Na Região Serrana de Santa Catarina, entre discussões políticas e futebolísticas, os javalis viraram assunto até nas mesas de bar. Fala-se de ataques a plantações e animais menores, discute-se o tamanho e o peso dos animais abatidos, enumeram-se os estragos causados e até se comenta por onde eles mais circulam. Fotos de animais mortos por caçadores são compartilhadas em grupos de mensagem instantânea no celular e se debate o que fazer para acabar com o problema que, para muitos, já virou uma praga.
Diante dos crescentes prejuízos, foi criado, no ano passado, um grupo de trabalho para estudar o assunto. A iniciativa partiu da Secretaria Estadual de Agricultura e da Assembleia Legislativa, por intermédio do deputado Gabriel Ribeiro (PSD). Após meses de estudo, uma força-tarefa da Polícia Militar Ambiental de Lages entrará em ação para ajudar no abate dos animais, hoje restrito a caçadores legalizados. A corporação afirma que o processo está em fase final de planejamento e, embora ainda não haja uma data limite, a esperança é de que os trabalhos comecem nos próximos meses.
Outra proposta sugerida foi ajudar agricultores de áreas mais atingidas com armadilhas para a captura dos animais, além de agilizar o processo de registro dos caçadores. Um dos responsáveis por iniciar as discussões sobre os javalis foi o secretário-adjunto de Agricultura, Airton Spies. Segundo ele, os animais trazem prejuízos não apenas à economia, mas também ao meio ambiente.
– É uma espécie exótica (importada da Europa), que não tem predador natural. Além de atacar as plantações, eles destroem a fauna e a flora nativas – afirma Spies.
Campo Belo do Sul
A cidade mais atingida pelos ataques de javalis fica a 55 quilômetros de Lages. Em Campo Belo do Sul, o prefeito Edilson José de Souza (PMDB) trata o problema como uma epidemia. No fim de 2015, ele decretou situação de emergência em razão dos prejuízos econômicos. Apenas na safra 2014/2015, os produtores perderam cerca de R$ 1,5 milhão. Para este ano, os números ainda não estão fechados, mas devem ser tão grandes quanto. Para se ter ideia do rombo, o orçamento anual da prefeitura não chega a R$ 20 milhões.
– Muitos já estão abandonando a produção. Para o pequeno produtor, está se tornando inviável. Tem lavoura onde se perdeu mais de 50% do que foi plantado – diz Souza.
O prefeito lembra ainda que os ataques não têm hora marcada. Especialmente no verão, época que antecede a colheita, os animais atacam mais as plantações, pois não encontram na natureza outros alimentos disponíveis em outras períodos do ano, como pinhão e goiabas. Em nível estadual, o governo não possui estimativa do prejuízo causado pelos ataques de javalis
Caça ilegal
Hoje, a única forma de controlar a população de javalis é por meio de caçadores. O número de caçadores legalizados, no entanto, é reduzido no Estado. Na região serrana, há muitas reclamações quanto à burocracia para se obter a licença de caça. São três os pré-requisitos: obtenção do Certificado de Registro (CR) da arma junto ao Exército, autorização da Polícia Militar Ambiental e autorização do proprietário rural.
Segundo o técnico agrícola Marcos Brocker, da cooperativa Coopercampos de Campo Belo do Sul, a maioria dos produtores tem a arma registrada na Polícia Federal e os pedidos junto ao Exército costumam ser negados. Ele afirma ainda que, no vizinho Rio Grande do Sul, as autorizações são conseguidas com mais facilidade.
– A burocracia aqui é muito grande. Se o produtor caça, ainda vira um fora da lei – diz Brocker.
Apesar das críticas, é comum encontrar, no interior de municípios serranos, propriedades vigiadas por guardas armados em busca de javalis, a maioria deles sem autorização para caçar. A preocupação com caçadores sem permissão chegou também à prefeitura de Campo Belo do Sul. Segundo o prefeito Edilson José de Souza, há relatos de homens que caçam sob efeito de álcool e drogas, sem autorização dos produtores rurais, colocando em risco tanto animais domesticados quanto os próprios agricultores.
– Trata-se de uma questão bastante séria – afirma o prefeito.
Irmãos caçadores
Os irmãos Nelson e Leandro Preisler são pioneiros na caça do javali em Santa Catarina. Quando a atividade foi permitida no Estado, no ano de 2010, eles fizeram parte do primeiro grupo a obter a autorização. Hoje, são integrantes do Clube Lageano de Caça e Tiro Altos da Serra. Eles possuem autorização para caçar em 80% da região dos Lagos serranos, que inclui municípios como Campo Belo do Sul, Capão Alto, Cerro Negro, Anita Garibaldi e São José do Cerrito.
Os dois mantém atividades como empresários do ramo da construção civil, porém boa parte do tempo é destinado à caça, que é feita conforme demanda dos agricultores. Segundo Nelson, existem quatro tipos de caçada: embarcada, de espera, de armadilha e com cachorro. A caça embarcada, feita com veículos e fachos de luz durante a noite, é a que possui maior aproveitamento. Ela, no entanto, só pode ser realizada a partir de abril, após a colheita.
– Nessa época, a caça mais indicada é a de espera ou com cachorro, porém é mais difícil, pois a visibilidade é menor – explica Nelson.
O animal
Importado da Europa na metade do século XX para regiões do Uruguai e da Argentina, o javali (Sus scrofa) chegou primeiro ao Rio Grande do Sul, estado que concentra a maior população de animais do país. Em Santa Catarina, eles chegaram no começo da década de 1990, atravessando o Rio Pelotas, na região dos lagos serranos.
O governo do Estado não possui uma estimativa oficial do número de animais, porém especula-se que a população ultrapasse os 70 mil. Um dos problemas é a rápida procriação. Javalis fêmeas entram em idade reprodutiva a partir dos oito meses e podem dar à luz até duas vezes por ano, chegando a dez filhotes por ninhada. Com um ritmo de reprodução tão acelerado, apenas os caçadores legalizados não dão conta de conter o crescimento da população animal.