Quem circula diariamente pelo Centro da Capital já deve ter percebido que está bem mais complicado caminhar pelas calçadas. Em pleno horário comercial, é preciso disputar espaço com ambulantes irregulares, que oferecem todos os tipos de produtos, desde tênis e bolsas falsificados, cigarros, DVDs piratas, passando por cadeados, panos de prato, fones de ouvido, brinquedos e até hortigranjeiros.
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O descontrole da ação dos populares caixinhas é percebido pela população e lojistas desde o fim do contrato entre a Secretaria Municipal de Indústria e Comércio (Smic) e a Brigada Militar, em outubro do ano passado. O Diário Gaúcho denuncia o problema há mais de uma década.
Enquanto os camelôs ilegais parecem se multiplicar a cada dia, desafiando as autoridades, a fiscalização é praticamente inexistente – atualmente, há apenas 35 fiscais para atender toda a Capital.
O Diário Gaúcho percorreu as vias de maior movimento da área central de Porto Alegre durante duas semanas e flagrou inúmeros ambulantes com suas mercadorias expostas de maneira improvisada sobre caixas de papelão, caixotes de madeira ou lonas estendidas no chão, obstruindo a passagem. No vaivém da multidão, a clientela experimenta produtos, negocia preços e mantém a cadeia da ilegalidade.
Calçadas tomadas
Numa caminhada de cerca de duas horas pelo Centro na tarde de 14 de abril, a reportagem contabilizou na calçada da Avenida Borges de Medeiros, no sentido bairro-Centro, entre a Avenida Salgado Filho e a Rua da Praia, mais de 20 bancas oferecendo os mais diversos produtos. No mesmo período, nenhum fiscal da Smic foi localizado.
– Desde quando terminou o convênio entre a Brigada Militar e a Smic, os camelôs voltaram com tudo para a rua, as calçadas estão tomadas e está aumentando a cada dia. Além de tirar os nossos clientes, atrapalha a circulação no Centro – observa o administrador de um centro comercial da Rua Voluntários da Pátria, que pediu para não ser identificado.
A Borges de Medeiros não é o único endereço no qual os camelôs sem autorização para atuar estão estabelecidos. Há caixinhas por toda extensão da Rua Voluntários da Pátria – inclusive diante do Camelódromo e também no antigo endereço dos camelôs no Centro, a Praça XV – na Salgado Filho, Rua da Praia, Marechal Floriano, entre outras. Na Borges, com o fechamento do edifício Guaspari para reforma, por exemplo, a calçada foi tomada por artesãos e vendedores irregulares de bijuterias e outros produtos.
Descontrole de ambulantes favorece a violência
Além da mobilidade prejudicada pela presença dos caixinhas, quem se desloca a pé pelo Centro tem percebido a escalada da violência.
– Facilita a insegurança porque são barreiras físicas (as bancas irregulares). E não se tem controle. Desde o início deste ano, não vejo ninguém da Smic – observa a funcionária de um escritório do Centro.
Em fevereiro deste ano, o Diário Gaúcho publicou reportagem mostrando que, a cada 47 minutos, um pedestre registrou ocorrência por assalto ou furto na área central de Porto Alegre em 2015.
– A presença dos ambulantes irregulares provoca cenários de insegurança porque tomam conta da calçada e facilita a ação de delinquentes – observa o tenente-coronel Marcus Vinicius Gonçalves Oliveira, comandante do 9º BPM, que atua no Centro.
O comandante confirma o fim do convênio e afirma que quem deveria acompanhar a Smic na fiscalização seria a Guarda Municipal. O titular da Smic, Antonio Kleber de Paula, rebate dizendo que há empecilhos legais para que a Guarda auxilie os fiscais.
– Já temos a queda nas vendas em função dos assaltos no Centro e agora os camelôs estão tomando conta – lamenta Paulo Kruse, presidente do Sindilojas Porto Alegre.
Feira livre em plena Salgado Filho
Se os hortomercados como o Parobé, o do Terminal da Conceição e o do Camelódromo foram criados com o objetivo de organizar o comércio ambulante de hortigranjeiros do Centro da cidade num só local, a Smic precisa, em breve, pensar em um local para abrigar todos os feirantes que encontraram nas movimentadas calçadas da Avenida Salgado Filho um novo espaço para vender frutas e verduras na área central.
