"Quem bebe e dirige assume o risco de matar"
O caso da jornalista Márcia Bina, de Balneário Camboriú, que está sendo processada pelo motorista que a atropelou em novembro de 2014, um empresário de Florianópolis, ganhou repercussão nacional. Agora a deputada federal Christiane Yared (PTN-PR), uma ativista no combate à violência no trânsito, resolveu dar visibilidade ao episódio nas redes sociais e promete levar o debate à Câmara dos Deputados.
Por e-mail e facebook, Márcia conversou com este Visor, o primeiro a divulgar a polêmica. Apesar da distância física, foi uma entrevista difícil, com momentos de forte emoção ao lembrarmos do amigo comum, Roger Bitencourt, também morto por um motorista aparentemente embriagado. Confira:
Como você se sente depois de enfrentar uma lenta e dolorosa recuperação após ser atropelada em 2014 e ainda assim o autor tentar cobrar de você os danos materiais do veículo?
Márcia Bina - É tudo muito difícil. Eu costumo dizer que no começo fui sentenciada ao cárcere privado, porque fiquei 70 dias imóvel numa cama, dentro de um quarto. No Revéillon daquele ano, me carregaram e fiquei sentada numa cadeira de rodas a noite inteira. Enquanto isso, acredito, ele deve ter ido para uma balada, pra festa, aproveitou o Verão inteiro, enquanto fiquei deitada. Precisava pedir para me virarem de lado, para usar a comadre, nem ao banheiro podia ir. Cheguei a desmaiar de dor algumas vezes. Tive que reaprender a andar, em algumas sessões de fisioterapia chegava a escorrer lágrimas de dor. Aliás, até hoje, tem sessão que ainda é difícil, porque ainda sai tudo do lugar. As pessoas acham que tudo volta a ser como era. Mas não é, nunca será. Eu estava me preparando para correr uma maratona em 2015, a São Silvestre já paga e não pude ir. Aliás, não sei se algum dia poderei correr uma maratona, vou fazer de tudo para conseguir, mas como meu médico me diz "hoje você é um carro arrumado e carro arrumado você sabe que sempre tem problema". Hoje correr mais do que uma hora é impossível, dói tudo. O pior de tudo é que depois de mais de um ano, ele entra com um processo desses, é como se estivesse sendo atropelada pela segunda vez, só que agora ele atenta também contra a minha honra, chega a me chamar de mentirosa no processo. Isso eu não posso admitir. Meu sentimento é de total descrédito no ser humano.
Na morte do jornalista Roger Bitencourt, que também era seu amigo, as circunstâncias foram parecidas com indícios de consumo de álcool e drogas pelos condutores. Qual o sentimento diante de tamanha violência?
Márcia - Roger foi meu grande ídolo no jornalismo, me ensinou tudo. Trabalhei nove anos com ele, éramos amigos. Até hoje não acredito que se foi, que não vou mais encontrá-lo em uma corrida. Dois dias antes do atropelamento dele nos encontramos na praia, contei pra ele vários dos absurdos que estavam acontecendo e ele me abraçou forte e disse: "vai ficar tudo bem, MB" e foi embora. E ali me despedi do meu amigo, sem saber. E tudo por uma inconsequência de um motorista.Nossa sociedade é muito permissiva com a bebida e direção, é "da cultura do brasileiro", mas isso não pode continuar mais. Estamos perdendo famílias, amigos, sonhos. Eu não aguento mais ver essa brutalidade diária. Só vejo uma solução, mudar a lei para que a punição seja mais severa. Só assim, talvez, algo mude.
O seu episódio está ganhando repercussão nacional. Agora a deputada federal Christiane Yared (PTN-PR) também abraçou o caso. Você se imagina uma ativista na defesa dos ciclistas e corredores?
Márcia - Na realidade, desde que tudo aconteceu, essa virou minha bandeira. Evidentemente que o caso tomou uma proporção maior agora porque é, no mínimo, surreal ele ter entrado com esse processo, mas eu tenho divulgado um movimento que já existe há alguns anos (www.naofoiacidente.com.br) e que tenta passar um projeto de Lei, agora no Senado, para aumentar a pena de quem dirige embriagado e comete delitos. Estive no evento de colocação da Ghost bike do Roger e espero nunca mais ter que ir a um desses. O que eu puder fazer para que algo aconteça, nesse sentido, eu farei.
Você ainda espera que a justiça seja feita?
Márcia - A Justiça já está sendo feita, pois apesar da lentidão do processo criminal, o conjunto de provas (testemunhas, documentos e perícia) que reunimos no processo cível, juntamente com o laudo toxicológico do processo criminal, me dá a certeza da procedência da denúncia que deve ser oferecida contra o motorista que me atropelou, e o dever de pagar a indenização sobre os danos materiais que me causou, bem como os danos morais que venho sofrendo ao longo deste processo. Isso me levam a crer que a Justiça já esta sendo feita sim, e ouvirei a palavra "culpado para tentativa de homicídio". Quem bebe e dirige assume o risco de matar. Não é acidente.
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