No início, o ataque tinha todas as marcas registradas de um assalto do Boko Haram. Combatentes armados entraram em uma cidade na fronteira com a Nigéria, atirando em todos os homens que encontravam pelo caminho.
Mas desta vez, ao invés de queimarem casas e sequestrarem pessoas, os combatentes roubaram vacas, cabras e qualquer tipo de alimento que conseguissem encontrar, fugindo em seguida com tudo o que juntaram.
O Boko Haram, grupo de extremistas islâmicos que aterroriza esta parte do mundo, está em plena estação de caça – desta vez por comida.
Leia mais
Presunto especial espanhol faz sucesso na China
Um país do Mediterrâneo onde as pessoas só engordam
Restaurantes de frutos mar buscam produtos sustentáveis
Depois de anos de campanhas em toda a região, onde forçaram mais de dois milhões de pessoas a deixarem suas casas e propriedades rurais, o Boko Haram parece estar se convertendo em vítima da enorme crise alimentar que eles mesmos criaram.
Os agricultores fugiram, deixando atrás de si campos improdutivos. Os pastores levaram o gado para longe, para evitar a violência do grupo. Em toda a região, vilarejos inteiros foram esvaziados e agora restam apenas cidades-fantasma com poucas pessoas para o Boko Haram dominar – e quase nada para o grupo saquear.
– Eles precisam de comida. Eles também têm que comer. Estão roubando tudo o que encontram, afirmou Midjiyawa Bakari, governador do Extremo Norte de Camarões, a respeito do Boko Haram.
Em muitas partes do nordeste da Nigéria e em regiões fronteiriças como o Extremo Norte, o comércio foi interrompido e dezenas de milhares de pessoas estão à beira da fome, de acordo com autoridades da ONU. Os mercados fecharam as portas porque os fornecedores não têm nada para vender e, mesmo que tivessem, muitos compradores temem que o Boko Haram envie homens-bomba em ataques suicidas no meio da multidão.
A busca por comida parece ser parte do que está levando o Boko Haram para o interior de Camarões, de acordo com uma análise do Departamento de Estado dos EUA a respeito dos ataques realizados nas primeiras semanas deste ano.
– Eles começaram a atirar, atirar, atirar para todos os lados, afirmou Matte Bama, lembrando da noite em que o Boko Haram atacou sua cidade, Amchide. Agora ela vive em uma casa com 23 outras pessoas, se perguntando quando poderá voltar para seu lar. – Eles levaram nosso gado. Levaram tudo e foram embora.
Esses ataques têm se tornado cada vez mais comuns nas áreas próximas à base do Boko Haram no nordeste da Nigéria. Uma campanha militar realizada pelo governo da Nigéria e seus vizinhos afastou os islamistas dos vilarejos que controlavam. Agora, as autoridades afirmam que os militantes buscam os parcos alimentos presentes na Floresta de Sambisa durante a seca, ou têm de saquear o que encontram pelo caminho.
– As rotas de fornecimento estão bloqueadas. Eles estão famintos, afirmou o Brigadeiro General Rabe Abubakar, porta-voz do exército nigeriano.
Recentemente, dezenas de combatentes famintos do Boko Haram se entregaram, junto com inúmeras mulheres e crianças cativas, a membros do exército da Nigéria, uma situação que as autoridades imaginam irá se repetir nas próximas semanas.
– Eles não têm para onde ir, afirmou Abubakar.
Mas embora alguns membros do Boko Haram estejam em más condições, os combatentes ainda são capazes de realizar ataques devastadores, cujos resultados podem ser observados no hospital de Maroua, a capital do Extremo Norte. Vítimas de queimaduras e estilhaços dos ataques recentes em diversas cidades se recuperam. Uma jovem está em coma, com os cabelos arrumados em tranças perfeitas.
Até o verão do ano passado, quando começaram os ataques suicidas no Extremo Norte de Camarões, os problemas mais comuns registrados no hospital eram dores de estômago e acidentes de motocicleta. Eles nem tinham um cirurgião. Uma equipe da Médicos Sem Fronteiras chegou para instalar uma enorme tenda de triagem e, em janeiro deste ano, um grupo do Ministério da Saúde foi até lá para treinar os funcionários do hospital no tratamento de ferimentos de guerra. Agora o hospital foi convertido em uma clínica de zona de conflito, com um cirurgião em tempo integral e muitas outras coisas planejadas.
Operações conjuntas realizadas recentemente pelos militares camaroneses e nigerianos capturaram a mataram inúmeros combatentes, recuperando cintos usados por homens-bomba, armas e equipamentos para a fabricação de minas. As autoridades esperam pressionar os militantes nos dois lados da fronteira, deixando-os sem rota de fuga possível.
Contudo, a força militar multinacional – que inclui o Chade, o Níger e o exército norte-americano em papel de assessoria – muitas vezes tem dificuldades para manter os territórios que foram reconquistados.
Em Camarões, os soldados expulsaram os combatentes do Boko Haram da cidade fronteiriça de Kerawa, em outubro, mas desde então ela foi atacada outras seis vezes pelo grupo, com um jovem sendo decapitado em um dos ataques. Em fevereiro, um homem-bomba entrou em Kerawa e explodiu atrás de uma casa, matando um alfaiate. De acordo com o relatório do Departamento de Estado sobre o caso, o homem-bomba estava a procura de um grupo com muitas pessoas para matar, mas depois de tantos ataques na cidade, as ruas estavam vazias.
O grande deslocamento de pessoas causado pelo Boko Haram – e às vezes pela campanha militar indiscriminada para eliminá-lo – deixou 1,4 milhão de pessoas na região sem acesso adequado a alimentação, de acordo com as Nações Unidas. No estado de Borno, no nordeste da Nigéria, onde a situação é mais problemática, as organizações humanitárias afirmam que 50 mil pessoas estão a um passo da fome crônica. Ao longo da fronteira com o Chade, os agricultores geralmente trocam as pimentas que plantam por cereais e grãos importados. Contudo, os campos de pimenta foram abandonados e não sobrou muito para realizar os escambos.
– Estamos falando de uma crise de larga escala em regiões muito remotas. Não é um problema de hoje. É um problema que vai se agravar se não for contido agora, e não vejo uma forma de resolvê-lo no futuro próximo, afirmou Denise Brown, diretora regional na África Ocidental e Central junto ao Programa Alimentar Mundial.