Ao assegurar que o impeachment em discussão na Câmara se trata de "golpe" e que sua origem está em um ato de "vingança" de Eduardo Cunha (PMDB-RJ), o ministro da Advocacia-Geral da União (AGU), José Eduardo Cardozo, cobrou o arquivamento do processo contra presidente Dilma Rousseff.
Em quase duas horas de fala aos deputados na comissão especial do impeachment, na tarde desta segunda-feira, Cardozo afirmou que afastar a presidente seria um "erro histórico", alegou falta de bases jurídicas na denúncia, rebateu acusações sobre pedaladas fiscais e decretos de crédito suplementar e apontou desvio de finalidade cometido pelo presidente da Câmara, chamado de "chantagista".
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Em tom duro, o ministro lembrou que Cunha só aceitou o pedido de afastamento depois que o PT anunciou voto a favor da abertura do processo por quebra de decoro contra o peemedebista no Conselho de Ética da Casa.
– O presidente Eduardo Cunha usou da sua competência para fazer uma vingança e uma retaliação à chefe do Executivo – afirmou. – O ato de abertura do processo está viciado e, portanto, é anulável.
Feita a defesa de Dilma, o relator Jovair Arantes (PTB-GO) pretende apresentar seu parecer até sexta-feira. A expectativa é de que a abertura ou não do processo seja votada no plenário da Câmara a partir do final da próxima semana.
Na reunião do colegiado para Dilma se defender, a tarde foi longa e de muita discussão. Diante dos ânimos exaltados, o presidente da comissão, Rogério Rosso (PSD-DF), ironizou ao dizer que serviria suco de maracujá para os deputados. A reunião começou consumiu três horas de bate bocas entre governo e oposição na forma de questões de ordem. A oposição tentou impedir Cardozo, como AGU, de fazer a defesa da presidente, pedido negado por Rosso.
Os argumentos de Dilma foram protocolados por escrito, em quase 200 páginas, e apresentados pelo ministro, que trouxe uma mescla de posicionamentos jurídicos e de frases de efeito. Cardozo afirmou que a peça inicial da denúncia é marcada "por profundos vícios" e "bastante fraca". Ele frisou que a denúncia não atende aspectos exigidos pela Constituição, que não há ato doloso da presidente e nem sequer tipificação do crime de responsabilidade:
– Se não for tipificada, a tentativa de impeachment é golpe sim.
O ministro elencou o que considera erros na condução do processo, como a alegação de que Dilma não foi intimada para apresentar a defesa. Cardozo ainda afirmou que o afastamento poderá empossar um governo sem legitimidade:
– Se o povo não foi às urnas, não há legitimidade para novo governo que resulte do golpe.
A AGU destacou que é um "equívoco grosseiro" dizer que o processo de impeachment é apenas político. Ele frisou que quase totalidade da denúncia, baseada nas pedaladas fiscais, trata de atos do mandato anterior de Dilma, que não podem ser alvo do pedido. O ministro seguiu na linha de titular da pasta da Fazenda, Nelson Barbosa, que na semana anterior refutou as acusações de crime de responsabilidade. A AGU negou qualquer operação de crédito entre União e bancos públicos nos repasses de recursos de programas sociais.
Cardozo dedicou parte da sua fala para tratar da edição de decretos de crédito suplementar publicados em 2015, citados na acusação. Segundo o ministro, a operação atendeu pareces jurídicos e não carecia de aprovação do Congresso, já que resultou em remanejamento de recursos, sem gastos extras do orçamento. A AGU ponderou que a prática é comum em Estados e municípios, destacando que o governador de São Paulo, Geraldo Alckmim (PSDB), também baixou decretos.
– Se a Casa decidir aceitar o impeachment, haverá processos em todo o país para governadores e prefeitos _ disse.
Cardozo assegurou que o Planalto cumpriu a meta fiscal de 2015, com a mudança aprovada pelo Congresso. Ele afirmou que outros governos, como o de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), usaram o mesmo expediente.
A oposição rebateu a argumentação do ministro. Para Darcísio Perondi (PMDB-RS), ele não convenceu por interpretar a Constituição com as "fibras do coração petista". Jerônimo Goergen (PP-RS) criticou o que considera um descaso do Palácio do Planalto com a legislação:
– Para o governo, a lei de responsabilidade fiscal não tem valor algum. Cardozo ainda usou o tempo para fixar a absurda imagem de golpe.
Em parte da oposição ficou o receio de que, caso impeachment seja aprovado, o governo tente derrubar o caso no Supremo Tribunal Federal (STF). O tucano Carlos Sampaio (SP) considera improvável uma vitória do Planalto na Corte:
– O ministro jogou para a torcida, afirmou que não houve intimação e prejuízo à defesa. Na Câmara, só se discute abertura do processo, que ocorre no Senado, onde ela vai se defender de fato. O Supremo não acataria essas alegações.
Confira como foi a sessão na Câmara dos Deputados: