Convidado do projeto Em Pauta ZH – Debates sobre Jornalismo, o diretor de Redação do jornal O Globo, Ascânio Seleme, virá a Porto Alegre na próxima quarta-feira para falar a colaboradores do Grupo RBS e convidados. O tema da palestra do jornalista catarinense de 59 anos, com mediação da diretora de Redação de Zero Hora, Marta Gleich, será Os caminhos e as apostas de O Globo para enfrentar a crise dos jornais.
Há dois anos, O Globo alterou processos e fluxos de trabalho, priorizando o ambiente digital. Hoje, o diário carioca prepara uma profunda pesquisa acerca da opinião dos leitores, o que permitirá tomar decisões sobre o futuro das edições impressa e online.
– Vamos adequar o produto ao gosto do leitor, as redações ao tamanho do produto e tomar medidas necessárias para enfrentar o momento de hoje, que aponta para algum claro no fim do túnel. Mas a nossa indústria continua em crise – adianta Ascânio.
Como os jornais impressos podem continuar sendo relevantes?
Essa pergunta é muito difícil. O que os leitores nos disserem vai balizar nossa pauta em relação ao papel. Nossos leitores de papel são mais velhos do que eram há cinco anos. A média de idade sobe. Costumo dizer que jovem só vai começar a ler notícia quando deixar de ser jovenzinho, quando tiver uma conta bancária que ele mesmo precise subsidiar, quando tiver uma família para alimentar, imposto de renda a pagar – aí ele vai precisar de informação para tomar decisões corretas. Esses jovens leitores, que há 10, 15 anos entravam para o mundo de notícias através dos jornais, hoje estão entrando no site. A nossa audiência no site cada vez é mais jovem, e a nossa audiência no papel é cada vez mais velha. Temos que entender até que ponto isso dura e o que precisamos fazer para continuar mantendo o papel relevante. Para nós, é um prazer fazer o jornal. É uma delícia fazer uma primeira página, editar uma página, sabemos o valor que aquela hierarquia tem. Mas o jovem não vê muita importância. Temos que ajudá-lo a entender isso.
Este é um dos momentos mais ricos, em termos de notícia, para se trabalhar como jornalista.
Um dia, publicamos duas primeiras páginas, uma coisa inédita. Tínhamos tanta notícia, tanta notícia, que no pé da primeira página dizia "continua a seguir". A pessoa virava e tinha outra primeira página, com mais manchete e mais chamadas. Foi um libelo: olha aqui, ó, quanta notícia nós temos, esse é o nosso papel, temos dificuldade de escolher o que te entregar em primeiro lugar. Mas isso é fabuloso. É um momento riquíssimo para o jornalismo, mas triste para o país. São vergonhosos todos os escândalos de tamanha grandeza que vivemos. Quando mudamos o projeto gráfico, em 2012, e tenho na minha sala o jornal, a manchete era "Mensalão desviou US$ 101 milhões". Cem milhões de dólares foi o balanço do mensalão! Isso não é nada, isso é um Barusco (Pedro Barusco, ex-gerente da Petrobras e delator na Operação Lava-Jato). É chato lidar com isso, é triste lidar com isso, embora seja nossa matéria-prima principal.
Como é o desafio de buscar a isenção nesse momento tão turbulento?
Sofremos ataques bárbaros. Aqui somos atacados pela parcialidade contra o PT. Agora que estamos dando matérias de malfeitos no governo Temer e com seus ministros, ninguém fala nada. Quando a gente dava matéria denunciando o PT, ministros do PT, presidente do PT, tesoureiros do PT, (diziam que) a gente estava fazendo errado, não podia fazer. Me irrita ver pessoas inteligentes que engolem essa história de que a imprensa tem um lado. A imprensa não tem um lado, a imprensa dá notícias boas também, na medida do possível. Mas a maioria dos nossos leitores e da população sabe da correção do nosso trabalho. Sabe que a gente erra, sim, com pesar, e tenta corrigir o mais rápido possível. Com toda a franqueza, cada jornalista d'O Globo, do mais simples repórter até o diretor de Redação, se esforça para fazer o melhor, apurar todos os lados, para não errar. É disso que a gente vive, a nossa credibilidade está nisso.
O que você pensa sobre a atuação da imprensa na cobertura da Operação Lava-Jato?
Excepcional. A Lava-Jato é uma mudança de patamar na história do jornalismo brasileiro. O trabalho do juiz Sergio Moro e daquele grupo do Ministério Público é excepcional. Vivi grandes momentos do jornalismo brasileiro: as Diretas Já, a eleição do Tancredo, o impeachment do Collor, o mensalão. Acho que a gente só tem melhorado.
O papel dos jornalistas foi mais relevante no impeachment de Fernando Collor ou agora?
No impeachment do Collor, a gente trabalhou também como investigadores, tinha mais espaço. Muitas das decisões passaram pela CPI, não pelo Ministério Público, que também estava atuando. Hoje somos mais relatores, contadores das histórias que as investigações oficiais fazem, a gente não investiga tanto. Até porque eles estão sempre um, dois ou três passos na nossa frente. No impeachment do Collor, a gente estava do lado, ajudava na investigação.
Comenta-se que hoje os repórteres estão muito dependentes de vazamentos.
Há uma diferença entre vazamento e divulgação. Há alguns vazamentos, sim, mas a maioria das informações publicadas por nós sobre a Lava-Jato foi de divulgações oficiais de delações. O juiz fecha o processo, põe no site e informa a imprensa. Aí é uma questão de agilidade. Houve vazamentos importantes, que mudaram o rumo, mas aí é do jogo jornalístico. E às vezes o repórter foi lá e conseguiu a informação.