H decidiu que tinha que sair do apartamento da mãe no ano passado, depois que a irmã, viciada em drogas, pôs uma faca em sua garganta e ameaçou matá-la.
Arrumou as malas, pegou o filho de seis anos e ligou para o serviço de denúncia de violência doméstica.
Quando o atendente perguntou se ela tinha um lugar seguro onde deixar a gata, H congelou.
"Minha mãe está me falando que seu eu disser que tenho que levar a gata comigo, vocês não vão aceitar", respondeu com franqueza.
Leia mais
Presunto especial espanhol faz sucesso na China
Um país do Mediterrâneo onde as pessoas só engordam
Restaurantes de frutos mar buscam produtos sustentáveis
Até bem pouco tempo atrás, quem tinha algum animal de estimação e sofria algum tipo de violência invariavelmente tinha que escolher entre continuar com quem lhe causava mal e abandonar o bichinho porque nenhum abrigo os acolhia.
E a decisão prova ser desastrosa, pois o agressor usa o pet para controlar sua vítima. Em 2014, uma mulher no Queens foi morta pelo namorado depois que voltou para casa para proteger o cachorro. Em janeiro, um homem, também no Queens, foi acusado de matar o cachorro da namorada depois de ela ter anunciado que queria romper o relacionamento.
Uma pesquisa revelou que quase 70 por cento das mulheres que apanham disseram que seus agressores já tinham machucado ou ameaçado seus animais.
Porém, é cada vez mais forte a consciência de que os pets se tornaram peões no jogo, ou ciclo, da violência doméstica.
Agora há mais de 25 abrigos espalhados pelos EUA que aceitam que os animais vivam com seus donos e mais de cem oferecem estrutura para abrigá-los, embora esse número seja uma fração do total de instituições desse tipo.
Em 2013, uma ONG chamada Urban Resource Institute inaugurou o primeiro albergue em Nova York que permite às vítimas de violência doméstica viverem ali com seus bichos. "Eles são membros da família e ninguém, muito menos uma pessoa que está sofrendo violência, deveria ter que tomar a terrível decisão de deixá-los para trás numa situação de crise", afirma Nathaniel Fields, presidente da organização.
Acontece que o instituto conta com apenas 27 apartamentos em seu programa, chamado URIPALS (sigla em inglês para Pessoas e Animais Vivendo em Segurança), os únicos modelos desse tipo de moradia em um sistema municipal que recebe nove mil pessoas por ano.
E quando H (nome que ela e a direção do abrigo pediram que fosse usado para proteger sua anonimidade, por ser vítima da violência) e o filho se mudaram para o abrigo URI do Brooklyn, em maio, não havia vagas para animais. Por isso, a gata teve que ficar no apartamento da mãe dela, em Manhattan, para onde tinha ido em busca de refúgio da violência.
A situação era terrível. A irmã de H, dona original da gata, há muito tinha desistido de cuidar dela. A própria felina deixou de ser meiga para se transformar em uma fera reclusa, escondida pelos cantos a maior parte do tempo e tentando arranhar quem quer que se aproximasse.
Depois que H foi embora, a coisa ficou ainda pior: a irmã também ameaçou a mãe à base da faca e ficou um tempo na cadeia; a matriarca fugiu para a República Dominicana; outra irmã aparecia uma vez por dia para alimentar a bichana.
Foi quando H recebeu um telefonema de um homem a quem sua irmã devia dinheiro.
"Ele disse: 'Deu para perceber que saiu daqui, mas sabemos como atingi-la – e se você não deixá-la voltar, quem vai pagar é você.' Aí eu soube que ele ia até o apartamento e ia matar a minha gata."
Dias depois, H, uma mulher simpática e extrovertida de trinta e poucos anos que trabalha como coordenadora de uma empresa de assistência médica, foi visitar a bichinha (a quem se refere como Meia-Noite na entrevista para este artigo). Quando chegou lá, o local estava interditado; a polícia teve que deixá-la entrar. Quando o fez, viu que estava tudo destruído; os móveis, revirados; as portas, quebradas.
"Comecei a chamar, Meia-Noite, Meia-Noite, e nada."
H ficou arrasada – mas três dias depois, encontrou a gata em um abrigo, no East Harlem. "Eu já estava quase saindo quando ouvi o miadinho. Ela tinha reconhecido a minha voz!".
Depois de passar uma temporada no Mayor's Alliance for NYC's Animals, a felina finalmente pôde ir morar com H e o filho em uma suíte espaçosa e clara da mesma instituição, em cuja porta se lê "Apartamento que aceita animais".
Em um ambiente seguro e estável, não foi só H que descobriu uma vida nova; a gata também.
Em meados de 2015, o pai de H morreu e ela ficou surpresa quando a bichana preta, sempre tão arredia, se aproximou para consolá-la. "Quando me sentei no sofá, ela veio e colocou a cabecinha na minha perna e olhou para mim como quem dissesse: 'Está tudo bem.' Ela estava cuidando de mim."
Uma tarde, em março, H me levou a seu apartamento. "Ooh, querida, a mamãe chegou!", disse. A gata estava enrolada em sua cama. H a pegou no colo. "Ela é muito meiga". A pequena comeu os petiscos que H lhe levara.
Desde que o URIPALS começou, já abrigou mais de 40 famílias e 60 animais, geralmente cães e gatos, mas também algumas tartarugas. Há um espaço para os cachorros correrem nos fundos, patrocinado pela Purina.
"Quando a pessoa vive num abrigo para vítimas de violência pode ser meio complicado levar o cachorro para passear. Acaba encontrando outras pessoas com animais na rua, aí começa a conversar, o outro puxa papo, quer saber quando se mudou, onde mora, desde quando e tal. Nossa intenção é dar às pessoas segurança, mas também a oportunidade de conviver e estar ao ar livre com o animal", explica Abby Tuller, diretora dos programas de proteção às vítimas de violência doméstica do instituto.
Jasmin Rivera, ex-professora de História de 41 anos, passou quase dois anos no abrigo do Brooklyn depois de deixar o namorado que lhe quebrou o tornozelo em um ataque que durou duas horas, testemunhados pelos dois Shih Tzus dela, que ficaram aterrorizados.
"Eu precisava de um lugar onde pudesse me curar e meus cãezinhos também. Quando me mostraram o parque e me ofereceram ajuda, pensei: 'Ah, meu Deus, é perfeito.' Porque não fui só eu que sofri; eles também passaram maus bocados."