Você pode ver "Warcraft - O Primeiro Encontro de Dois Mundos" apenas como mais um concorrente na disputa ao público da temporada de verão. Adaptado da série superpopular de videogames, o filme (que a Universal lançará em dez de junho) mostra o conflito em um mundo mítico chamado Azeroth, no qual a humanidade tem que se defender de uma horda de orcs invasores. Com efeitos visuais complexos, sequências de luta grandiosas e um suposto orçamento de US$100 milhões, é um longa em que seus criadores estão apostando para criar a base da franquia.
Ao mesmo tempo, "Warcraft" é uma empreitada extremamente pessoal para o diretor, Duncan Jones; é um megaprojeto pelo qual o cineasta e gamer dedicado brigou apaixonadamente, mesmo com apenas dois filmes no currículo.
É também um trabalho que, ao longo de sua duração, abrangeu um período de tumulto e tragédia na vida de Jones. Quando começou a rodar "Warcraft", em 2012, tinha acabado de se casar com Rodene, depois de ela ter recebido o diagnóstico de câncer de mama e ter feito mastectomia dupla. Em janeiro deste ano, quando o filme estava quase concluído, seu pai, o astro do rock David Bowie, morreu de câncer.
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"Meu projeto começou e terminou com episódios de câncer", Jones afirmou, na entrevista que me concedeu há pouco tempo.
Agora, com "Warcraft" prestes a ser exibido nos cinemas e Rodene Jones se preparando para dar à luz o primeiro filho do casal mais ou menos ao mesmo tempo, é impossível para Jones encarar o longa – com subtramas envolvendo pais e filhos e um casal orc se preparando para receber o primeiro herdeiro – como resumo de algumas das melhores e piores experiências que já viveu.
"'Warcraft' vai marcar para sempre um período da minha vida que prezo muito e, ao mesmo tempo, odeio."
Em uma tarde de maio, em San Francisco, Jones disse isso sentado em uma sala de reuniões da Industrial Light & Magic, empresa de efeitos especial que ajudou a criar os cenários medievais e orcs em motion capture de "Warcraft".
Cercado de quadros brancos com rabiscos inspirados em "Guerra nas Estrelas" e equações matemáticas, Jones, barbudo, me recebeu com um sorriso largo e uma camiseta personalizada em que um orc recria a famosa foto de David Bowie tirada pela polícia, em 1976, quando foi detido por porte de maconha.
Apesar da linhagem famosa (ele é filho de Bowie com a primeira mulher, Angela), Jones é um diretor prestigiado por seus próprios méritos. Seu primeiro projeto, "Lunar" (2009), foi um suspense elogiado pela crítica, no melhor estilo Kubrick, estrelado por Sam Rockwell como um astronauta na solidão de uma base lunar.
O segundo, "Contra o Tempo", é um suspense com direito a viagem no tempo com Jake Gyllenhaal, e foi um sucesso comercial em 2011.
Jones, entretanto, confessa ter tido dificuldade de realizar os planos de um terceiro projeto e as únicas ofertas que recebia eram de sequências de filmes de outros diretores.
"Não queria investir no legado de outra pessoa. Queria fazer uma coisa só minha."
E a oportunidade veio com "Warcraft", que a produtora e distribuidora de games Blizzard Entertainment passou anos tentando fazer. Quando Sam Raimi abandonou a iniciativa, Jones mais que depressa se ofereceu para assumi-la, mas se decepcionou com roteiro.
"Era aquela fantasia batida de humanos bonzinhos e monstros vilões. Para mim, não tinha ali nada que mostrasse o que realmente é Warcraft e essa ideia de que há heróis dos dois lados."
Chris Metzen, vice-presidente do setor de desenvolvimento de histórias e franquias da Blizzard e que trabalha com os games Warcraft e World of Warcraft há mais de vinte anos, confirmou que a empresa buscava uma história mais equilibrada, que mostrasse "traços de humanidade" nos dois grupos de personagens.
"Disseram para a gente que o público não ia engolir esse tipo de coisa, mas aí chegou o Duncan e a primeira coisa que falou foi: 'Olha, para mim, tem que ser no esquema 50-50.' O pessoal quase pulou da cadeira de alegria", conta.
"Tudo bem que ele nunca tinha feito um filme do porte de 'Warcraft', mas ficou óbvio que era um geek como nós, um cara que já tinha passado um bom número de horas com World of Warcraft, e sacou o espírito da coisa", prossegue.
E Jones ainda teve uma experiência prática ainda mais crucial: bolar o roteiro ao lado de Charles Leavitt.
A Industrial Light & Magic levou vários meses para desenvolver a tecnologia motion capture que criaria os orcs gigantescos de presas na boca. Jones explica que só viu a primeira tomada com a criatura, concluída, depois de duas semanas de trabalho e que, nessa hora, deu "um grande suspiro de alívio".
Embora os trabalhos tenham começado nos estúdios com cara de hangar em Vancouver, a Legendary Entertainment, empresa que produziu o filme com a Atlas Entertainment, foi das mãos da Warner Bros. para a Universal, e foi vendida para o Grupo Dailan Wanda, um conglomerado chinês.
Com essas mudanças, o filme poderia enfrentar dificuldades. Jones confessa: "Fiquei morrendo de medo de ver um, dois, três anos da minha vida jogados fora, mas foi um alívio ver que não nos afetou".
"Warcraft", que teve um orçamento salgado e enfrenta uma concorrência acirrada na temporada, é considerado pelas publicações do setor, como a Hollywood Reporter, uma das estreias mais arriscadas do verão.
Apesar disso, Jones recebeu elogios do elenco por nunca se deixar afetar pelo tamanho do projeto, que exigiu muita imaginação para dominar e manipular os personagens e cenários que foram incluídos meses depois.
"Tinha hora que a gente estava ali, já preparado e tal, e tinha que perguntar para ele onde estava e o que tinha que fazer. Não dava para ter ideia, mas o Duncan sempre tinha todas as respostas. Ele passou tanto tempo se preparando que já tinha o filme inteiro na cabeça", conta Travis Fimmel, astro da série de TV "Vikings", atualmente em cartaz em "Maggie's Plan" e que interpreta o herói humano, Anduin Lothar.
Jones conta que Bowie, fã ávido de ficção científica e fantasia (e astro de filmes como "Labirinto"), o encorajara a assumir o projeto.
"Mostrei uma das primeiras versões, logo no comecinho, e ele ficou superempolgado e feliz por mim, achou incrível a forma como bolamos o visual. Fiz questão de explicar o processo todo, como fizemos as coisas."
"Claro que bate aquele nervoso na hora de mostrar para os pais as coisas em que você está trabalhando, mas ele tinha adorado 'Lunar' e 'Contra o Tempo'."
"Ele sempre me dá um apoio incrível", comenta.
Jones conta que ele e Metzen discutiram a possibilidade de desenvolvimento de uma trilogia se o primeiro "Warcraft" fizer sucesso; por outro lado, já decidiu também que, a seguir, dirigirá "Mute", uma ficção científica que quer fazer há anos, "um filme de orçamento mínimo", descreve.
Esse desejo de equilibrar superproduções com expressões menores, mais pessoais, é a cara de Bowie.
"Uma das coisas que meu pai sempre me disse foi: 'Não tem problema nenhum fazer um para eles e um para você.' Ele me ensinou muita coisa, mas essa é uma das que eu levo mais a sério."