Michel Temer está preparado para ser vaiado na abertura da Olimpíada. Presidente interino da República desde 12 de maio, quando Dilma Rousseff foi afastada em virtude da abertura do processo de impeachment, o peemedebista de 75 anos sabe que encontrará um ambiente adverso no próximo dia 5, no Rio de Janeiro.
– No Maracanã, como dizia o Nelson Rodrigues, se vaia até minuto de silêncio – justifica-se.
Em entrevista exclusiva ao Grupo RBS, concedida em seu gabinete no terceiro andar do Palácio do Planalto, o presidente em exercício falou da Olimpíada e explicou a necessidade de implementar medidas impopulares, como as reformas trabalhista e da Previdência – que, segundo o peemedebista, dificilmente será aprovada neste ano –, além do discurso a favor do ajuste fiscal. Para ele, a curva do desemprego começa a virar entre o final de 2016 e o início de 2017.
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Cuidadoso com as palavras, Temer faz questão de utilizar o adjetivo "interino" quando trata de seu governo. Contudo, ministros e assessores próximos já consideram a cassação de Dilma, de quem o peemedebista foi vice na chapa das eleições de 2010 e 2014, uma certeza. Faltaria apenas o Senado confirmar o impeachment.
Neste cenário, Temer tem planos para continuidade do mandato. Entre suas metas, está lançar, ainda em 2016, os leilões dos aeroportos Salgado Filho (Porto Alegre) e Hercílio Luz (Florianópolis) e inaugurar, até 2018, a segunda ponte do Guaíba, uma promessa de Dilma. Questionado sobre o risco de a Operação Lava-Jato afetar o seu governo, ele garante que a preocupação é "zero".
As contas do governo tiveram o maior rombo para o mês de junho. Houve queda na arrecadação, aumento de despesa com a Previdência, mas, mesmo assim, o governo concedeu reajustes ao funcionalismo. É difícil fazer o dever de casa do ajuste fiscal?
Vamos, primeiro, explicar a questão dos aumentos. Quando chegamos aqui, encontramos acordos firmados com as várias categorias do funcionalismo público, e não eram acordos verbais, eram escritos, feitos há alguns meses. Verificamos que os acordos eram bem feitos, porque eram por quatro anos, saudáveis para a União, porque foram com índices inferiores à inflação. O mérito estava correto.
Segundo ponto: estavam firmados por escrito. Se você quiser dar segurança jurídica às relações do Estado com as pessoas, você tem de cumprir pelo menos o que foi acordado. E segurança jurídica é o que mais me pedem. Sob o foco político, veja o seguinte: acordos foram firmados pela senhora presidente da República, eu assumi interinamente o governo. Assim que assumi, era um pleito muito grande dos vários setores, Judiciário, Ministério Público, funcionalismo civil. Se não dou cumprimento a esses acordos, criaria um problema político, com muita franqueza.
Que problema político seria esse?
Como iria me justificar, assumindo interinamente, se logo na primeira ou segunda semana, estourassem greves em todo o país? Com a Olimpíada chegando, imagine o transtorno que seria. Sob o foco político, qual seria a afirmação daqueles que, ao menos transitoriamente, deixaram o poder? Diriam: "olha aí, esse governo golpista, como eles têm o hábito de dizer, não cumpre acordos". Sob o foco orçamentário, esses valores estavam todos previstos. Não havia como deixar de cumprir.
É difícil, então, fazer esse dever de casa, que é o ajuste.
Difícil talvez seja governar nessa situação, pelo menos enquanto estivermos na interinidade. Mas é importante destacar: começamos a restaurar um pouco a confiança, porque estamos tendo investimentos preciosos no Brasil neste último mês. Investimento chinês na CPFL de mais de R$ 5 bilhões, um investimento de uma empresa norueguesa em um poço de petróleo de US$ 2,5 bilhões e a Cosan, indicando que deve investir mais US$ 15 bilhões. Isso só para revelar que, em contrapartida à queda da arrecadação, há investimento chegando.
Categorias do funcionalismo tiveram aumento, enquanto o trabalhador da iniciativa privada ouve falar em reforma da Previdência e trabalhista. É esse trabalhador que vai pagar a conta?
