Odilaine Uglione cometeu suicídio ao deferir um tiro contra a própria cabeça, em fevereiro de 2010, dentro do consultório do então marido, o médico Leandro Boldrini. Foi o que concluiu a investigação sobre a morte da mãe do menino Bernardo, reaberta em maio do ano passado e remetida à Justiça no fim da tarde da quinta-feira, com base em laudos periciais e depoimentos de 55 pessoas.
Designado para apurar a morte depois de uma perícia particular indicar que a carta de despedida de Odilaine não havia sido escrita por ela, o titular da 2ª Delegacia de Polícia (DP) de Santa Rosa, Marcelo Lech, não encontrou indícios de que Boldrini tenha envolvimento na morte da ex-mulher. O caso havia sido arquivado como suicídio pela Polícia Civil de Três Passos, mas, desde a morte de Bernardo, em abril de 2014, a família de Odilaine pedia a reabertura da investigação e sustentava a hipótese de homicídio.
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A investigação isentou Boldrini, o principal suspeito, de qualquer responsabilidade pela morte de Odilaine. No entanto, o inquérito de mais de 1,5 mil páginas demonstra o relacionamento conflituoso do casal e o descaso do médico nos cuidados da saúde mental da ex-mulher – que, segundo testemunhas, sofria de distúrbios psicológicos.
"As diversas oitivas citadas no relatório evidenciam que o casal possuía um relacionamento conflituoso, marcado por discussões, relacionamentos extraconjugais e omissão no cuidado familiar. Contudo, as oitivas realizadas não apontam a realização de atos comissivos que tenham influenciado de modo determinante Odilaine a praticar suicídio", escreveu o delegado na conclusão do inquérito.
Testemunhas relataram que Odilaine havia tentado tirar a própria vida duas vezes antes e que falara a pessoas próximas, às vésperas do ocorrido, que se mataria. Com as evidências do suicídio, o delegado tentou apurar na investigação se Boldrini induziu, instigou ou auxiliou a ex-mulher a atirar contra si mesmo – crimes previstos no Código Penal –, o que não se comprovou.
– Não surgiu nenhum elemento que corroborasse para o entendimento de que ocorreu crime contra a vida. Também não apareceu nenhum elemento que indicasse que Leandro Boldrini tivesse praticado alguma conduta comissiva para influenciar ela. Ele teve conduta de omissão e descaso em relação a ex-mulher – declarou Lech, em coletiva de imprensa na manhã desta sexta-feira.
Um dia antes de cometer suicídio, Odilaine esteve em um centro espírita. À mulher que lhe atendeu, repetiu diversas vezes que cometeria suicídio. "Odilaine foi até o local completamente desesperada, transtornada, relatando a questão do divórcio e que Leandro teria outra mulher, sendo que a ideia fixa de Odilaine era o suicídio", relatou a mulher em depoimento.
Outro depoimento dá conta de que, horas antes do suicídio, durante o almoço, Boldrini e Odilaine discutiram. Mais uma vez, a mãe de Bernardo repetiu o desejo de se matar.
"Odilaine estava no escuro, deitada em um canto da cama de Bernardo, aos prantos e, transtornada, disse que não queria viver mais", descreveu a babá de Bernardo, Nelci de Almeida e Silva, aos investigadores. "Assim como o Leandro pode escolher o que é bom para ele, ficar longe da família, eu tenho o direito de escolher o que é bom para mim. E eu escolhi morrer", teria desabafado Odilaine.
Instantes depois, Odilaine teria pedido que Nelci cuidasse de Bernardo – e saiu de casa.
– Não apenas a conclusão, mas a análise de todos os elementos reafirma o que a delegada Caroline Bamberg (responsável pela primeira investigação) concluiu. Houve uma especulação maior sobre o fato e, em razão disso, uma oitiva de um número maior de pessoas justamente para checar todas as informações – enfatizou o chefe de Polícia Civil, Emerson Wendt.
Os advogados da família de Odilaine e de Leandro Boldrini disseram que ainda não tiveram acesso à conclusão do inquérito e que, neste momento, não irão se manifestar.
Versão de Boldrini é factível, aponta IGP
O Instituto-geral de Perícias (IGP) reconstituiu o dia da morte de Odilaine em dezembro de 2015, em Três Passos, na chamada Reprodução Simulada dos Fatos. Anexado ao inquérito, o laudo apontou que a versão relata por Boldrini era factível. Ele diz que a ex-mulher lhe apontou uma arma dentro do consultório e que, antes mesmo de sair da sala, ouviu o estampido do tiro.
"Até hoje (data da oitiva na DP de Charqueadas, em novembro de 2015), o interrogado não sabe se Odilaine foi até o consultório para atirar no interrogado e depois nela mesmo ou somente para se suicidar na frente do interrogado", consta no resumo do depoimento de Boldrini à Polícia Civil.
O IGP ainda concluiu que a carta de despedida havia sido escrita pela própria Odilaine – e não pela secretária de Boldrini, Andressa Wagner, como havia apontado uma perícia particular. Porém, os laudos não foram definitivos quanto ao autor do disparo (pelo ângulo em que o projétil entrou e saiu do crânio da mulher, não se exclui a possibilidade de que uma segunda pessoa tenha puxado o gatilho) e quanto à possibilidade de luta corporal entre o casal (não foi possível afirmar que o material genético masculino encontrado embaixo das unhas de Odilaine pertencia a Leandro).
– Tínhamos praticamente certeza de que todos esses vestígios conduziam para o suicídio – observou o diretor-geral do IGP, Cleber Müller.
A Polícia Civil não conseguiu identificar a origem da arma e nem qualquer seguro de vida em nome da mãe de Bernardo, mas tem a certeza, com base em exames, que ela não estava sob o efeito de medicamentos ao se matar.