Logo, logo é fevereiro, e fevereiro é o mês do Carnaval. Bem, mais ou menos. A máxima não vale para, pelo menos, 10 municípios gaúchos que cancelaram seus carnavais de rua. Na Região Central, três cidades abdicaram dos festejos e, em outras duas, a folia sofreu drásticas alterações (veja quadro). Na maioria dos casos, a justificativa é a falta de recursos.
É o caso de Lavras do Sul. Apesar de a cidade não contar com escolas de samba, o Carnaval da cidade era um evento turístico regional, atraindo milhares de turistas para a grande folia de blocos da Campanha. Mas segundo o prefeito Alfredo Maurício Borges, o município não dispõe dos R$ 200 mil necessários para assegurar a infraestrutura necessária para as cinco noites de folia:
- Não adianta querer fazer uma coisa que não se tem condições de fazer. O Estado está atrasando os recursos da saúde, mas o município vem mantendo postos e hospital funcionando. Chegou no fim do ano, na hora de pagar a segunda parcela do 13º salário, tivemos de fazer empréstimo no Banrisul. O recurso do Carnaval está orçado, mas o dinheiro não existe. A fuga de turistas também não preocupa Borges.
- Os blocos daqui têm sede, cobram R$ 200 por uma camiseta e oferecem show e bebida de graça para os foliões. A festa acaba sendo nas sedes dos blocos, o Carnaval de rua estava esvaziando. Os foliões chegam na praça com seu isopor e não gastam um tostão comprando na cidade - lamenta o prefeito.
Júlio de Castilhos tem duas escolas de samba, que preferiram não desfilar ao saber que a verba - que havia sido de R$ 30 mil em 2015 - cairia para R$ 12 mil em 2016. À Rádio Gaúcha, a prefeita Vera Dalcin disse que investiria o recurso em obras. O Diário tentou contato com ela para definir como o dinheiro seria aplicado, mas não teve retorno.
Preconceito com a festa
Nas redes sociais, é grande o apoio dos internautas ao cancelamento das festas de Carnaval. As opiniões costumam valorizar o redirecionamento de recursos para áreas como a saúde e a educação. Ocorre que, dependendo da origem do dinheiro, essa transferência não pode ser feita.
- Se a verba vem de rubricas de ministérios ou da Secretaria Estadual de Cultura ou de Turismo, por exemplo, é impossível transferi-las para a educação, para obras ou o que quer que seja. O dinheiro teria de ser devolvido. Então, é melhor que se aplique em uma atividade cultural mesmo. Entendo que as pessoas querem ver outros problemas resolvidos, mas é ingenuidade acreditar nessas alegações em ano eleitoral - comenta a produtora Marcela Dias.
Há também quem defenda o fim do Carnaval de Rua ao associá-lo a atos "imorais", como a nudez, ou mesmo ao aumento da criminalidade. Para a antropóloga Lúcia Serje, esse tipo de argumento esconde preconceitos contra uma festa popular. O prefeito de Santa Maria, Cezar Schirmer, concorda e promete não ceder a pressões para cancelar o Carnaval de Rua.
- É um pouco de preconceito, é a nossa grande festa popular. Tem de investir sim.
A Secretaria Municipal de Cultura vai investir cerca de R$ 500 mil na festa, sendo que R$ 200 mil serão divididos entre as escolas de samba da cidade. O orçamento foi enxugado (em outros anos, chegou a passar de R$ 700 mil), mas o entendimento do Executivo é que a festa vale o investimento.
- Se a avenida ficasse vazia nos dias de desfile, se não houvesse o comércio e a geração de renda que há durante o Carnaval, eu até entenderia a não realização do evento. Mas é uma festa popular prestigiada e deve ser preservada - diz o secretário adjunto da Cultura, Josias Ribeiro.
Jaguari garante folia
Outra folia tradicional da região esteve ameaçada: a de Jaguari. Mas o pior já passou. Sem dinheiro para patrocinar o Carnaval, a prefeitura abriu licitação pública para garantir que a folia (e o dinheiro dos turistas) permanecesse na cidade. Anualmente, cerca de 80 mil pessoas vivem os cinco dias de folia nas Avenida Dr. Severiano de Almeida. Campings e hotéis ficam lotados de foliões durante uma semana.
- Fizemos um chamamento autorizativo para empresas privadas explorarem o Carnaval, fornecendo banheiros químicos, segurança, ambulância e todo o aparato necessário para garantir a festa. Em troca, permitiremos que eles cerquem a área e cobrem ingresso. Ontem (terça-feira), saiu o resultado da licitação. A empresa vencedora foi a que ofereceu o preço de ingresso mais barato: R$ 4,50. Para nós, o Carnaval não é um evento, é uma atividade econômica - diz o prefeito João Mario Cristofari.
A verba de R$ 100 mil que a prefeitura investiria na festa já tem destino certo: parte será usada como contrapartida a um financiamento do BNDES para recapeamento asfáltico e o restante custeará o aluguel de máquinas e compra de combustível para os caminhões que fazem reparos nas estradas da cidade, castigada pelos temporais de outubro.
- Só no ano passado, Jaguari teve cinco decretos de situação de emergência, e três estão vigentes. Dois por inundações e um pelo vendaval em outubro. Ainda tive um, do início do ano, pelo fechamento do hospital, e também o episódio da queda da ponte, que isolou a cidade, em maio. Tivemos muito prejuízo - diz o prefeito.
Carnaval cancelado:
Júlio de Castilhos
- Duração - Uma noite
- O que foi cancelado - O desfile de duas escolas de samba
- O que seria investido - R$ 12 mil
- Motivo do cancelamento - Redução de repasses estadual e federal
- O que fará com o dinheiro - Repassará à Secretaria de Obras para manutenção das máquinas e nas ações de tapa-buracos
Lavras do Sul
- Duração - Cinco noites
- O que foi cancelado - Carnaval de rua (blocos)
- O que seria investido - R$ 200 mil
- Motivo do cancelamento - Redução de repasses estadual e federal
- O que fará com o dinheiro - O dinheiro economizado ajudará a diminuir o prejuízo do município, que teve dificuldades para pagar o 13º do funcionalismo
Toropi
- Duração - Uma noite
- O que foi cancelado - Show de uma banda
- O que seria investido - R$ 10 mil
- Motivo do cancelamento - Redução de repasse estadual
- O que fará com o dinheiro - Não há definição
Vão ter carnaval:
Tupanciretã
- Duração - Uma noite
- O que foi cancelado - Baile de Carnaval. O desfile de blocos está mantido
- O que seria investido - R$ 20 mil
- Motivo do cancelamento - Falta de efetivo policial que garanta a segurança do evento
- O que fará com o dinheiro - Repassará ao Hospital Brasilina Terra
Jaguari
- Duração - Quatro noites
- O que foi cancelado - O patrocínio da prefeitura. Mas o evento foi "privatizado". A empresa vencedora da licitação investirá em sonorização, banheiros químicos, segurança, ambulânci, mas cercará o local do evento e cobrará ingresso de R$ 4,50
- O que seria investido - R$ 100 mil
- Motivo do cancelamento - Falta de recursos em função de desastres naturais. Atualmente, a cidade tem em vigor três decretos de situação de emergência
- O que fará com o dinheiro - Parte será destinado como contrapartida ao projeto de BNDES para recapeamento asfáltico. Outra parte, para compra de combustível e aluguel de máquinas para recuperação de estradas do interior