Cansadas de esperar um prometido reassentamento, cerca de 300 famílias que seguem vivendo no restante da antiga Vila Dique, na Zona Norte de Porto Alegre, agora pretendem lutar para continuar no lugar onde moram há mais de 30 anos e que está programado para desaparecer, desde o fechamento da Avenida Dique para a obra de ampliação da Avenida Severo Dullius. A área, um prolongamento de terra da extinta via que serve como dique da Capital, está em terreno particular – a cerca de 500m do Aeroporto Internacional Salgado Filho, seguindo até a Freeway com casas e casebres de ambos os lados. A meta dos moradores é ingressar com pedido de usucapião.
Entre 2009 e 2012, 922 famílias foram transferidas para uma nova comunidade próximo ao Porto Seco, e hoje batizada de Porto Novo. Na conta do Demhab, parte das outras 554 casas a serem construídas no local ficaria destinada às demais famílias na Dique. Até agora, isso não ocorreu. Quem ficou à espera da mudança sofre até hoje as consequências.
– A situação de quem continua na comunidade Dique hoje é a de viver em total desamparo pelo poder público. Não temos água, luz, iluminação pública, posto de saúde, creche, a cooperativa de reciclagem, padaria construída pela comunidade e o transporte para os filhos irem à escola – ressalta a recicladora e presidente da Associação de Moradores da Dique (Amodique), Scheila Motta.
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Scheila, 45 anos, é uma das inscritas para a remoção, mas não quer mais deixar a área onde passou a morar com os pais há 40 anos. Mãe de dez filhos, Scheila viu a família crescer e se espraiar pelos terrenos irregulares da Dique. Nenhum deles pensa em deixar o local.
– Com a ajuda da Defensoria Pública, descobrimos que a área onde estamos não pertence ao poder público. Vivemos em comunidade e com tranquilidade, não queremos ir para outra região. Vamos lutar para ganharmos o usucapião e urbanizarmos este espaço – afirma Scheila.
Terra particular
Para a defensora pública Luciana Artus Schneider, do Núcleo de Defesa Agrária e Moradia e que acompanha o caso, a possibilidade de pedido de usucapião cresceu no início deste ano, quando confirmou-se que o trecho pertence a uma área particular. Porém, Luciana ressalta dois motivos que impediriam judicialmente a solicitação dos moradores que resistem na antiga Dique:
– O principal deles é que a área é alagadiça e, por isso, precisamos confirmar se é de preservação permanente. Outra questão é por ser área de alto ruído e estar próxima do aeroporto.
Remoção sem data
Superintendente de Ação Social e Cooperativismo do Demhab, Maria Horácia Ribeiro afirma que não há possibilidade de os remanescentes continuarem no prolongamento da antiga Avenida Dique.
– Apesar de não termos legitimidade sobre o terreno, eles estão sobre um dique municipal. Um estudo do Ministério Público do Estado confirmou que é uma área inabitável. Eles não terão atenção do poder público – enfatiza Maria Horácia.
Segundo ela, uma empresa terceirizada foi contratada no ano passado para mapear as famílias. Porém, a empresa só conseguiu finalizar o levantamento no início deste ano. Das cerca de 300, 140 estariam dispostas a se mudar para o loteamento onde já estão os outros moradores.
– Ainda não há data prevista para a remoção deles, pois houve atraso na entrega da documentação. Eles serão reassentados posteriormente – completa a superintendente.
Enquanto a situação não se resolve, moradores como o reciclador Valtair Ramos da Silva, 50 anos, que vive na Dique há mais de 18 anos, seguem à espera de uma solução. Ele morava no trecho fechado para a obra da Severo Dullius e hoje está vivendo numa peça improvisada do outro lado da avenida desativada.
– Só quero ter o direito de morar em algum lugar, já que me tiraram da casa que eu fui erguendo durante anos – desabafa.