Três anos e meio depois da maior tragédia gaúcha, o incêndio na boate Kiss, em Santa Maria, o juiz titular da 1ª Vara Criminal, Ulysses Fonseca Louzada, proferiu uma das sentenças mais determinantes do principal processo do caso, o que pode responsabilizar criminalmente quatro pessoas pela morte de 242 pessoas e pela tentativa de morte de outras 636 que ficaram feridas no incêndio.
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No final da manhã desta quarta-feira, 27 de julho, Ulysses decidiu que os quatro réus do processo criminal irão a júri popular. Marcelo de Jesus dos Santos, vocalista da banda Gurizada Fandangueira (que tocava na boate na noite do incêndio), Luciano Bonilha Leão, assistente de palco da banda, e Elissandro Spohr e Mauro Hoffmann, ex-sócios da boate, devem ser julgados pelo crime de homicídio com dolo eventual (quando a pessoa assume o risco de matar) qualificado (por asfixia, incêndio e motivo torpe). Nesse caso, são 242 homicídios e 636 tentativas de homicídio.
Leia a sentença na íntegra aqui .
Para o juiz, Mauro e Kiko "concorreram para o crime implantando nas paredes e no teto da boate espuma altamente inflamável e sem indicação técnica de uso (...) mantendo a casa noturna superlotada, sem condições de evacuação e segurança contra fatos dessa natureza, bem como equipe de funcionários sem treinamento obrigatório, além de prévia e genericamente ordenarem aos seguranças que impedissem a saída das pessoas do recinto sem pagamento das despesas de consumo da boate, revelando total indiferença e desprezo pela vida e pela segurança dos frequentadores do local, assumindo assim o risco de matar".
Sobre Marcelo e Luciano, o magistrado diz, no documento, que ambos "concorreram para os crimes, pois mesmo conhecendo bem o local, onde já haviam se apresentado, adquiriram e acionaram fogos de artifício (...) que sabiam se destinar a uso em ambiente externos, e direcionaram este último, aceso, para o teto da boate, que distava poucos centímetros do artefato, dando início à queima do revestimento inflamável e saindo do local sem alertar público sobre o fogo e a necessidade de evacuação, mesmo podendo fazê-lo, já que tinham acesso fácil ao sistema de som da boate; assim que revelaram total indiferença com a segurança e a vida das pessoas, assumindo o risco de matá-las".
A decisão, foi divulgada pelo Tribunal de Justiça (TJ-RS) por volta do meio-dia desta quarta-feira. Com essa decisão, o juiz quer dizer que acredita que houve materialidade no caso, ou seja: há provas suficientes que indicam que os réus cometeram os crimes dos quais são acusados. Os réus poderão recorrer em liberdade da decisão.
O processo criminal que apura o caso é constituído por 20 mil páginas, separadas em 93 volumes. Ao longo da instrução processual, foram ouvidas 204 pessoas, sendo 114 vítimas, 16 testemunhas de acusação, 50 testemunhas de defesa, 2 testemunhas referidas, 18 peritos e os 4 réus.
Além do processo principal, a apuração do caso está desdobrada em outros três processos criminais e dois cíveis.
Sete jurados da comunidade serão escolhidos para decidir se os quatro são culpados ou inocentes. Caberá ao juiz que presidir o Tribunal do Júri aplicar a pena e o regime de cumprimento.
Justiça arquiva processo movido por ex-sócio da Kiss contra músicos
Logo depois do incêndio, os quatro réus chegaram a ficar presos na Penitenciária Estadual de Santa Maria (Pesm), mas foram soltos em 29 de maio de 2013 e respondem em liberdade.
OS RÉUS DA KISS
– Elissandro Callegaro Spohr, o Kiko
Ex-sócio da boate Kiss, Kiko foi internado logo após o incêndio e ficou sob custódia no Hospital Santa Lúcia, em Cruz Alta, até receber alta, em 5 de fevereiro de 2013, quando foi para a Penitenciária Estadual de Santa Maria (Pesm), onde estavam os demais presos. Ao sair da cadeia, em 29 de maio do mesmo ano, Kiko foi para Porto Alegre. Passados mais de dois anos da maior tragédia do Estado, Kiko voltou a ser visto em público na cidade em junho do ano passado, em uma das audiências para ouvir os peritos que atuaram no caso. Ele apareceu, mais uma vez, publicamente, em 1º de dezembro de 2015, data em que depôs à Justiça. Kiko foi o terceiro réu a ser ouvido durante as audiências do processo.
