O que começou como leve dor de cabeça há alguns anos, quando apareceram os primeiros sintomas de desaceleração na atividade econômica, tornou-se em 2016 enxaqueca bastante incômoda para todos e a uma categoria específica, os empresários, que acabam definindo investimentos capazes de gerar empregos no país. Apesar de disseminada por toda a economia, a turbulência tem castigado segmentos com intensidade variável.
ZH ouviu executivos que atuam no cenário nacional, em diversos setores, sobre o panorama atual e as perspectivas para os próximos meses. Em comum, o diagnóstico do problema: passados quatro trimestres de recessão, a solução da crise depende do fim do impasse político.
Com o pouco diálogo entre Planalto e parlamento, a maioria dos empresários adota cautela para falar em retomada dos investimentos e do Brasil assim como de controle da inflação. Os mais otimistas veem recuperação moderada a partir do segundo semestre de 2017. Mas não há quem aposte dinheiro nisso.
- A crise econômica não é nativa da iniciativa privada, vem de Brasília. As empresas não podem parar, com o risco de serem engolidas pela concorrência, mas é difícil escolher o movimento mais adequado quando o terreno é arenoso - resume Heitor Klein, presidente da Associação Brasileira de Calçados.
Os céticos são aqueles mais atingidos até agora. Segmentos da indústria são os mais fragilizados. O dólar valorizado ajuda, mas o efeito benéfico é limitado. O mercado internacional está menos aquecido, e o câmbio não conseguiu até agora impedir a forte concorrência dos importados. No agronegócio e nos serviços, a pressão maior vem do aumento de custos e da alta de impostos.
Em geral, cada empresário tem receita diferente para a crise de acordo com as perspectivas do setor em que atua. Não raro as necessidades de um podem ser conflitantes com o que seria remédio mais indicado para recuperação duradoura de toda a economia. Fechar o mercado para produtos estrangeiros para proteger segmentos, por exemplo, pode impulsionar a inflação. Reduzir impostos para incentivar o empreendedorismo pode atrapalhar o ajuste fiscal. Mas essa é uma dor de cabeça para o ministro da Fazenda.
"EM 20 ANOS DE MERCADO, ESTE É O PIOR QUE JÁ VIVI"
Tárik Potthoff, CEO da Pmweb, empresa de tecnologia da informação e maior parceira da multinacional Oracle na América Latina
Não esperava que 2016 fosse o ano da recuperação, mas estamos sofrendo muito mais do que o imaginado. Não só pela desaceleração econômica, mas também porque um dos nossos principais mercados, o varejo online, está sendo extremamente sacrificado com a mudança do ICMS interestadual. Está pesando demais no e-commerce dos varejistas, e de certa forma impedindo que as empresas operem. Com a reoneração da folha de pagamento, tivemos aumento de 150% no INSS das equipes, também está sendo um retrocesso. Terminamos 2015 com 130 funcionários e estamos com 114. Precisamos demitir 16. Não temos mais como manter a folha como estava, com o aumento do imposto.
Tem ainda outro projeto de lei que institui cobrança de ICMS de software como serviço, a modalidade em que trabalhamos (no final de 2015, Rio Grande do Sul e outros 18 Estados aprovaram no Conselho Nacional de Política Fazendária convênio que autoriza início da cobrança). Pagávamos PIS e Cofins , mas não ICMS. E, agora, de uma hora para outra, alguém resolve tirar um projeto da gaveta e começar a cobrança a partir do meio do ano. Seremos onerados em mais 14% nas vendas. Os clientes não estão assumindo isso no preço. Para não comprometer a existência da empresa, estamos tendo de demitir. Tenho 20 anos de mercado e este é o pior ano que já vivi. Os empresários estão sobrecarregados, ninguém aguenta mais pagar imposto. É só desincentivo.
No ano passado, as compras pela internet cresceram 15,3%, faturando R$ 41,3 bilhões. A projeção, antes da cobrança de ICMS, era de avanço de 18% em 2016. Na quinta-feira, o Supremo Tribunal Federal suspendeu o imposto até julgamento final da ação.
"RECUO NAS VENDAS NO PAÍS PODE SER AINDA MAIS AGUDO"
Heitor Klein, presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados)
O mercado internacional está favorável para a indústria calçadista em 2016 por conta da nova realidade cambial. O real em um patamar mais adequado deixou nossos preços bem mais competitivos. O setor exportador vai ter um ano bastante positivo, já se pode projetar crescimento forte todos os meses nos embarques para o Exterior. Mas o cenário dentro de casa é bem diferente. Há queda no mercado doméstico há pelo menos 20 meses e, neste ano, o recuo nas vendas pode ocorrer de forma ainda mais aguda.