Não vai pagar. O primeiro valor que queremos recuperar é o emprego. Você sabe que tem quase 12 milhões de desempregados. Eu digo sempre: o primeiro direito social é o direito ao emprego. Ele se compatibiliza muito com uma regra constitucional que determina como fundamento do Estado a dignidade da pessoa humana. Então, o que vamos fazer é criar uma mobilização, naturalmente empresarial, de serviços, no agronegócio, que enseje o emprego. O trabalhador não está sendo apenado, pelo contrário, queremos é fazê-lo crescer.
Como essa mobilização para volta da geração de emprego será feita?
Já está sendo feita. Fizemos a renegociação da dívida dos Estados, e qual é o objetivo? Em primeiro lugar, tirar esse problema angustiante que os Estados vêm sofrendo e tentando equacionar há quase três anos. Se a União não recebe o que é devido, a ideia é que o Estado vá investir na própria região. Isso é um meio de você ajudar a recuperar o emprego. Um outro meio é ganhar credibilidade, ganhar confiança.
Quando mudará a curva do desemprego?
Acho que lá pelo fim do ano, começo do ano, começamos a ter isso.
O senhor estuda aceitar ativos dos Estados para abater as dívidas?
Esse assunto dos ativos não entrou na pauta ainda. Veja que facilitamos muito a vida dos Estados. Não vão pagar praticamente nada neste ano (da parcela da dívida com a União), pelo menos até a trava de R$ 300 milhões. A partir de janeiro, começam a pagar 5,5% no primeiro mês, até completar a totalidade (da parcela). Ou seja, os Estados vão ter um respiro. Isso é muito compatível com a ideia federativa, quer dizer, a União só é forte, se os Estados forem fortes. Se os Estados fraquejarem demais, a União se inviabiliza.
O acordo ficou bom para a União em termos financeiros?
Claro, até porque estabelecemos a emenda constitucional relativa ao teto para os gastos públicos. A contrapartida que os Estados acordaram conosco é que, também, terão um teto para os gastos. Isso dá, digamos assim, uma equação com vistas a solucionar o problema do Brasil, porque não podemos sustentar um déficit neste ano de R$ 170 bilhões, ano que vem de R$ 139 bilhões. Num dado momento você tem de zerar esse déficit.
O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, já disse que a votação da PEC do teto é prioridade absoluta. Ela será votada ainda neste ano? O senhor pretende flexibilizar a proposta que está no Congresso?
Sabemos que o Executivo cria a sua proposta e que o Legislativo vai trabalhar sobre ela. É possível que haja alguma modificação, mas a essência do projeto continua a mesma.
Os setores de saúde e educação, principalmente da saúde, dizem que não sobrevivem com um teto de gastos dentro das regras gerais.
O teto é global, portanto, você tem modificação das rubricas. Você tira de uma rubrica para colocar na saúde e na educação. A intenção não é reduzir verbas de saúde e educação. Aliás, os percentuais continuam os mesmos.
Qual é a sua previsão para a votação da reforma da Previdência?
Olha, é polêmico, mas necessário. Se não fizermos uma reforma da Previdência, é possível que, daqui a 10 anos, já não haja recursos para pagar os aposentados. Então, é fundamental para o país. Vamos enviar a proposta neste ano, mas dizer que vai aprovar neste ano, acho um pouco complicado, tendo em vista as eleições municipais, que vão reduzir o trabalho do Congresso.
Vai ter aumento de impostos?
Não estou pensando nisso por enquanto. Imposto é, como disse o ministro Henrique Meirelles, o plano C, mas é uma hipótese muito remota. Estamos pensando, primeiro, na venda dos ativos da União e estamos tentando um corte de gastos.
Não estão nem mesmo trabalhando com a volta da Cide (tributo que incide sobre combustíveis)?
Por enquanto, não. Não quero descartar, porque nunca se sabe. Estamos esperando essa aprovação da PEC do teto dos gastos.
A Olimpíada começa na próxima semana. O risco de um atentado no Brasil lhe tira o sono?
