Se tem algo que me intriga atualmente é a tal da delação premiada. Mais do que saber se o Lula será ministro, se o Cunha será desmascarado, se a Dilma sofrerá impeachment ou se o Obama fumará um charuto da paz ao lado de Fidel Castro nesta semana.
A possibilidade de confessar um crime dando nomes aos comparsas em troca de benefícios está garantida por lei no Brasil. E não é para discutir a legislação que me propus a escrever hoje. O exercício que virá a seguir serve para mostrar que não imagino uma classe mais beneficiada com a delação do que a política.
Cena 1, sala de aula, dia de prova final da oitava série
Joãozinho é flagrado colando (incluiu entre as páginas da prova um xerox do livro). A professora recolhe tudo e quando pega a caneta vermelha, pronta para lascar uma nota zero, o aluno exclama:
- Sei de outros que estão colando também! Dou os nomes numa delação premiada em troca de uma nota 6...
Cena 2, reunião de condomínio
Silveirinha, do 402, mal consegue trabalhar à noite. Precisa usar a internet, mas, apesar de pagar caro pelo wi-fi, seu notebook fica muito lento quando ele acessa a rede mundial de computadores. Após uma investigação na vizinhança, pediu a palavra, bateu na mesa e acusou:
- Seu Silva, do 502, está usando a minha senha. Tenho provas.
- O senhor tem razão. Estou usando, mas não sou o único. Dezenas usam a mesma senha. Sei que isso é motivo de multa pesada. Em troca do perdão, posso revelar os nomes...
Numa sociedade séria, a professora da cena 1 lasca um zero para o Joãozinho e para todos os que estão colando. E manda bilhete na agenda do malandro que propôs a delação. E, na cena 2, numa democracia justa, Silva paga multa, bem como todos os condôminos que infringem normas.
Sei que os exemplos acima são simplistas. Mas foi justamente por serem assim que os escolhi para escancarar como os políticos vivem cercados de regalias. Até quando roubam e entregam comparsas. Sonho em um dia viver num país sem corrupção. Como isso é bastante utópico, já me serve uma sociedade em que delação premiada seja sinônimo de justiça efetuada sem benesses.
* Diário Gaúcho