O avanço nas exportações não compensa esse encolhimento do mercado nacional, apenas atenua. A participação dos exportados é de pouco mais de 10% do total de negócios. Mesmo nos níveis históricos, nunca passou de 24%. Vamos ver uma retomada gradativa das vendas para o Exterior, mas o mercado doméstico ainda é o
nosso grande mercado.
Tem outro complicador na equação que é a participação dos importados, que também tem crescido. Estamos pleiteando com o governo a renovação do direito antidumping aplicado na importação de calçados da China (taxação sobre a mercadoria de país que vende produto com preço abaixo do custo para eliminar a concorrência). Esse direito se extingue no início de março. O Ministério do Desenvolvimento fez estudo e concluiu que precisa ser renovado sob pena de dano muito forte para a indústria nacional em um momento que o mercado já está combalido.
Houve mais demissões do que contratações no segmento de calçados no ano passado. Segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), o saldo ficou negativo em 25,2 mil vagas, o que representa recuo de 8%. Com o resultado, foi rompido a barreira histórica de 300 mil postos de trabalho. Fechou em 284 mil empregos.
"NOSSO SEGMENTO FOI UM DOS QUE MENOS SOFRERAM"
Lair Hansen, presidente da Yara Brasil e vice-presidente da Yara Internacional
A Yara espera que em 2016 o mercado de fertilizantes mantenha o nível de demanda do ano passado, quando o segmento foi um dos que menos sofreram os impactos da crise econômica. O fertilizante é um dos fatores que impulsionam a produtividade, e o produtor brasileiro reconhece que investir no insumo é fundamental para manter a rentabilidade da lavoura.A retração da economia brasileira impacta o agronegócio, mas acreditamos na continuidade da demanda mundial por alimentos.
O momento de instabilidade política e econômica vivido pelo Brasil deverá reduzir ainda mais a oferta de crédito e fazer com que as taxas de juros aumentem. A prioridade para o governo, olhando para o agronegócio, é reorganizar essa dinâmica, estabelecendo juros atraentes e volumes suficientes de crédito para o produtor.
Atualmente, vemos uma guerra fiscal entre os Estados. É um problema sensível, que dificulta o planejamento da Yara e do mercado como um todo. Outro ponto-chave é a segurança jurídica. Os governos, em todas as esferas, devem seguir um planejamento de longo prazo e cumprir contratos feitos em gestões anteriores - e não rever os acordos a cada novo mandato. O fato de as empresas não terem a certeza de que os contratos serão cumpridos é fator determinante para o alto custo das operações brasileiras, encarecendo e dificultando investimentos.
A venda de fertilizantes no país recuou em 2015 para 30,2 milhões de toneladas, após recorde de 32,2 milhões no ano anterior, segundo a Associação Nacional para Difusão de Adubos. A expectativa para 2016 é manter o nível de negócios no mesmo patamar.
"PARECE QUE A RETOMADA NÃO SERÁ EM 2017"
Gilberto Piccinini, presidente do conselho de administração da Dália Alimentos
Essa crise vai perdurar até serem aparadas as dificuldades políticas que temos no país hoje. Trabalhamos com produção de alimentos, um produto de primeira necessidade. Atuamos com um mix de mercadorias de que o consumidor não vai abrir mão. Mas em situações como essa, vamos aproveitar para nos estruturar e esperar a retomada do crescimento, que uma hora vai acontecer.
Estamos vivendo uma nova era, em que talvez muita gente fique pelo caminho. Mas é um momento de oportunidade. Em 2016, vamos entrar em novo ramo de atividade, o avícola. Vamos construir um frigorífico de frango e até o fim do ano queremos dar o pontapé inicial. Quando a economia reanimar, estaremos prontos para ocupar esse outro mercado.
Também é a hora de olhar com mais atenção a produtividade e os custos. Produtos que não geram resultado saem de linha. Neste ano projetamos avanço pequeno, com muito esforço.
Para o governo, a prioridade deveria ser o controle do gasto. Não adianta repassar via imposto o custo da máquina. Assim como empresas se ajustam à realidade, o setor público tem de fazer o mesmo. Como fazer é a questão. Mas uma coisa é certa: mais tributo prejudica ainda mais o crescimento da economia. Imaginávamos que 2017 seria a retomada e parece que não vai acontecer. Esperamos agora que venha em 2018 e 2019. Uma economia como a brasileira não pode ficar tanto tempo marcando passo.
O setor de alimentos, por produzir bens de primeira necessidade, é um dos segmentos menos afetado pela crise. Mesmo assim, teve perda 2,3% na produção em 2015.
