O emprego de carteira assinada virou luta por direitos e sobrevivência para 58 trabalhadores da Mina Verdinho, localizada em Forquilhinha, no Sul de Santa Catarina. Eles se revezam diariamente na jazida de carvão que teve sua produção esgotada no final de 2015, após 42 anos de atividade. Os proprietários da Carbonífera Criciúma, empresa responsável pela mina, são acusados de abandono pelo Ministério Público Federal (MPF). Além de uma dívida trabalhista de R$ 16 milhões, há o impacto ambiental que pode chegar a R$ 175 milhões, segundo a procuradoria.
"Não estamos escondidos", afirma sócio de carbonífera
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Decisões recentes da Justiça Federal já determinaram o bloqueio de bens dos sócios e a responsabilização de órgãos federais e estaduais, mas ainda cabe recurso. Enquanto isso, os trabalhadores viram minguar, em poucos meses, o salário que pingava regularmente na conta. Para muitos, isso significou atraso nas contas.
– Estamos sem receber desde o ano passado. Sobrevivemos com as pequenas coisas que vendemos da mina, mas não chega a dar um salário no final do mês. Quase fui preso por atrasar a pensão dos meus filhos e estou com dois meses de prestação da casa em atraso _ relata o auxiliar de serviços gerais, Valmir Eugênio Mota, 53.
São mais de 700 ex-funcionários na mesma situação. A saída para muitos foi procurar emprego em outras carboníferas do Estado, que representa 40% da produção nacional de carvão mineral. No entanto, para alguns trabalhadores, como o técnico em segurança do trabalho Fernando Marinho, 36, o tempo de serviço afasta propostas de emprego.
– Quem trabalha dentro da mina se aposenta com 15 anos de trabalho. Faltam apenas oito meses para eu alcançar esse tempo, então nenhum chefe quer contratar alguém tão próximo da aposentadoria _ explica.
Apesar de não sair mais carvão da jazida, Valmir, Fernando e outros 56 trabalhadores vão de segunda a sexta, e em alguns fins de semana, para a Mina Verdinho. Eles tomam conta de um patrimônio valioso que ainda está sob a terra: o maquinário deixado pela empresa. Os funcionários também cuidam da drenagem da mina, evitando que os equipamentos sejam danificados pela água. Com valor estimado em R$ 30 milhões, as máquinas podem garantir o pagamento da dívida trabalhista. As correias de borracha custam cerca de R$ 90 por metro quadrado. O minerador contínuo pode valer R$ 4 milhões. Isso chama a atenção de compradores, mas também de bandidos, explica Antônio Córdova de Oliveira, 40 anos:
– Nos revezamos para descer à mina e também na vigilância na portaria. Já tentaram roubar equipamentos e incendiaram uma ambulância particular da empresa.
Além de garantir o próprio ganha-pão, os mineiros ajudam a evitar um impacto ambiental ainda desconhecido. A água em contato com o minério tem acidez alta e pode afetar o lençol freático e a terra. Sem um Plano de Fechamento _ estudo que estabelece as consequências e a recuperação ambientais _, especialistas afirmam que não há como prever o que pode acontecer em caso de inundação da mina.
Recuperação ambiental pode chegar a R$ 175 milhões, afirma MPF
Os funcionários que sobraram na Mina Verdinho se alternam para garantir o funcionamento de duas bombas que drenam cerca de 400 mil litros por minuto do fosso. A água que sai é amarelada devido ao contato com o minério chamado pirita. O líquido tem acidez elevada e pode representar um risco ao meio ambiente em caso de inundação da mina. O procurador da República em Criciúma, Anderson Lodetti de Oliveira, é autor de uma ação civil pública protocolada no começo de 2016 que critica a falta de um Plano de Fechamento da mina, que incluiria, por exemplo, ações de recuperação ambiental.
– A mina foi utilizada por mais de 40 anos, e os proprietários não fizeram esse trabalho de prevenção ambiental. Agora o passivo pode chegar a R$ 175 milhões _ diz o procurador.
Outra ação movida pelo MPF contra a Carbonífera Criciúma, em 2015, pediu o bloqueio de bens dos três sócios da empresa: Alfredo Gazzolla, Wolfgang Friedrich e José Luiz Freitas de Castro. A procuradoria aponta transferência de bens desses sócios a parentes para evitar a perda judicial dos imóveis. A Justiça Federal deu liminar favorável ao MPF em setembro do ano passado.
– Houve o bloqueio, principalmente de imóveis e veículos, dos sócios e de seus familiares para garantir o custeio da recuperação ambiental. Mesmo assim, esses bens não chegam a R$ 30 milhões, então ainda falta muito para cobrir todas as despesas _ calcula Oliveira.
Além das ações do MPF, o passivo ambiental gerado pela carbonífera é alvo de um inquérito criminal aberto pela Polícia Federal (PF) em março deste ano. O delegado da PF em Criciúma, Edgard Butze Grudtner, diz que a pena para o crime ambiental pode variar entre um e quatro anos.
– Já ouvimos os sócios e estamos na fase de realização da perícia na mina. Há risco ao meio ambiente tanto pela água ácida quanto pelo óleo em alguns equipamentos que ainda estão no fosso _ explica Grutdner.
Doutor em geologia, o professor da UFSC Juan Altamiro Flores conta que apenas um estudo geológico pode esclarecer o tamanho do impacto ao meio ambiente na região caso a mina inunde.
– Até qual nível a água pode chegar é difícil de precisar. Teoricamente, não deveria haver pressão para ela ultrapassar o nível do lençol freático, mas isso é uma hipótese que deve ser estudada _ comenta o professor.
Santa Catarina é o segundo maior produtor do país de carvão mineral e tem mais de 800 bocas de minas deste tipo de minério, entre ativas e inativas. Uma ação de 1993, batizada de ACP do Carvão, abordou o impacto ambiental desta atividade e resultou em multas milionárias para proprietários de 13 carboníferas no Estado. O procurador Anderson Lodetti de Oliveira informa que outras duas minas devem passar pelo processo de esgotamento nos próximos anos e há o risco de a história de descaso ambiental se repetir.