No lugar de crianças correndo e brincando, corredores vazios e semblantes de consternação. Foi assim que a escola Dom Bosco, no bairro Higienópolis, amanheceu nesta sexta-feira.
Um dia após o assassinato de Cristine Fonseca Fagundes, morta com um tiro na cabeça enquanto esperava o filho sair da escola, funcionários da instituição ainda tentavam entender o que haviam presenciado no final da tarde desta quinta. Com as aulas suspensas, vagavam pelos corredores relembrando os momentos de tensão vividos após o crime:
– Quando as crianças ficaram sabendo, muitas delas, de 6 ou 7 anos, vieram me abraçar, me segurar no pátio da escola, dizendo que estavam com medo de ser assaltadas. Eu tive que acalmá-las dizendo que nada de ruim aconteceria aqui dentro, que elas estavam seguras – comenta o vice-diretor da escola, Oswaldo Dalpiaz.
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Durante a manhã de sexta-feira, poucos minutos depois de sair de uma reunião emergencial com os professores da escola – na qual estabeleceram estratégias para acolher os alunos a partir de segunda-feira – Dalpiaz comentou que a prioridade será ajudar os estudantes a lidar com a tragédia que acometeu a família do colega de 12 anos, filho de Cristine:
– Hoje a preocupação não é o calendário escolar, mas sim dar carinho e amor aos nossos alunos. Quase que diariamente nos deparamos com roubos na redondeza, mas nunca algo como o que ocorreu ontem (quinta-feira). Muito mais do que corredores vazios, hoje temos aqui muita revolta, tristeza, perguntas sem resposta – ressaltou.
Com o olhar direcionado à quadra esportiva, onde estaria cercado de alunos dando aula de educação física, o professor Luciano Balbinot, 39 anos, tentava conter as lágrimas antes de deixar a escola para ir ao velório:
– É uma sexta-feira muito triste. Esse tipo de violência é algo que se escutava falar, que acontecia longe de nós, mas hoje é a nossa realidade. Nessa sexta, aqui na escola, não temos nossa fonte de vida, nossa gurizada. Tentamos buscar uma explicação que não existe – comentou.
O clima de tristeza também estava estampado do lado de fora do colégio. Telas pretas presas nas grades da instituição chamavam a atenção das poucas pessoas que passavam pela região durante a manhã, alertando para o luto dos alunos e funcionários.
– Está tudo muito quieto. É uma sensação muito estranha, muito triste. Estamos todos chocados. Nesse horário, as crianças estariam fazendo muito barulho por aqui, correndo, entrando e saindo das salas de aula – comentou Enio Gomes, segurança da escola há mais de duas décadas.
Para o motorista Carlos Gerunto, que mora na rua ao lado da escola, a manhã desta sexta-feira foi também um momento de relembrar o próprio luto. Há dois anos, seu filho, Carlos Júnior, então com 22 anos, foi assassinado próximo onde Cristine foi baleada. Passeando pela região e observando as telas pretas expostas na instituição, ele afirma que a sensação de impunidade e insegurança aumenta a cada dia:
– Meu filho morreu quando estava entrando em casa. Desde então eu não consigo mais sair à noite, tenho medo. Não me recuperei ainda, nunca vou me recuperar, muito menos a minha família. É inaceitável nós termos de viver dentro de jaulas em um país democrático. É muito triste para essa família que foi destruída ontem, triste para todos nós.
As atividades do colégio Dom Bosco serão retomadas na próxima segunda-feira. Durante a sexta-feira, alunos e professores devem se organizar para realizar ações em apoio à família de Cristine.