No meio da tarde, disputando espaço com as filas de passageiros aguardando ônibus em toda extensão da calçada e os pedestres, feirantes não apenas montavam suas bancas como preparavam as embalagens dos produtos a serem oferecidos ao consumidor.
Na Salgado Filho, esquina com a Rua Marechal Floriano, além dos caixotes de madeira havia espaço para um carrinho de supermercado. Naquele ponto, os feirantes aproveitam que a loja da esquina está fechada para espraiar seu comércio.No dia último dia 14, por exemplo, por volta das 16h, havia pelo menos nove bancas de frutas e verduras ao longo da Salgado Filho.
Crise motivou aumento de irregulares
Para Paulo Kruse, presidente do Sindilojas Porto Alegre, o volume de ambulantes irregulares no Centro aumentou desde março deste ano.
– Com a crise e o desemprego, as pessoas estão fazendo isso para ter renda.
De acordo com o presidente, há relatos de lojistas que tiveram a porta de seus estabelecimentos obstruída pela presença de caixinhas. O prejuízo é estimado entre 5% e 6% para o comércio regularizado que tem ambulantes ilegais por perto, percentual considerado alto para a época de crise econômica.
O próximo passo, conforme o presidente, será solicitar a ajuda da Polícia Civil.
– Se não for coibido, vamos perder o controle. E o comerciante estabelecido, que dá emprego, paga impostos, pode desaparecer – destaca.
Smic reconhece impotência
– Enfrentamos uma crise econômica de proporções que não conseguimos mensurar ainda e o reflexo é o aumento das atividades informais. Estamos sendo atropelados pelo número de ambulantes, o aumento dessa atividade de dezembro para cá é assustador – afirma o titular da Smic, Antonio Kleber de Paula, destacando que o problema ocorre em outras capitais também.
O secretário reconhece que o número reduzido de fiscais prejudica a contenção dos irregulares, que também se espalham por outros pontos da cidade, como a Avenida Assis Brasil. Segundo ele, o novo convênio com a Brigada Militar está sendo examinado pelo setor jurídico do Estado.
– Estamos sendo impotentes no combate porque a causa é mais ampla. Temos uma defasagem estrutural que é inversamente proporcional às atividades (dos caixinhas).
Como medida a curto prazo, a Smic pretende fazer uma fiscalização seletiva, no sentido de combater a venda de produtos considerados mais nocivos ao comércio formal, que já sente os efeitos do aumento da presença dos caixinhas. Um exemplo é o comércio ilegal de óculos de grau. As entidades que representam os comerciantes estabelecidos vão oferecer subsídios para auxiliar a Smic na fiscalização.
– É terrível, é o caos. Em determinados momentos, é um mercado persa – reconhece Antonio Kleber.
Caixinhas culpam desemprego
No discurso dos caixinhas, o desemprego e a crise são a principal justificativa. Um dos vendedores de frutas da Avenida Salgado Filho conta que trabalhava como porteiro mas foi demitido no ano passado. Sem conseguir se recolocar no mercado de trabalho, está há dois meses vendendo frutas. Ela conta que comercializa entre R$ 300 e R$ 400 por dia e que repassa um valor para terceiros, seriam os "responsáveis pelo ponto". Ao Diário Gaúcho, disse que a situação é provisória:
– O que quero mesmo é um emprego com carteira assinada, mas está muito difícil.
A multiplicação de caixinhas e o consequente aumento da concorrência tem assustado outro vendedor ambulante, de 61 anos, 20 deles na atividade. Sem ponto fixo, circula entre o Centro e a Avenida Assis Brasil e garante que não é "incomodado" pela fiscalização da prefeitura. Vende pano de prato, manta e meias, enquanto no verão oferece brinquedos. Ele diz que de um ano para cá, o número de vendedores aumentou e ficou mais difícil ganhar dinheiro:
– Fica todo mundo amontoado, é muita gente nova querendo vender também.
