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O trânsito como vemos hoje, segundo especialistas, é reflexo da junção entre a falta de opções públicas e coletivas de locomoção com a facilidade oferecida nos últimos anos para a compra de veículos. Com essa combinação, o número de carros nas vias aumentou, ao passo que a estrutura não está preparada para atender a essa demanda, tornando a mobilidade um dos principais desafios das cidades. Em Caxias do Sul, o SIM Caxias foi a estratégia adotada.
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Para se ter uma ideia, em 2007, segundo o Departamento Estadual de Trânsito (Detran-RS), Caxias tinha 189.654 automóveis circulando, 105.658 a menos do que em 2016, um crescimento de 55,71%. Comparando, é como se em nove anos, a cidade tivesse ganho um frota semelhante a todo o município de São Leopoldo.Diante deste quadro, em linhas gerais, os analistas afirmam que a tendência é a priorização do transporte coletivo, a remoção dos estacionamentos para dar vazão ao fluxo e o incentivo a outros modais, como a bicicleta e as caminhadas, por exemplo – medidas antipáticas para muitos caxienses e que esbarram em um problema nacional: a falta de segurança.
– Em todo lugar, a expansão do transporte coletivo se faz às custas do espaço que era destinado aos carros. Gera conflito de quem não quer abrir mão do veículo próprio. É a oposição entre interesses individuais e coletivos. Mas, certamente, este não é um projeto pensado para hoje, mas para os próximos 15, 20 anos. Hoje, parece que o corredor livre é espaço que sobrou, parece pirraça, mas daqui a alguns anos, com o crescimento da população, vai se justificar – acredita Eduardo Biavati, sociólogo e consultor em educação e segurança no trânsito.
Para Carlos José Kümmel Félix, doutor em mobilidade urbana e especialista em sistemas de transportes, a mobilidade aborda também questões relativas ao uso do solo, à expansão das cidades e aos modelos propostos para atender os deslocamentos das pessoas e bens. Com isso, ele acredita ser possível um novo modo de organizar a cidades.
– Melhorar a mobilidade passa por reduzir a necessidade de locomoção e conter a expansão, criando bairros unicamente residenciais ou industriais na periferia de cidades com o perfil de Caxias. As cidades precisarão ser repensadas na sua organização espacial, priorizar o transporte coletivo, incentivar o transporte não motorizado, ter centros de bairro com uso misto. É importante despertar a consciência sobre o uso racional e solidário do automóvel, reduzir a poluição, preservar a saúde da população e reduzir os gastos públicos, tornar as cidades mais caminháveis, mais atrativas, torná-las cidades para as pessoas – conclui Felix.
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Abaixo, os dois especialistas opinam sobre questões que envolvem o transporte público em Caxias do Sul:
Sistema BRT
:: Carlos Felix - O BRT é um sistema de transporte coletivo de alto desempenho e de qualidade. Opera na superfície viária, já existente, normalmente em faixas exclusivas. Com alta frequência (baixo tempo de espera) e rapidez no deslocamento dos usuários, é um sistema com melhor identificação com a comunidade, integrando elementos físicos já existentes (sistema viário) com melhor desempenho operacional (frequência, capacidade, controle, entre outros). Ao utilizar veículos com maior capacidade que os ônibus tradicionais, é possível ter menores frequências para atender a demanda, resultando em menor número de veículos circulando, menor densidade viária (veículos/km), o que melhoraria significativamente o ambiente urbano, tanto em termos visuais, causados pelas longas filas de ônibus, típicas de corredores saturados, bem como diminuindo a carga ambiental derivada da operação do sistema de ônibus convencional. Analisando as diversas possibilidades de transporte público, o BRT apresenta as melhores alternativas de implantação rápida e econômica.
:: Eduardo Biavati - O BRT tem sido o pivô de todos os planejamentos de cidades de grande e médio porte do Brasil há cerca de cinco anos, porque oferece demanda de transporte público mais rápido e com mais conforto. A solução está alinhada com o panorama nacional e com os outros países. O investimento nesse sistema, no caso de Caxias, provavelmente foi precedido por um estudo que define demanda, trajetos e que projeta as necessidades da população até cerca de 20 anos para a frente. Até por exigência federal de mobilidade urbana, os gestores precisam colocar no topo das prioridades a fluidez do transporte público. Então, projetos como o BRT são caros, mas atendem muita gente e são mais baratos que outros meios.
