A maior operação policial da história brasileira nasceu pequena, como costuma acontecer nas crônicas do submundo: com agentes da Polícia Federal checando dúvidas quanto a uma revenda de combustíveis. Eles suspeitavam que o local, o Posto da Torre, em Brasília, além de limpar veículos, lavava dinheiro sujo - daí o nome da ação inicial, Lava-Jato.
O esquema disfarçava dólares vindos do mercado paralelo de câmbio, que ocultava recursos originários da extração ilegal de diamantes com uso de indígenas, corrupção política, financiamento ilegal de campanhas eleitorais, fraude em contratos e licitações da Petrobras.
Exatos dois anos depois, a operação continua e já contabiliza 119 pessoas presas por envolvimento em atos de corrupção e lavagem de dinheiro desviado de órgãos governamentais - muitas dessas pessoas foram soltas, mas continuam a responder acusações na Justiça. Não são cidadãos quaisquer, mas daquele tipo que costumava se falar, no passado: "acima de qualquer suspeita". Entre eles, donos de empresas, altos funcionários do governo e parlamentares.
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Dentre os empresários, os maiores empreiteiros do país. Dos políticos, alguns dos mais poderosos do Brasil, como o ex-ministro José Dirceu (PT), eminência parda do governo Lula, que está preso há mais de seis meses. Dos servidores, cinco ex-dirigentes da Petrobras.
Em meio às 1.082 pessoas investigadas pela Lava-Jato até agora, constam mais de 50 parlamentares e cerca de três dezenas de empresários. Agora, um ex-chefe da nação passa a ser alvo da Lava-Jato. Desde sexta-feira, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é oficialmente investigado e foi conduzido, em um camburão policial, para depor. Sem opção de dizer não.
As investigações originais da Lava-Jato surgiram em 2009, mas a comprovação dos crimes e as primeiras prisões só aconteceram em março de 2014. Entre os 17 presos naquele mês estavam os doleiros Alberto Youssef e Carlos Habib Chater, sócios da "lavanderia de dinheiro" montada no segundo andar do posto de gasolina.
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No início da investigação, os federais descobriram que a dupla de operadores de câmbio lavava dinheiro de um político paranaense, o deputado federal José Janene (PP), morto em 2010. O parlamentar gerenciava, segundo a PF, um esquema de distribuição de propinas captadas junto a empresas que subornavam políticos para vencer contratos com órgãos governamentais.
Entre eles, a Petrobras, maior empresa estatal brasileira. Pelo fato de investigar um esquema que beneficiava um político paranaense, a Lava-Jato acabou centralizada no Paraná, na 13ª Vara Federal de Curitiba. E fez do titular daquele juizado, Sergio Moro, uma celebridade nacional.
Foi com a Petrobras na mira que a PF e o Ministério Público Federal (MPF), unidos, decidiram lançar a Lava-Jato, em março de 2014. A ideia era desnudar o véu que encobre a histórica e promíscua relação entre políticos e empreiteiros no Brasil. Desde então, passaram-se 24 meses, de júbilo para policiais e procuradores, de sobressaltos para empresários e parlamentares.
Coincidência ou não, a Lava-Jato teve 24 fases - média de uma por mês. E qual o balanço dessa megaoperação? Não é só gigante na grandiosidade dos alvos, mas nos números. Acumula 43 acordos de colaboração premiada, nos quais criminosos delatam seus parceiros (o segredo do sucesso dessa operação). Graças às delações, 58 réus já foram condenados, nesses dois anos, a um total de penas que soma 680 anos de prisão.
- Nem o mais experimentado agente federal sonhava que essa operação pudesse revelar tantos fatos graves. Ela mudou, para melhor, o modo como a PF é vista no país. E não há abusos: nossas ações têm sido confirmadas nas altas cortes do Judiciário - comemora o delegado gaúcho Luciano Flores de Lima, que atua na Lava-Jato desde o final de 2014.
A operação, inclusive, deitou raízes para outros Estados, além do Paraná. Hoje, descobertas feitas a partir da investigação-matriz foram desmembradas para São Paulo, Rio de Janeiro e Distrito Federal.
Por centrar foco nos últimos governos, a maior operação da PF tem desagradado fãs das gestões Lula e Dilma na Presidência da República. Por gerar mais condenações do que absolvições, a Lava-Jato colhe elogios de integrantes do Ministério Público e críticas de advogados.
O professor da Unisinos e doutor em direito penal André Callegari, que defende clientes investigados pela Lava-Jato, admite que o juiz Sergio Moro fundamenta bem suas decisões, tanto que poucos despachos são reformados pelo Tribunal Regional Federal (TRF4) ou pelas instâncias superiores (STF e STJ, em Brasília). Por outro lado, ocorrem abusos na operação, acredita Callegari. Entre eles, as conduções coercitivas, quando o investigado é obrigado a ir de viatura policial depor.
- Se o cidadão tem direito constitucional a ficar calado, como obrigá-lo a ir a uma delegacia? Parece um exagero, sem base legal. Creio também que há excesso de prisões provisórias na Lava-Jato. Será que todos os que foram presos ofereciam risco à sociedade ou de sumir com provas? - desafia o criminalista.