Veja onde estão os caixinhas e os produtos oferecidos
O Diário Gaúcho denuncia o problema há mais de uma década
A atividade, proibida por lei, não é novidade: o Diário Gaúcho denuncia o problema desde 2000. Outra questão recorrente no que diz respeito aos caixinhas é o convênio entre Smic e Brigada Militar que, ao longo dos últimos anos foi assinado e não renovado por diversas vezes.
Outubro de 2005: estimativas da Smic davam conta de que havia 1,3 mil vendedores irregulares, contra 700 legalizados no Centro. Anúncio de convênio de cinco meses assinado entre Smic/BM aumentou de três para 35 o número de policiais militares no apoio aos fiscais.
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Novembro de 2005: depois do início do convênio, reportagem localizou caixinhas apenas na Rua da Praia e Praça Osvaldo Cruz e flagrou a correria dos irregulares diante da fiscalização.
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Fevereiro de 2009: Camelódromo foi inaugurado. Na ocasião, 800 camelôs regulares foram retirados das ruas para o centro popular de compras.
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Abril de 2009: vendedores irregulares desafiavam as autoridades oferecendo relógios, DVDs, calculadoras, entre outros produtos diante do Camelódromo. Após o fim do convênio entre Smic/BM, em 2008, a parceria não havia sido renovada.
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Julho de 2009: comércio irregular flagrado em vias como Voluntários da Pátria, Andradas com Doutor Flores, Andradas com Marechal Floriano, Andradas com General Câmara. Smic dizia estar identificando os caixinhas por meio de fotografias e reclamava a dificuldade de autuá-los porque não expunham as mercadorias, mas mostravam apenas num catálogo.
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Julho de 2009: DG comprou um par de tênis falsificado. Na época, os caixinhas mostravam o produto apenas num catálogo para evitar apreensões.
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Dezembro de 2009: reportagem denunciou ambulantes irregulares na Rua da Praia, Otávio Rocha, Marechal Floriano, Borges de Medeiros, Voluntários da Pátria e a Smic passou a fazer a fiscalização em três turnos na área central.
Novembro de 2010: caixinhas continuavam vendendo livremente seus produtos piratas no Centro, inclusive na frente do Camelódromo. Smic reconhecia a falta de fiscais. Onde deveriam atuar de 70 a 80 fiscais, havia apenas 21.
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Março de 2011: com o fim do convênio Smic/BM, ambulantes irregulares tomaram a Borges de Medeiros, esquina da Marechal Floriano e Otávio Rocha, Rua da Praia e Voluntários da Pátria.
Abril de 2011: reportagem comprou um par de óculos de grau na esquina da Otávio Rocha com Marechal Floriano. Smic, na oportunidade, falava da necessidade de ter um policial junto da fiscalização para fazer a revista dos caixinhas que escondiam as mercadorias junto ao corpo. Por uma diferença de R$ 500 mil, Smic e BM não haviam renovado o convênio, terminado em fevereiro.
Setembro de 2011: o território entre a Praça XV de Novembro, o Largo Glênio Peres e as ruas Voluntários da Pátria, Marechal Floriano, Otávio Rocha, Doutor Flores e Andradas era dominado por contraventores. Smic esperava havia um ano pelo contrato entre Smic/BM, para atrelar 50 PMs à fiscalização. O atraso foi ocasionado por divergência no contrato.
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Outubro de 2012: reportagem mostrou que havia aumentado o número de camelôs ilegais. Eram vistos nas ruas Doutor Flores, Marechal Floriano, Otávio Rocha, Vigário José Inácio, Andradas, Borges de Medeiros, Salgado Filho e até Largo Glênio Peres.
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Novembro de 2013: camelôs irregulares seguiam explorando o Centro. O motivo era a redução das ações de fiscalização após o corte do pagamento de horas-extra na Smic. A pasta contava com 31 fiscais. Após suspensão do contrato com a BM por 50 dias, o novo convênio com duração de um ano previa reforçar as equipes e recuperar prejuízos.
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Março de 2014: caixinhas exerciam a ação ilegal com tranquilidade a qualquer hora do dia. Cigarros, DVDs piratas e óculos de sol e de grau eram os principais produtos. Smic reclamava que tinha apenas cinco servidores para atuar na fiscalização junto com a BM.
dg1732014 from Thiago Sturmer