"NÃO PODEMOS ESPERAR MILAGRE DO GOVERNO"
Thierry Fournier, presidente da Saint-Gobain para o Brasil, Argentina e Chile
Será um ano difícil, sem dúvida. As incertezas e a volatilidade atuais da economia brasileira fazem com que a Saint-Gobain realize ajustes táticos para se adaptar à realidade dos mercados. Desde o ano passado, aceleramos os planos de redução de custos e de aumento da produtividade, focando no cliente e na excelência operacional, em todos os departamentos dos negócios.
Vejo duas grandes prioridades para a equipe econômica do governo. O ajuste fiscal e a redução dos gastos públicos, que são inevitáveis e devem ser realizados com a maior urgência. O desequilíbrio econômico atual é umas das razões principais da grande incerteza que mata a confiança e o investimento junto com os juros altos.
Apesar do cenário, a Saint-Gobain acredita no potencial do mercado no Brasil. Por isso, continuamos investindo significativamente em termos de pesquisa e desenvolvimento, inovação e na construção de novas unidades industriais. Neste início de ano, realizamos duas aquisições importantes: uma no segmento dos plásticos, em São Paulo, e a outra especializada em argamassas colantes, no Rio Grande do Norte.
Em 2016, pretendemos inaugurar de até quatro a cinco lojas da Telhanorte.
Não podemos esperar soluções milagrosas por parte do governo ou de outras instituições. As empresas têm uma responsabilidade forte em encontrar novos caminhos para voltar a crescer e tirar o país da crise.
As vendas de materiais de construção começaram com forte queda no início do ano, recuo de 20,5% em comparação com janeiro de 2015. A expectativa da Abramat, a associação do setor, é de retração de 4,5% nas vendas em 2016.
"AINDA NÃO É POSSÍVEL VER LUZ NO FIM DO TÚNEL"
Flávio Castelo Branco, gerente-executivo de Política Econômica da CNI
Infelizmente, ainda não é possível ver uma luz no fim do túnel. As expectativas para 2016 seguem muito negativas. Esperamos nova queda do PIB, talvez superior a 3%, e também do PIB industrial, por volta de 5%. As incertezas que dominaram o ano passado ainda permanecem, tanto no plano político como no econômico, impedindo a recuperação da confiança de consumidores e empresários. Sem isso não teremos a recomposição do consumo e a reação do investimento.
A prioridade absoluta para o governo deve ser o reequilíbrio fiscal. A forte deterioração das contas públicas dos últimos anos é a razão principal das turbulências que geram recessão, inflação, juros altos. Esse reequilíbrio deve necessariamente ocorrer pela via de corte de gastos, adequando as despesas à realidade da arrecadação tributária. Elevação ou criação de novos tributos vai aprofundar o quadro atual de incertezas e recessão.
Sem alteração fundamental do ambiente econômico, em especial da questão fiscal, não teremos o retorno do crescimento. Se formos eficazes no ajuste fiscal ao longo de 2016, sinalizando um efetivo ajuste de longo prazo com contenção do gasto, podemos ter uma reação em 2017. Sem esses avanços, o crescimento fica distante.
Com a crise fiscal aguda atual, o retorno do crescimento depende fundamentalmente do setor privado. Por isso é importante, ao lado de um efetivo e permanente ajuste fiscal, melhorar o ambiente de negócios em que as empresas operam, com redução de burocracia, simplificação tributária, melhoria na infraestrutura de modo a recuperar a confiança dos empresários e estimular o retorno do investimento privado.
Segundo projeção da CNI, a indústria brasileira deve encolher mais 4,5% em 2016. Os investimentos, que foram os mais baixos desde 2010 no ano passado, devem ser ainda menores este ano. Levantamento indica que 64% das indústrias pretendem investir, mas apenas 33% delas planejam novos projetos.
"NEM EM 2008 A CRISE FOI TÃO FEROZ"
Marco Polo de Mello, presidente do Instituto Aço Brasil
Estamos vivendo a maior crise da história do setor siderúrgico brasileiro. Nem a crise de 2008 foi tão feroz. Um conjunto de fatores, internos e externos, fez com que o setor caminhasse rumo a uma tempestade perfeita. Além do preço no mercado internacional, que caiu muito, o mercado doméstico encolheu de maneira drástica.
Os setores de construção civil, automotivo e de máquinas e equipamentos, que representam 80% do consumo do aço no país, reduziram as atividades de maneira absurda. E tem ainda a variável importação, que diminui ainda mais o mercado nacional, já minguado. O vilão nesse caso é a China, que representou 52% da importação brasileira no ano passado.
Precisamos de medidas emergenciais para que não haja mais fechamento de indústrias e mais desemprego. Precisamos que sejam adotadas ações para bloquear importações.
