibilidade de convocar eleições partidárias para escolher um sucessor de Falcão. O problema é que a CNB, dominante, desmarcou o encontro. De dezembro, ele foi jogado para março de 2017.
– Qualquer avaliação nesse momento seria muito mais emocional do que racional.O melhor é deixar o encontro para o ano que vem. Temos eleição em outubro, e isso também vai influenciar – defende Sibá Machado, integrante da CNB.
A corrente avalia que fazer o encontro em dezembro poderia significar derrota na disputa pela hegemonia interna. O Muda PT teria cerca de 46% dos votos do diretório. A CNB ainda teme perder o apoio de antigos aliados como a Central Única dos Trabalhadores (CUT), que se aproximou do Muda PT ao defender mudanças na política econômica do governo Dilma.
A deputada federal Maria do Rosário (PT-RS) entende que, além da possibilidade de antecipar eleições à presidência da sigla, é fundamental fazer um balanço sobre a conjuntura política e os erros cometidos que criaram a atual situação de dramaticidade política.
Os militantes do Muda PT pretendem virar o jogo na próxima reunião da executiva nacional, em 15 e 16 de setembro. A ideia é constranger a direção da sigla e forçar a retomada do encontro em dezembro de 2016.
Entrevista
Tarso Genro, ex-governador do Rio Grande do Sul
"Governo foi um pouco autista"
Tarso Genro, ex-governador do Rio Grande do Sul, avalia o comportamento político do PT durante o governo de Dilma Rousseff e critica a corrente Construindo um Novo Brasil (CNB), que teria, segundo ele, chegado ao limite. Confira os principais trechos da entrevista a Zero Hora.
Quais são as reflexões que o PT precisa fazer no pós-impeachment?
A primeira reflexão é sobre o comportamento político do partido durante o governo Dilma e a sua falta de iniciativa para reestruturar uma frente política nova que desse viabilidade ao governo. Essa frente com o PMDB já estava esgotada desde a metade do governo anterior. A segunda reflexão é sobre os erros que o PT cometeu no processo de tradicionalização do partido, adotando meios de financiamento de campanha usados tradicionalmente pelos partidos oligárquicos do país. E a terceira reflexão é analisar as questões programáticas que nós enfrentamos e começar a conceber quais as ações e políticas macroeconômicas que nos permitiriam sair dessa crise que existe hoje no sistema capitalista internacional. Como sair dessa crise não pelas vias ortodoxas e neoliberais, mas compatibilizando crescimento e distribuição de renda.
A CNB precisa abrir mão da hegemonia para que o PT se reencontre?
Teríamos de ter uma executiva de concertação política onde a CNB perdesse a hegemonia, que ficaria deslocada para um centro político mais credenciado e legitimo. Um congresso chamado com essa atual hegemonia do partido vai reproduzir os mesmos métodos da direção que foram consagrados ate agora. E isso não vai levar o PT à mudança que ele necessita. Eu não participarei de um congresso que seja chamado através dos mesmos métodos dos outros congressos chamados ate agora.
Então o senhor não vai ao Encontro Extraordinário de março?
Não pretendo ir. E não por desprezo a direção nem por rebelião juvenil, mas porque eu acho que será uma perda de tempo. O partido vai reproduzir os mesmos erros e concepções que afirmou no congresso anterior, que foi um fracasso completo.
Ou seja, a CNB chama um congresso para março para exercer a maioria que ainda tem, se valendo disso para deixar tudo como está?
Os delegados chegarão lá e não farão uma mudança estrutural na conduta do partido e na sua visão de desenvolvimento.
Como resolver o futuro da esquerda do país diante do impasse e da crise dentro do PT?
A questão do PT só poderá ser resolvida em amplo diálogo de esquerda, com partidos e frações de partidos que queiram debater o futuro a partir de uma ótica afastada do modelo neoliberal. A crise não é só do PT, mas de todos os partidos da esquerda do mundo. Bate aqui de forma particular em função do sucesso que tivemos nos dois primeiros governos do presidente lula e em parte do primeiro governo da presidenta Dilma. Não é uma crise de fácil resolução. É um processo complexo. O projeto que nos levou ao sucesso nos trouxe a essa derrota que sofremos agora está esgotado. Existe uma problemática que a esquerda tem de resolver no país. Como sair de uma crise como essa com força social, por dentro da democracia, e sem aceitar os remédios tradicionais, que sacrificam a maioria da população, e que em parte já estavam sendo implementados no segundo governo da presidenta Dilma? A grande resposta que a esquerda precisa dar é essa: como sair dessa crise brutal sem ser pelos meios neoliberais? A grande mudança que se operou na Grécia foi com o Syriza, que teve de ceder em 50% das suas demandas perante o domínio do banco central europeu. Eu pergunto: a luta do Syriza foi em vão? Acho que não. Foi uma grande experiência. O governo de esquerda sobreviveu, embora tenha sobrevivido com limites.
O que foi mais determinante para a queda do governo Dilma: economia ou inabilidade política?
Na minha opinião, foi a incapacidade do partido e do governo de apresentar um programa de recuperação econômica do país perante a crise mundial. E a incapacidade de criar uma base social de sustentação tanto na sociedade quanto no parlamento que permitisse a transição para um novo modelo de desenvolvimento. Por que eu falo de novo modelo? Porque o anterior se esgotou. Ele foi positivo nos primeiros dez anos de governos do PT, ele distribuiu renda, fez a sociedade avançar na democracia, reduziu desigualdades sociais. Mas se esgotou porque ele era baseado num processo que estava fora do nosso controle, que são os preços das commodities, que foram bem aproveitadas nos dois primeiros governos do presidente lula. Quando nós precisamos distribuir renda a partir da criação de riqueza internas, emprego, desenvolvimento, taxação das grandes fortunas, nós não soubemos apresentar esse projeto e o modelo se esgotou. Quando eu digo que esgotou, não é que ele não teve validade. Mas as coisas se superam e não tivemos capacidade para fazer a transição. Isso determinou um isolamento do governo da presidenta Dilma. Não foi um governo que escutou a sociedade, o partido, as forças políticas, os empresários. Foi um governo um pouco autista para tentar resolver essas questões de grande profundidade.
Criar um novo partido ou ficar no PT e trabalhar a Frente Ampla?
Fazer novo partido nesse sistema que está aí é mera retórica. Uma das tarefas fundamentais do PT é trabalhar para uma nova frente política, outro tipo de coalizão. A partir daí, pensar numa reforma política e nas novas formas de organização. Tudo começa por compor uma nova frente e abandonar essa experiência pueril que nos levou a essa dependência absoluta do PMDB. Uma nova esquerda precisa de uma nova frente, onde o PT não seja naturalmente a cabeça. A cabeça tem que ser quem tiver mais capacidade de exercer influência agregadora e programática.
Para o PT se reorganizar e cumprir as tarefas que precisa pra sair da crise da esquerda, a CNB precisa deixar a hegemonia partidária?
Não tenho nenhuma dúvida a respeito disso. Parte do sucesso e dos grandes avanços que tivemos são méritos de setores dessa tendência partidária, mas a CNB deveria ter a humildade de compreender que chegou ao seu limite. Precisamos renovar estrategicamente o partido e nossa concepção de partido.