Durante os três anos e meio desde o fatídico 27 de janeiro, Kiko apareceu em entrevistas à televisão em duas ocasiões: em 3 de fevereiro de 2013, quando, ainda internado sob custódia policial no hospital, falou publicamente pela primeira vez, ao repórter Giovani Grizotti, da RBS TV, para o Fantástico (em um vídeo gravado pelo advogado, a pedido da equipe de reportagem); e em 30 de março deste ano, quando participou do programa Gugu Entrevista, na TV Record.
Atualmente, o ex-sócio da Kiss mora em Porto Alegre com a companheira e as duas filhas, uma de 3 anos e outra recém-nascida. Segundo o advogado, Jader Marques, Kiko trabalha recolhendo pneus velhos para recapagem em borracharia.
– Mauro Londero Hoffmann
Ex-sócio da boate Kiss, Mauro foi preso no dia seguinte ao incêndio e ficou na Penitenciária Estadual de Santa Maria (Pesm) até 29 de maio de 2013, quando ele e os outros três réus saíram da prisão.
Em abril de 2015, passados dois anos e dois meses da tragédia na boate Kiss, o ex-sócio da casa noturna, que até então vivia mais recluso, foi visto em uma festa de casamento em Santa Maria. Com bigode e cavanhaque, ele estava ao lado da esposa e chegou a tirar fotos com os noivos. Em 24 de novembro de 2015, sete meses depois da festa, ele apareceu pela primeira vez em uma audiência do caso Kiss, para acompanhar o depoimento de Marcelo de Jesus dos Santos, vocalista da banda Gurizada fandangueira, que também é réu no processo. No entanto, sua saída do salão do júri foi determinada pelo juiz, na ocasião.
Seu perfil oficial no Facebook não é atualizado desde a véspera da tragédia, mas Mauro mantém outro perfil, com nome diferente, em que tem 358 amigos. Em uma publicação de setembro de 2015, uma amiga o chama de "Maurinho" na página.
Mauro estaria morando atualmente em Porto Alegre, mas um dos advogados do réu, Mário Cipriani, disse não ter autorização para falar sobre a vida pessoal de seu cliente.
– Marcelo de Jesus dos Santos
Era o vocalista da banda Gurizada Fandangueira, que se apresentava na Kiss noite da tragédia. Era ele, segundo a denúncia do Ministério Público (MP), quem segurava o artefato pirotécnico que deu início ao incêndio que resultou na morte de 242 pessoas e deixou mais de 600 feridas.
Marcelo foi preso no dia seguinte ao incêndio e ficou na Penitenciária Estadual de Santa Maria (Pesm) até o dia 29 de maio de 2013, quando seu advogado, Omar de Tarso Obregon, conseguiu na Justiça a liberdade dos quatro réus.
Depois de sair da prisão, Marcelo retomou a atividade principal, de azulejista, profissão que desempenha há cerca de 18 anos na cidade. Segundo o advogado, ele nunca mais voltou a cantar na noite e, até hoje, faz tratamento médico para os efeitos da fumaça tóxica aspirada dentro da boate.
Marcelo foi o único dos quatro réus que participou de todas as audiências do processo. Ele depôs no dia 24 de novembro de 2015 e foi o primeiro dos quatro acusados a falar em juízo.
– Luciano Bonilha Leão
Luciano era o assistente de palco da banda Gurizada fandangueira, que se apresentava na Kiss na noite da tragédia. Foi ele quem, segundo a acusação, comprou e acionou o artefato usado por Marcelo e que teria começado o incêndio que resultou na morte de 242 pessoas e deixou mais de 600 feridas.
Ele foi preso no dia seguinte ao incêndio e ficou na Penitenciária Estadual de Santa Maria (Pesm) até 29 de maio de 2013. Assim como o colega de banda, Luciano continuou morando na cidade, com a mulher (ele não tem filhos).
Conforme o advogado Gilberto Weber, após sair da prisão, Luciano voltou a atuar como motoboy, mas, recentemente, voltou a trabalhar com a música, colocando som em eventos eventualmente.
De acordo com o defensor, Luciano recebe atendimento psicológico no Husm. Ele foi o segundo dos réus do processo criminal a depor, em 25 de novembro de 2015.
Clique na imagem abaixo para acessar o infográfico com os principais acontecimentos da maior tragédia de Santa Maria.