Olha, não tira. A União está preparadíssima para garantir a segurança na Olimpíada. Mandamos, entre Exército, Marinha, Aeronáutica e Polícia Federal, mais de 40 mil homens para o Rio de Janeiro, além do aparelho de segurança do próprio Estado do Rio. Acho que não haverá nenhum problema de segurança durante a Olimpíada. Aliás, antes dos jogos mundiais (Copa do Mundo), havia a mesma preocupação, e foi um sucesso. Espero que na Olimpíada aconteça o mesmo.
Uma operação recente contra suspeitos de apoio ao terrorismo prendeu 12 pessoas. No Rio Grande do Sul, o suspeito era criador de galinhas. A operação foi exagerada, como alguns críticos apontam, ou foi adequada?
Ela foi preventiva. Pode ser até que esse criador de galinhas só cuide de galinhas, mas, pelo WhatsApp, se comunicava com companheiros. A prisão é temporária, apenas para prevenir, não significa que ele vai ficar preso eternamente. Como a segurança é rigorosa com essas coisas, é melhor prevenir do que remediar.
A abertura dos Jogos ocorre em meio a um processo de impeachment e o senhor abre o evento como presidente em exercício. Isso causa algum abalo para imagem do país?
Estou preparadíssimo para as vaias. No Maracanã, como dizia o (escritor) Nelson Rodrigues, se vaia até minuto de silêncio. Estou preparadíssimo, não tenho a menor dúvida disso. E tenho de cumprir esse dever institucional. Aliás, soube que os ex-presidentes nem vão. A brincadeira é que eles estão reservando as vaias só para o presidente.
O ideal seria a conclusão do impeachment antes da Olimpíada?
Evidentemente, se o processo de impedimento pudesse ser concluído antes do início da Olimpíada, seria muito melhor para o país. Fosse ou não fosse eu o presidente, acho que daria mais estabilidade. Tenho dito com frequência que não é o dever do presidente da República (ir na abertura dos Jogos). É um dever da Presidência da República. Quem ocupar o cargo, tem de exercitar esse papel institucional. Acho que não haverá embaraço.
Sobre o impeachment, o senhor arrisca um placar no Senado?
Não arrisco, tem de deixar para que o Senado, no exercício das suas competências, resolva esse assunto.
O senhor acredita que permanece no cargo? O impeachment de Dilma Rousseff se confirma?
Sabe que não estou preocupado com isso. Estou exercendo o cargo plenamente. Se vocês levantarem o que foi feito nesses 70 dias, verão que foi muita coisa. A dívida dos Estados, a DRU (desvinculação das receitas da União), a meta fiscal. Significa o apoio que o Congresso está dando ao Executivo.
Também houve situações embaraçosas. Os ex-ministros Romero Jucá e Henrique Eduardo Alves estão fora do governo, investigados na Operação Lava-Jato. O senhor se arrepende das nomeações?
Não, porque eles são pessoas que produziram adequadamente enquanto estiveram no governo. Eles pediram para sair. Até porque havia dito que, se houvesse envolvimento ou qualquer coisa, eles poderiam ficar à vontade para sair. Então, eles saíram. Enquanto estiveram, produziram bons resultados. Saíram do governo por conta própria. Mas não me causa nenhum embaraço.
Se a presidente Dilma for cassada, seu mandato vai até 2018. Acredita que a Lava-Jato possa atingir também o seu governo?
Levo até 2018 tranquilamente. Não tenho nenhuma preocupação com a Lava-Jato. De vez em quando, me perguntam isso, um ou outro diz: "ah, porque o Michel Temer é o presidente do PMDB". Não tenho nenhuma preocupação. Pode por zero (de preocupação).
Ficando até 2018, o senhor acha que é possível inaugurar a ponte do Guaíba?
Até quero anunciar, porque essa (obra) vamos fazer. Quero inaugurar. Temos obras prioritárias que queremos concluir. Uma delas é a ponte sobre o Guaíba. Está definida, é uma obra fundamental para o governo.
Concluída com recurso do próprio governo, fora de concessão?
Por enquanto, fora de concessão. Não estamos pensando nisso.
