Depois de mais de quatro anos de discussão no Senado, em fevereiro do ano passado, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) lançou o projeto Audiência de Custódia, para que presos em flagrante sejam apresentados a um juiz até 24 horas depois da prisão. A resolução 213/2015 passou a valer no Rio Grande do Sul em maio deste ano, após ser aprovada pelo Conselho de Magistratura.
Santa Maria passa a realizar audiências de custódia
Em Santa Maria, no primeiro mês de implementação, foram realizadas 39 audiências de custódia, porém, outras 15 acabaram frustradas por conta de os presos não terem sido apresentados. Por falta de estrutura e, principalmente, de verba, as sessões estão suspensas e não há previsão para que voltem a ocorrer normalmente.
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O juiz e diretor do Foro da Comarca de Santa Maria Rafael Pagnon Cunha diz que tanto o Fórum local não tem as condições necessárias para receber os presos, principalmente aos finais de semana, quanto a Superintendência de Serviços Penitenciários (Susepe) não consegue levar os detidos para as audiências. Principalmente por esses dois motivos, as audiências não estão sendo mais realizadas e não há previsão para que voltem a ser feitas.
– Não se propiciou um diálogo para ver as circunstâncias locais, simplesmente houve a ordem. Nós já tínhamos previsto as despesas para este ano, e não houve capacidade de organizar nada mais. Tivemos o azar de ser uma das comarcas escolhidas. Também não houve diálogo, não foi dada estrutura, e o que acontece é um fracasso. Ainda esbarramos na Susepe, que está em situação lamentável, com poucos agentes e com cortes de combustível, e que não tem condições de trazer os presos – avalia o juiz.
Apesar disso, o magistrado comemora o fato de a Susepe conseguir levar os presos para as audiências criminais normais, pois, se essas não forem realizadas, gera um grande prejuízo.
O delegado penitenciário regional, Anderson Prochnow, afirma que 100% das audiências normais são cumpridas, e que os presos designados para as audiências de custódia não estão sendo conduzidos por determinação do Departamento de Segurança e Execução Penal do órgão.
– Somos os únicos que cumprem todas as audiências normais. Na Região Metropolitana, há casos de 50% de não apresentações. Como não houve aumento de efetivo funcional, nem de horas extras, nem de combustível, não teríamos condições de atender a essa demanda (audiência de custódia) sem prejudicar as audiências normais – explica.
Além da falta de estrutura, o juiz Rafael Pagnon Cunha também critica o modelo do projeto, que coloca em questionamento o trabalho de todos os outros agentes envolvidos no processo de prisão, como a atuação dos delegados.
– O primeiro fiscal da legalidade da prisão é o delegado, e, com essa determinação, desvaloriza-se a função do delegado. Também se afirma que a figura do advogado, que acompanha o flagrante, não serviu para nada. Se houve algum problema na prisão, o preso tem que se queixar para o delegado ou para o advogado, mas essas figuras foram ignoradas. Essas audiências não contribuem em nada para o processo – lamenta o juiz.
Audiências analisam necessidade da prisão e possíveis irregularidades
Além da intenção de desencarceramento, já que o juiz analisa se há a necessidade da prisão, outro objetivo das audiências de custódia é avaliar se há alguma outra irregularidade na prisão ou até mesmo ocorrências de tortura ou maus-tratos. Nas quase três mil audiências realizadas no Estado até agora, pouco mais de 500 suspeitos foram liberados provisoriamente, e 269 alegaram violência no ato da prisão. Nesse sentido, para os advogados, a não realização das audiências é prejudicial tanto para quem é preso quanto para o sistema, já que possíveis prisões desnecessárias acabam gerando custo para o Estado.
Para o advogado Sérgio dos Santos Lima, que atua na área criminal, as audiências de custódia são importantes porque os presos sentem-se mais confortáveis para falar ao juiz do que na delegacia. Ele participou de uma audiência e teve outras 10 frustradas.
– Recentemente, presos de Porto Alegre foram transferidos para cá, e muitos foram soltos poucos dias depois, seria um gasto desnecessário. Mesmo que o preso esteja com o seu advogado, ele sente-se constrangido de falar algumas coisas, já que está ali com quem o prendeu. E as audiências de custódia iam resolver isso – afirma Lima.
Já o juiz Rafael Pagnon Cunha discorda:
– Os direitos do preso são observados e sempre foram observados. Nunca houve ilegalidades com a não apresentação física do preso. Se não fosse o caso dele estar preso, o magistrado não teria homologado o flagrante.
Os números em Santa Maria
- As audiências chegaram a ser realizadas na cidade no primeiro mês da implementação, mas, em junho, ainda não foram realizadas
- Em maio, foram realizadas 39 audiências
- Outras 15 foram designadas, mas os presos não foram apresentados
- No Estado, foram realizadas quase 3 mil audiências, de julho do ano passado até junho deste ano
O QUE SÃO AS AUDIÊNCIAS DE CUSTÓDIA?
- Em fevereiro de 2015, o Conselho Nacional de Justiça, em parceria com o Ministério da Justiça, lançou o projeto Audiência de Custódia, que consiste na garantia da rápida apresentação do preso a um juiz nos casos de prisões em flagrante
- A ideia é que o suspeito seja apresentado e entrevistado pelo juiz em uma audiência em que serão ouvidas também as manifestações do Ministério Público, da Defensoria Pública ou do advogado do preso
- Durante a audiência, o juiz analisará a prisão sob o aspecto da legalidade, da necessidade e da adequação da continuidade da prisão ou da eventual concessão de liberdade, com ou sem a imposição de outras medidas cautelares. O juiz poderá avaliar também eventuais ocorrências de tortura ou de maus-tratos, entre outras irregularidades
Fonte: CNJ