Sustentabilidade
:: Carlos Felix - Outro desafio nas grandes cidades que pode ser minimizado com esse planejamento urbano mais eficiente são os níveis de poluição do ar e seus efeitos na saúde pública. É preciso mudar essa visão centrada demais no automóvel, aplicando incentivos para ampliação de modelos de transporte que utilizem energia limpa e renovável, como trens e metrô, assim como a melhoria das condições de infraestrutura para os transportes não motorizados e de calçadas para os pedestres.
Congestionamentos
:: Carlos Felix - Congestionamentos e poluição são problemas cada vez mais frequentes nas grandes cidades. Uma estimativa realizada pela ONU mostra que, até 2050, mais de 70% da população mundial estará vivendo em cidades. Além do problema de locomoção, essa crescente migração de pessoas para as áreas urbanas já exerce uma grande pressão sobre infraestrutura, serviços públicos, recursos naturais, clima e muitos outros aspectos fundamentais para a qualidade de vida de seus habitantes
:: Eduardo Biavati - A prefeitura deveria estar investindo em ciclovias e calçadas para que as pessoas não utilizassem o carro. Não se discutia isso há 20 anos, não se falava sobre congestionamento, barulho, sujeira, acidentes... Quanto mais congestionamento, maior é o número de atropelamento de idosos, por exemplo.
Segurança
:: Eduardo Biavati - Caminhar e pedalar é mais crítico, especialmente quando pensamos em crianças e adolescentes, porque o risco de assaltos e violência é alto e isso preocupa os pais, que acabam optando pelo transporte de van. Então o transporte depende da segurança pública em geral. Mas não dá para esperar resolver um para resolver o outro. Quanto mais vazia é a rua, maior é o perigo. Como mudar isso? Ocupando a rua. Com o medo, as pessoas se esconderam nos carros e casas, resolveu? Não! O perigo continua. Quanto mais a comunidade reconquista a rua, melhor ela fica.
Estacionamento
:: Carlos Felix - O planejamento bem feito de hoje é a mobilidade e a qualidade de vida de três décadas a frente. Precisamos inibir o uso do automóvel e o estacionamento. A falta de estacionamento é uma variável importante como ferramenta de planejamento, principalmente de indução ao transporte coletivo.
:: Eduardo Biavati - A supressão de vagas de estacionamento está acontecendo em São Paulo, no Rio de Janeiro e em Salvador, mas quem fez em grande escala foram os Estados Unidos, que criaram ciclovias e, ao contrário do que os comerciantes achavam, o movimento aumentou. As pessoas acham quem se o cliente não chega à loja e para em frente, o comerciante vai à falência. Porém, estudos feitos lá demonstraram que, em alguns lugares, os comerciantes tiveram aumento de 20% a 30% de permanência nas lojas.
Concorrência entre empresas que ofertam o serviço
:: Carlos Felix - Não necessariamente é garantia de maior qualidade. O importante é ter um sistema de transporte qualificado, com papéis bem definidos e uma rede que atenda toda a malha urbana. A empresa operadora deve ter uma boa visão de qualidade do transporte coletivo, associada ao planejamento da operação e das determinações do poder público.
:: Eduardo Biavati - Com mais concorrentes, talvez tivéssemos qualidade melhor, mas aí está o poder econômico dos grupos que detém o transporte. Em São Paulo, há quatro anos eles não conseguem abrir novas licitações, inclusive convidar empresas de fora do país, porque os donos desse tipo de negócio são poucos e muito poderosos. Esse tipo de prestação de serviço é muito concentrado. O poder público vem com a política, mas os empresários querem o maior lucro possível. É um cabo de guerra.
Mobilidade - parte 3/4
Para especialistas, a tendência do transporte para cidades como Caxias é priorizar o coletivo
Remoção dos estacionamentos e incentivo a outros modais, como a bicicleta e as caminhadas, estão entre as sugestões
Cíntia Colombo
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