Quando publicou seu livro sobre as "mulheres de conforto" da Coreia, em 2013, Park Yu-ha escreveu que se sentiu "um pouco temerosa" em relação a como ele seria recebido. Afinal, disse, ele desafiava "a opinião vigente" sobre as escravas sexuais durante a guerra. Mas nem mesmo ela estava preparada para a severidade da reação.
Em fevereiro, um tribunal sul-coreano ordenou que "Comfort Women of the Empire" (Mulheres de conforto do império) tivesse 34 seções editadas, aquelas em que foi considerada culpada de difamar "mulheres de conforto" com fatos falsos. Yu-ha também está sendo criminalmente acusada de caluniar essas hoje senhoras, amplamente aceitas aqui como símbolo inconteste do sofrimento da Coreia sob o domínio colonial do Japão e da necessidade de justiça histórica, e está sendo processada por difamação por algumas dessas mesmas mulheres.
As ex-mulheres de conforto pediram a expulsão de Yu-ha da Universidade de Sejong, em Seul, onde é professora de Literatura Japonesa. Outros pesquisadores dizem que ela faz apologia aos crimes de guerra japoneses. Na mídia social, tem sido vilipendiada como "traidora pró-japoneses".
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- Ninguém quer ver outros aspectos das mulheres de conforto. Caso tenha esse tipo de atitude, acham que você está diluindo a questão, sendo indulgente com o Japão - disse Yu-ha durante uma entrevista recente em um café de propriedade de um de seus apoiadores.
A questão das mulheres de conforto sempre foi controversa, e é difícil determinar se a versão dos acontecimentos apresentada por Yu-ha - que os críticos dizem ser apenas uma porta-voz do Japão - é mais correta do que muitas outras que surgiram ao longo dos anos. Mesmo assim, durante décadas, a posição que ela desafia se mantém tão firme entre os coreanos quanto sua animosidade para com a ilha vizinha.
No início do século XX, segundo a história oficial, o Japão levou à força meninas coreanas e de outras nacionalidades, inocentes, para seus bordéis militares. Lá, eram mantidas como escravas sexuais e violentadas por dezenas de soldados todos os dias, no legado mais abominável do domínio colonial japonês de 35 anos, que terminou com sua derrota na Segunda Guerra Mundial.
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Em suas pesquisas para o livro, vasculhando arquivos na Coreia do Sul e no Japão e entrevistando as sobreviventes, Yu-ha, de 58 anos, disse ter percebido que a imagem higienizada e uniforme das mulheres de conforto não explicava por completo quem elas eram e apenas aprofundava a questão emocional entre Coreia do Sul e Japão.
Na tentativa de dar o que chama de uma visão mais abrangente da vida dessas mulheres, ela fez declarações que alguns acharam válidas, mas muitos consideraram ultrajantes e, em alguns casos, traidoras.
No livro, enfatiza que a situação era vantajosa para os colaboradores coreanos e para os recrutadores japoneses, que forçavam ou atraíam as mulheres para os "postos de conforto", onde o dia a dia incluía estupro e prostituição. Não há provas, ela escreveu, de que o governo japonês estivesse oficialmente envolvido e, portanto, fosse legalmente responsável pela coerção das coreanas.
Embora muitas vezes brutalizadas em uma "condição de escravidão" nos bordéis, acrescentou Yu-ha, as mulheres das colônias japonesas da Coreia e de Taiwan eram também tratadas como cidadãs do Império e deveriam considerar seu serviço como algo patriótico. Elas forjaram uma "relação de camaradagem" com os soldados japoneses e às vezes se apaixonavam por eles. A autora citou casos em que os soldados japoneses cuidavam das mulheres doentes e até mesmo liberavam as que não quisessem agir como prostitutas.
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O livro vendeu apenas alguns milhares de cópias, mas gerou uma controvérsia desproporcional.
- Esse caso mostra como é difícil na Coreia do Sul desafiar a opinião convencional sobre as mulheres de conforto - disse Kim Gyu-hang, crítico social.
O livro, publicado no Japão no ano passado, recebeu prêmios lá. Em novembro, 54 intelectuais japoneses e americanos emitiram um comunicado criticando os promotores sul-coreanos por "suprimir a liberdade de estudos e da imprensa". Entre eles estava um antigo chefe de gabinete no Japão, Yohei Kono, que fez um pedido de desculpas, em 1993, admitindo a coerção no recrutamento das mulheres de conforto.
Porém, mesmo assim, Kono observou que o recrutamento foi conduzido principalmente por agentes privados, trabalhando a pedido dos militares japoneses, e por pessoal administrativo e militar. Para os sul-coreanos indignados, as ressalvas invalidaram o pedido de desculpas.
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Em dezembro, 190 acadêmicos e figuras culturais sul-coreanos fizeram uma declaração apoiando o que Yu-ha havia tentado fazer em seu livro, se não todo o seu conteúdo. Classificaram sua pena de "tentativa anacrônica de manter a opinião pública sobre as mulheres de conforto sob o controle do Estado".
Mas outros disseram que o aspecto da liberdade acadêmica não tem muito a ver com a reação negativa. Em dezembro, 380 estudiosos e ativistas da Coreia do Sul, do Japão e de outros países acusaram Yu-ha de "expor uma grave negligência de entendimento jurídico" e evitar a "essência" da questão: a responsabilidade do Estado japonês.
Essa declaração continuava com a afirmação de que agências governamentais do Japão, como os militares, estavam envolvidas no "crime hediondo" de coerção de dezenas de milhares de mulheres à escravidão sexual, opinião partilhada por dois relatores especiais das Nações Unidas na década de 90.
Yang Hyun-ah, professora da escola de Direito da Universidade Nacional de Seul, disse que o erro mais flagrante de Yu-ha foi "generalizar detalhes seletivamente escolhidos da vida das mulheres".
- Queria que ela fosse expulsa do país - disse Yoo Hee-nam, 87 anos, uma das nove mulheres de conforto que a processou, agitando sua bengala durante uma entrevista coletiva.
Yu-ha disse que tentou ampliar as discussões ao investigar a função que as sociedades patriarcais, o estadismo e a pobreza tiveram no recrutamento dessas mulheres. Ela disse que, ao contrário das que foram tomadas como despojos de batalha nos territórios conquistados, como a China, as mulheres da colônia coreana haviam sido trazidas para as estações de conforto do mesmo modo com que as mulheres pobres hoje entram na prostituição.
E também comparou essas mulheres às prostitutas coreanas mais recentes, que iam atrás de soldados americanos em seu acampamento de inverno na Coreia do Sul, desde a década de 60 até os anos 80.
- Elas foram vítimas, mas também foram colaboradoras como as pessoas de uma colônia - escreveu Yu-ha em uma das frases editadas do livro.
Porém, acrescentou que, mesmo que o governo japonês não estivesse diretamente envolvido no recrutamento forçado das mulheres, e mesmo que algumas delas tenham se juntado voluntariamente aos postos de conforto, esse ainda deve ser responsabilizado pelo "pecado" de criar a estrutura colonial que permitiu que tudo acontecesse.