A última vez que o segurança aposentado Nelson Fernandes de Oliveira, 65 anos, recebeu cartas em casa foi em 11 de março. Vivendo há quase 40 anos no Bairro Marrocos, em Gravataí, e a 4km de um dos Centros de Distribuição dos Correios (CDDs) no município, nunca passou por tantos transtornos por ter a caixa de correspondência vazia. Há contas que já venceram pelo segundo mês consecutivo sem que a fatura chegasse na sua casa. Histórias como a de Nelson se repetem em outros endereços.
O Diário Gaúcho tem recebido inúmeras reclamações sobre o problema. Elas se concentram nas cidades de Alvorada, Viamão e Gravataí e em bairros da Zona Sul da Capital, como Aberta dos Morros, Santa Tereza e Hípica. Só o Procon de Porto Alegre registrou 185 reclamações de extravio ou atraso de entregas do Correio no último ano. A reclamação é sempre a mesma: correspondências que chegam após a data do vencimento da fatura ou que nem chegam.
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Correspondências paradas
Apenas em um dos CDDs de Gravataí, estima-se que há 50 mil correspondências paradas. Por dia, circulam 30 mil cartas pelo local. Funcionários que preferem não se identificar afirmam que a ordem interna é priorizar as correspondências de envio registrado – quando o destinatário precisa assinar o recebimento e a empresa recebe multa por atraso na entrega –, enquanto as postagens simples – como faturas de cartão de crédito, boletos em geral e contas de telefone – ficam em segundo plano e, por isso, acabam sendo entregues com atraso.
Os Correios, porém, negam que um serviço seja priorizado em detrimento de outro. Em nota, informaram que "fazem a gestão da entrega de cartas registradas e simples conforme os prazos de entrega dos objetos".
Quatro idas ao CDD para conseguir as correspondências
Não bastasse ficar sem receber as correspondências em casa, a consultora de beleza Mara Berenice Marques, 45 anos, ainda padece ao tentar retirar suas cartas no Centro de Distribuição Domiciliar dos Correios, no Centro de Gravataí. Sem entrega há mais de dois meses no Loteamento da Lagoa, ela tem ido frequentemente até o local.
Ela relata que, no dia 25 de abril, chegou às 15h30min no CDD, mas, devido à fila não conseguiu ser atendida até às 17h, quando o serviço encerra. Retornou no dia seguinte, às 10h, duas horas antes do início do atendimento. Aguardou na rua junto com os demais, enfrentando chuva e frio.
– Não tem outra alternativa, não sei para quem reclamar. Tenho vindo direto ao CDD – lamenta.
Falta de pessoal atrasa processo
Segundo os Correios, em 11 cidades da Região Metropolitana – Porto Alegre, Canoas, Gravataí, Novo Hamburgo, São Leopoldo, Viamão, Alvorada, Cachoeirinha, Esteio, Guaíba e Sapucaia do Sul – o efetivo atual de carteiros é de 1.451 trabalhadores, dos quais 62 estão afastados por problemas de saúde pelo INSS. Há dez anos, eram 1.730 pessoas. Uma diferença de 19%. A empresa argumenta, porém, que os números de 2006 e 2016 não têm relação direta devido ao redimensionamento dos processos de trabalho e à diminuição do volume de carga de correspondências.
De 2013 para 2015, segundo os Correios, o volume de unidades de cartas caiu de 416 milhões para 401 milhões no Rio Grande do Sul, uma diferença de 3%. Um estudo logístico dos Correios, que leva em conta o volume de objetos e a extensão dos locais de entrega, aponta a necessidade de 1.532 carteiros para essa região – logo, faltariam 81 carteiros.
O secretário de assuntos jurídicos do Sindicato dos Trabalhadores em Correios e Telégrafos do RS (Sintec-RS), Rodrigo Alves, contesta os números fornecidos pela empresa e garante que a defasagem de pessoal é muito maior, embora não tenha números exatos:– Esta falta atrasa todo o processo, desde a triagem até a entrega. Os funcionários estão sobrecarregados.
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"Nos perguntam se estamos em greve"
Entre a categoria, o sentimento é de que a situação, que vinha se agravando há dois anos, está pior. Com muito trabalho para pouca gente, as postagens simples viraram uma bola de neve.
– O cliente não conhece os Correios, só o carteiro. Somos nós que estamos expostos. Hoje, um faz o trabalho de três – relata um carteiro com mais de 20 anos de profissão.
Com o excesso de trabalho e falta de pessoal, os carteiros ficam menos tempo na rua, fazendo entregas, pois a triagem é cada vez mais demorada. Se, no passado, o período de entrega na rua chegava a quatro horas e meia por dia, hoje caiu pela metade.
– Já me negaram até água porque estava entregando uma correspondência em atraso. Nos perguntam se estamos em greve – comenta outro trabalhador, com oito anos de Correios.
Como não há previsão de concurso público – o último foi realizado em 2011 – a empresa prevê a contratação de 89 empregados temporários.