A partir das apurações da Procuradoria-Geral do Município (PGM) junto ao Departamento de Esgotos Pluviais (DEP) de Porto Alegre há indicação de abertura de inquérito administrativo contra, pelo menos, dois servidores públicos. A conduta deles, que são engenheiros, também será analisada em procedimento do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Estado (Crea-RS). Ex-diretores e seus adjuntos também prestaram depoimento nas investigações e podem responder por improbidade administrativa.
A intervenção da PGM no DEP ocorreu por determinação do prefeito José Fortunati depois que Zero Hora publicou, em julho, uma série de reportagens mostrando irregularidades em serviços de terceirizadas. O principal caso envolvia a empresa JD Construções, que cobrava pela limpeza de bueiros que não existem. ZH encontrou superfaturamento de 18% nas cobranças. Mas a PGM apurou que é bem mais.
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O inquérito administrativo serve para investigar situações mais graves e, dependendo da conclusão, pode levar à demissão. Um dos funcionários investigados é o ex-diretor da Divisão de Conservação do DEP, o engenheiro Paulo Guilherme Silva Barcellos. Ele era responsável por fiscalizar 11 contratos, entre os quais o de limpeza de bueiros. Barcellos foi afastado da direção depois da publicação das suspeitas. O DEP rompeu o contrato com a empresa JD.
O outro servidor que responderá a inquérito é o engenheiro Marcos Scharnberg Neto, que já está aposentado. Ele foi responsável por aprovar a obra da casa de bombas da Vila Minuano. Com o aval dele, o DEP pagou para a empresa Grimon Saneamento e Construções o total de R$ 9,1 milhões por um serviço malfeito. A casa de bombas tem erros de execução que impedem que funcione. Apesar de os problemas na casa de bombas terem começado a ser detectados em 2014, somente este ano o DEP abriu sindicância para verificar a responsabilidade do servidor. Por considerar a situação "muito grave", a PGM encerrou a sindicância e determinou a abertura de inquérito. A procuradoria também prepara ações judiciais contra empresas que prestavam serviços.
O presidente do Crea-RS, Melvis Barrios Junior, disse que a entidade vai esperar a conclusão das investigações da prefeitura para fazer uma apuração sobre a conduta dos engenheiros. Eles podem sofrer sanções administrativas, como censura pública e suspensão temporária do registro.
Contrapontos
O que diz o engenheiro Marcos Scharnberg Neto
"Não terminei a obra, seis engenheiros assumiram depois. Mas, quando entreguei, a casa de bombas estava em condições de operar, só faltava a parte elétrica. Eu não aprovava nada sozinho. Mensalmente, havia medição, fatura, e o engenheiro da Caixa Federal (por causa do recurso federal) ia verificar o serviço. Se estivesse completo, ele autorizava o pagamento, se não estivesse, não autorizava. Tudo que foi pago é porque foi feito. Se teve problema, algum equívoco por conta de projeto, se a gente fez leitura equivocada, isso é do ser humano se equivocar. Deixei a casa de bombas em condições. Não consigo entender por que não me questionaram antes se tinha problemas. Podiam ter chamado a empresa também."
O que diz o engenheiro Paulo Guilherme Silva Barcellos
"Não vou me manifestar. Vou esperar o trâmite da sindicância."
Entenda o caso
Depois de uma investigação de seis meses, ZH publicou, em julho, série de reportagens mostrando que o descontrole na fiscalização no DEP permitiu que fossem pagos serviços não realizados.
Assim que as denúncias foram divulgadas por ZH e Rádio Gaúcha, o prefeito José Fortunati determinou abertura de sindicância e intervenção da Procuradoria-Geral do Município no DEP. O então diretor-geral, Miguel Barreto (PP), e seu adjunto, Francisco Mellos (PMDB), pediram afastamento dos cargos e foram exonerados. O engenheiro Paulo Guilherme Silva Barcellos, que dirigia a Divisão de Conservação e fiscalizava 11 contratos, foi afastado do cargo.
Empresas terceirizadas só receberão por serviços que comprovarem
Um dos reflexos mais imediatos da intervenção da ProcuradoriaGeral do Município no DEP foi a inversão na lógica do pagamento de serviços. O que valia antes, um sistema para quitar tudo sem questionar, deu lugar a uma nova regra: só é pago o que tiver a execução realmente comprovada.
Desta forma, todos pagamentos a terceirizadas foram suspensos. A fiscalização dos serviços foi descentralizada e todos os servidores responsáveis por atestar a execução foram substituídos. As empresas só receberão se tiverem como provar o trabalho declarado nas medições apresentadas ao DEP antes de surgirem as suspeitas de irregularidades.
Um exemplo é o caso do serviço de hidrojateamento. Por ser um trabalho que não aparece – as redes a serem limpas são subterrâneas –, fica mais difícil fiscalizar.
O comum era a empresa responsável apresentar medições até escritas à mão, sem a data do serviço ou sem detalhes sobre onde a rede foi limpa (endereço completo, com rua e numeração). Também há medições sem assinatura do encarregado. Agora, a empresa JB está tendo de esmiuçar cada serviço.
A situação da JD Construções, que cobrava pela limpeza de bueiros que não existem, não é diferente. Só em relação a esse serviço a JD tem bloqueados R$ 612,2 mil. Se não explicar como chegou ao valor, identificando todos os bueiros limpos, não receberá. A JD tem ainda pendentes outros R$ 803,4 mil por pequenas obras. Terá de explicar todo o trabalho.
– Estamos fazendo o óbvio, agregando tecnologia e gestão – diz o procurador-adjunto do município, Lieverson Perin, que assumiu interinamente a direção do DEP.