O governo brasileiro precisa fazer o que o restante do mundo está fazendo: tomando medidas para proteger o que eles têm de mais sagrado, os mercado internos.
O recuo na venda de aço para o mercado doméstico foi de 16,1% no ano passado. Para 2016, a projeção é de queda de mais 4%. As empresas do setor acumulam as maiores perdas na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa).
"TURBULÊNCIA SEM DATA PARA ACABAR"
Adelino Colombo, fundador e presidente da Lojas Colombo
Sou um homem otimista. Esperava um ano melhor em 2016, porém, não é o que estamos vivenciando. O início nos preocupa muito. O cenário é demais preocupante.
O consumidor brasileiro está assustado com o comportamento da nossa economia, o Brasil está engessado com a inflação e com o fantasma do desemprego. Vivemos uma crise tripla: política, econômica e de confiança, sem data para terminar.
O Brasil é um grande país, muito mal governado. Foram gastos bilhões de reais em 2014, visando à reeleição. Porém, os gastos não foram nas áreas produtivas.
A grande dúvida, hoje, é quando o país voltará a crescer. Isso não é possível definir nesse momento.
Nós, da iniciativa privada, continuamos fazendo a nossa parte. A Lojas Colombo continua investindo na expansão e em novos negócios, procurando esquecer as crises e gerando mais empregos, tributos, enfrentando as dificuldades com segurança. Acredito no nosso país. Os governos passam, mas o Brasil permanece.
As vendas do comércio varejista brasileiro caíram 4,3% em 2015, a maior queda da série histórica do IBGE, iniciada em 2001. No ano, o tombo mais expressivo foi no segmento de móveis e eletrodomésticos, de 14%.
"ESTE ANO VAI SER PIOR QUE 2015"
Antônio Roso, presidente do Conselho de Administração e diretor superintendente da Metasa
Será um período de indefinições, de espera. Mas a sensação é de que este ano vai ser pior que 2015. Tem muitos projetos que poderiam sair, mas até o governo fazer as reformas que precisam ser feitas, o investidor não vai investir. Inclusive por conta da restrição de crédito dos bancos.
Ano que vem ainda vai ser uma época de ajustes, para, a partir de 2018, começarmos a ver algum crescimento no horizonte. Tenho convicção de que essa crise não vai durar uma década, mas, para retornar ao que éramos, talvez leve até mais de 10 anos.
Enquanto isso, governo e iniciativa privada não podem parar. Se não forem feitas melhorias, as estradas vão se deteriorar. E nós, da indústria, temos que acompanhar a tecnologia sob pena de ficarmos muito atrás em termos de produção.
O governo está querendo aumentar impostos, mas acho que não cabe mais uma ideia dessas. Precisamos é fomentar a produção. E, para isso, precisamos de uma reforma tributária, fiscal e previdenciária, que parece que começará a ser feita agora, mas tem de sair do papel de fato. O investidor está parado hoje por conta da indefinição política.
A metalurgia é um dos setores mais afetados pela crise. Mais da metade do fechamento de postos de trabalho no Rio Grande do Sul em 2015 ocorreu na indústria de transformação: mais de 53 mil vagas desapareceram.
"TODO MUNDO ESTÁ JOGANDO NA RETRANCA"
Caio Vianna, diretor-presidente do Grupo CCGL Lácteos
A avalanche de notícias ruins contamina ainda mais os empresários que já estão desanimados com o cenário ruim. A situação é instável do ponto de vista político e econômico, mas o estado de espírito também conta. É o que a Argentina está fazendo. Pouco mudou na prática com a entrada de (Mauricio) Macri, mas as pessoas estão acreditando mais no futuro. Isso falta aqui.
Vamos ter uma safra razoável, o preço não está tão ruim. Vai haver injeção de dinheiro na economia, mas essa sensação de pânico deve frear os investimentos. A expectativa de que vai ficar pior acaba piorando a situação. Na dúvida, o empresariado, o produtor segura o dinheiro. Todo mundo está jogando na retranca.
Não vamos conseguir ir além na economia sem antes ter um acerto político. E, para isso, é preciso lideranças que conduzam o processo, seja no campo partidário, seja no campo empresarial. As federações de entidades, por exemplo, não conversam entre si. Não há uma convergência dos setores, uma agenda única. Falta uma orientação. O navio está afundando, e não conseguimos nos organizar.
Com a crise no mercado doméstico, o setor lácteo brasileiro vai apostar na abertura do mercado externo. O plano é passar a exportar em quatro anos o equivalente a 1 bilhão de litros de leite, ou 2,3 vezes o que foi embarcado em 2015, diz a Associação de Laticínios.