Segundo rosto mais popular da Operação Lava-Jato, o agente Newton Ishii, ou simplesmente o Japonês da Federal, conheceu a fama ao conduzir, diante de câmeras, poderosos e bilionários presos. Agora, encaminha-se para um final de carreira menos glorioso.
Depois de funcionar como uma das engrenagens de marketing da investigação mais rumorosa do país, Ishii teve condenação por corrupção e descaminho confirmada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Ele usa tornozeleira eletrônica, foi restringido a serviços burocráticos e já não é mais visto ao lado de alvos da Lava-Jato, com seus cabelos grisalhos e óculos escuros de lentes grandes e design moderno. Colegas de Polícia Federal (PF) dizem que um dos símbolos da investida contra o crime que mudou o Brasil está a caminho da aposentadoria.
A cada nova fase, surgiam mais personagens da corrupção na Petrobras. Invariavelmente, um agente de traços asiáticos fazia a condução dos detidos para exames no Instituto Médico Legal (IML) ou audiências na 13ª vara da Justiça Federal de Curitiba (PR), base do juiz Sergio Moro, o número 1 da Lava-Jato. De tanto ser visto na condição de representante da lei, com a custódia de corruptos e corruptores, Ishii passou a ser associado a princípios como ética, combate ao crime, fim da impunidade e justiça. Caiu no gosto popular e tornou-se garoto-propaganda da investigação.
Descrito como um sujeito simpático, Ishii virou fenômeno nacional, inspirou máscaras de Carnaval, bonecos de Olinda e passou a ser alvo de milhares de buscas na internet. No Google, basta escrever “Japonês” para, de imediato, vir a sugestão de complemento: “da Federal”.
“Ai, meu Deus, me dei mal, bateu à minha porta o Japonês da Federal”, diz o refrão da marchinha composta em homenagem ao agente. Um filmete de menos de quatro minutos publicado no YouTube também faz referência em tons ficcionais. Nas imagens, o Japonês troca tiros e vence bandidos, explode o Congresso e protagoniza violentas cenas de ação, em uma mescla de Jackie Chan, Rambo e Matrix.
Em 2004, no artigo Considerações sobre a Operação Mani Pulite, referência à investigação que desmantelou esquemas de corrupção na Itália, Sergio Moro já destacava a comunicação – e o marketing, de quebra – como um dos pilares para o sucesso de uma grande operação.
Para o doutor em Direito e advogado criminalista Lúcio de Constantino, defensor de suspeitos na Lava-Jato, o Japonês funcionou como uma linguagem simplificada que despertou simpatia.
– A figura do Japonês ingressa como um símbolo nas camadas mais populares e isso, de certa forma, foi um elemento pedagógico. Ele traz um conceito superficial para aquelas pessoas que não conseguem ter uma ideia mais complexa desse universo criado em torno da Lava-Jato – opina Constantino.
Juliano Corbelini, consultor em marketing político, avalia que Ishii não está entre as chaves do sucesso de crítica da Lava-Jato. Ele entende que o agente virou um dos rostos da operação porque soube se projetar:
– A exposição das prisões é parte da estratégia da Lava-Jato. Isso é perceptível. Aí, gerou essa janela de aparecer sempre a mesma figura fácil de ser reconhecida. Ele aproveitou a janela.
Se Moro é a imagem maior da Justiça na Lava-Jato, Ishii ganhou fama por supostamente ser o executor das prisões de políticos, empreiteiros e operadores financeiros. Tanto que a marchinha de Carnaval e o filmete citam de forma atemorizadora que o Japonês da Federal “baterá à porta” de corruptos. Delegados e procuradores da República, os verdadeiros investigadores, ficaram em segundo plano no imaginário popular. Isso, garantem, não chegou a causar ciumeira, mas houve reações desgostosas.
O Japonês jamais cumpriu mandado de prisão da Lava-Jato. Nunca bateu à porta dos suspeitos. Lotado no setor operacional da superintendência da PF em Curitiba, seu papel era conduzir os presos à Justiça e ao IML, ocasião em que fotógrafos e cinegrafistas conseguiam se aproximar para fazer as melhores imagens.
– Não nos surpreendeu (a condenação no STJ). Ele foi condenado pela investigação que nós mesmos fizemos em 2003. Mas deve ter surpreendido o povo que vê nele a imagem de alguém da Lava-Jato, quando, na verdade, nunca participou de qualquer ato da investigação – diz um delegado que atua no caso.
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Por decisão do ministro Félix Fischer, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a sentença condenatória de 2009 contra Newton Ishii, o Japonês da Federal, foi mantida, em despacho de março de 2016.
Em 2003, a Operação Sucuri investigou uma quadrilha formada por agentes da Polícia Federal (PF) e da Receita Federal que facilitavam o contrabando de produtos ilegais na fronteira do Paraguai com Foz do Iguaçu, no Paraná. Ishii estaria envolvido com a trama. Ele e outros dois agentes, diz o processo, teriam se omitido de fiscalizar veículos cujas placas eram informadas previamente por intermediários.
Ishii já sofreu outro revés: em 14 de novembro de 2013, o Tribunal de Contas da União (TCU) determinou que ele e outros nove servidores da PF retornassem à ativa. Eles haviam se aposentado com a contabilização indevida de tempo de serviço. Por ironia do destino, Ishii regressou ao trabalho em março de 2014, poucos dias antes da eclosão da primeira fase da Operação Lava-Jato.
Pouco antes de o STJ manter a sentença de Ishii, ele já havia sido removido da tarefa de conduzir presos. A tornozeleira não permite que use os coturnos pretos da PF. Em tarefas administrativas, trabalha na superintendência das 8h às 18h, com obrigatoriedade de dormir em casa. Aos finais de semana, precisa ficar recolhido.
Embora esteja mais longe das câmeras, não está se escondendo. Recentemente, prestigiou, em Curitiba, lançamento de livro sobre a LavaJato, de autoria do jornalista Vladimir Netto, onde encontrou Moro e investigadores. O Japonês da Federal foi um dos mais assediados.
Advogado de Newton Ishii, Oswaldo Loureiro Junior informa que a sanção do seu cliente é de quatro anos e dois meses de reclusão em regime semiaberto. Com o expediente da progressão após o cumprimento de um sexto da penalidade, Loureiro acredita que Ishii estará no regime aberto em mais quatro meses e confirma que o cliente está próximo da aposentadoria.