Existem duas obras que interessam ao Sul do Brasil, que estão no programa de concessão dos aeroportos, o Salgado Filho e também o Hercílio Luz. Tem alguma previsão para lançar estes leilões ainda neste ano?
Esperamos que até o final deste ano possamos lançar essas duas concessões, até porque criamos uma secretaria-executiva especial para cuidar das concessões. Ou seja, além dessas concessões que já estão programadas, outras tantas virão, na convicção de que muitas e muitas vezes o poder público não pode fazer tudo por conta própria, então, ele precisa ter o apoio da iniciativa privada. Vamos fazer ainda neste ano.
Como o senhor encara pesquisas de opinião que apontam um apoio majoritário à realização de novas eleições presidenciais?
Algumas pesquisas, ao perguntarem quem deve permanecer ou não, mostram um resultado muito vantajoso para nós. Quando se fez uma pesquisa, 33% não sabiam o nome do presidente da República e, mesmo assim, 50% diziam que eu deveria continuar. E, como você sabe, não sou muito conhecido. Se esses 33% souberem quem é o presidente da República, é possível que, mais uns 13% ou 14%, ainda venham a se acrescentar a esses 50% (pró-permanência de Temer).
Essa ideia de fazer nova eleição, não acho que pode ir adiante. Convenhamos: temos de preservar nossas instituições. E não há nada mais institucionalmente correto do que aquilo que a Constituição estabelece. E o que a Constituição estabelece? Na ausência ou impedimento do presidente, quem assume é o vice. Se você fizer essa pergunta nos Estados Unidos, o sujeito ficaria corado, porque lá ninguém pensa nisso. Neste momento, estamos começando a prestar obediência às instituições.
Por falar em instituições, este ano também houve algo inédito, que é o afastamento de um presidente da Câmara. É conveniente para o governo que o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) seja cassado?
Não, não entro nesse debate, que é um debate do Legislativo.
Mas politicamente, a situação dele, réu da Lava-Jato e afastado da Câmara, não atinge a imagem do governo?
Zero.
O senhor já definiu qual a postura do governo sobre o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, assumir a presidência do Mercosul?
Já. Estamos pregando que a Venezuela cumpra os requisitos necessários para a sua integração plena ao Mercosul. Há dois requisitos que ainda não foram cumpridos. E, quando ela cumprir, terá um acesso pleno ao Mercosul.
Foram cortadas bolsas do Ciência sem Fronteiras. Qual é a prioridade do governo Temer para a educação?
É o ensino básico. Você sabe que as pessoas chegam ao terceiro ano e não sabem ler e, às vezes, não sabem multiplicar? Por que está acontecendo isso? Porque houve uma queda brutal na aplicação de verbas no ensino básico e uma ascensão no ensino universitário, especialmente no Ciências sem Fronteiras. Existem 35 mil estudantes com bolsa. O valor desses 35 mil equivale a alimentar, pela merenda escolar, 40 milhões de crianças. Mas o Ciência sem Fronteiras não vai ser abandonado de vez. O Ministério da Educação está equacionando essa questão, mas vai diminuir substancialmente. A pós-graduação continua.
O senhor pretende manter o hábito de buscar o seu filho, Michelzinho, na escola, como fez na terça-feira passada?
A vida é complicada. Ele mudou de cidade, de casa e de escola. E, quando ele saiu de manhã, estava muito choroso, chorando mesmo, que não queria ir para a escola. Ele tem sete anos. Daí disse a ele: Michelzinho, vou fazer o seguinte, quando for três horas, eu vou buscar você com a sua mãe. Para dar segurança a ele, sabe como é? Quando a Marcela chegou para deixá-lo, tinha muitos fotógrafos e cinegrafistas e ela, então, não entrou pela frente, entrou pelos fundos. Ficou um pouco antipático.
Ela me contou e eu disse ao Márcio (Márcio Freitas, secretário de Comunicação) que ia buscar o meu filho às três horas. Daí, o Márcio avisou a imprensa. Mas a imprensa entendeu como marketing. Isso foge ao meu estilo. O (Barack) Obama (presidente dos EUA) busca filhas na escola e a presidente Dilma já apareceu com o neto em fotografias. Acho que é má vontade comigo (risos).